A construção do Homem no jovem Marx.
Por Augusto Buonicore
Que papel desempenham as obras da juventude no conjunto da construção teórica de Marx?
Introdução: Existiria um humanismo marxista?
Em fins da década de 1960 o problema do humanismo passou a ser o centro de acaloradas discussões no interior do marxismo. Nesse confronto de ideias podemos distinguir duas grandes correntes, dois grandes partidos teóricos. De um lado aqueles que, como Garaudy, acreditavam que o humanismo marxista (ou socialista) era o fruto de uma evolução natural, e necessária, do humanismo clássico — um humanismo sob novas condições históricas. De outro, os que, como Althusser, se recusavam a estabelecer qualquer ponto de contato entre o humanismo (enquanto construção ideológica da burguesia) e o marxismo (enquanto visão científica de mundo, e não ideológica).
A resolução desse intrincado problema passava, necessariamente, pela compreensão de outros problemas não menos intricados: que papel desempenham as obras da juventude no conjunto da construção teórica de Marx? O que era negado e o que era mantido das obras da juventude nas obras posteriores? Até que ponto Marx acertou suas contas com seu passado juvenil?
Diante dessas questões formaram-se, novamente, dois blocos. O primeiro buscava ver uma solução de continuidade, mais ou menos acentuada, entre o jovem Marx e o Marx maduro das obras clássicas — seja vendo o “velho” Marx sob a ótica do jovem, seja vendo o jovem Marx e suas obras sob o ponto de vista do marxismo amadurecido. O segundo propunha um corte, uma ruptura radical, entre as obras da juventude e as da maturidade, construindo entre elas uma verdadeira muralha da China.
O objetivo deste ensaio é penetrar um pouco nesse debate e para isso me vi obrigado a voltar minhas atenções para a leitura das chamadas obras da juventude. Era preciso ir às fontes. Não poderia assim ficar reduzido ao estudo dos autores contemporâneos e suas leituras das obras de Marx. Era preciso ter as minhas próprias experiências, minhas próprias leituras e opiniões, não importando a originalidade das conclusões a que chegasse, com tanto que chegasse a algumas conclusões. E foi, justamente, a leitura do conjunto das obras da juventude, pelo menos no que elas têm de mais significativo, que me permitiu traçar um perfil, ainda que provisório, do desenvolvimento teórico de Marx, e em particular do desenvolvimento do seu humanismo.
Partindo de um Marx idealista e liberal, embora revolucionário, em cuja obra o Homem ainda era visto como uma individualidade isolada do mundo, passando por um Marx cuja visão do Homem já era social, embora ainda preso a uma essência em geral, chegamos finalmente ao período de amadurecimento de sua compreensão, quando Marx passa a enxergar o Homem não mais como um ser abstrato com uma essência em geral, mas como um ser concreto, historicamente determinado. Essa trajetória criou as bases de um novo humanismo, um humanismo de classe, proletário, que começou a surgir, embrionariamente, nos Anais Franco-alemães e se consolidou nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos.
Este caminho trilhado por Marx, do ponto de vista de sua construção teórica, nem sempre foi um caminho tranqüilo, sem tensões. Pelo contrário, foi um caminho por vezes conturbado, que só poderá ser plenamente compreendido se ao processo de formação teórica sobrepusermos o estudo de sua vida, de suas influências e, principalmente, de sua ligação orgânica e militante com o jovem movimento operário de sua época, que tanto lhe impressionava e do qual acabou por se constituir no principal teórico e dirigente.
____________________________(Continua na parte 2)
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