Bom dia Brasil: Para além das aparências das notícias a realidade!
(06/01/11)
* Alcides Campelo A. Junior
O cidadão brasileiro já está acostumado (ou forçado) a ouvir falar no déficit da Previdência Social, que se devem cortar gastos públicos, que existe um “caos aéreo” e que deve ser solucionado a partir da abertura para a “eficiente” iniciativa privada, que o Correios está imerso numa crise e também precisa ser entregue nas mãos de quem tem “vocação” para tal serviço, ou seja, a “mágica” iniciativa privada.
Enfim, somos bombardeados por notícias que aparentemente prezam pelo melhor de nossas vidas, são as soluções para os problemas em que enfrentamos cotidianamente. Elas aparecem com tom enfático, as vezes dramáticos e em outros com ar professoral e especialista do assunto com os comentaristas ou pesquisadores da respectiva problemática, que é para parecer verdade absoluta, visto que é alguém que “entende” do assunto, então por quê questionar?
É nesse contexto que se insere as reportagens de vários meios de comunicação, em específico os que comentaremos adiante. No dia 05 de janeiro de 2011 o telejornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo de televisão, nos “premiou” com uma série de reportagens sob a lógica acima descrita. Elas falavam do “abacaxi” da Previdência Social e do “caos aéreo”.
Com essa crônica pretendo esmiuçar tais problemáticas, bem como instigar a reflexão e possível contribuição a análises críticas acerca das questões abordadas pelas reportagens do Bom Dia Brasil do dia 05/01/11.
Sobre o “caos aéreo” e a privatização da Infraero e Correios
Estamos no período denominado de alta temporada, aquele em que as pessoas aproveitam para viajar mais. Já virou comum ver notícias sobre atrasos e cancelamentos de vôos principalmente nessas épocas, instala-se, então, o “caos aéreo”. Fala-se em soluções, e por parte da imprensa não se escuta algo diferente senão dividir responsabilidade ou entregar o gerenciamento dos aeroportos ao setor privado.
O velho confronto entre setor público e setor privado é sempre instigado. Aquele é sempre mais emperrado, ineficiente, cheio de vícios, sem competência gerencial e sem visão “empreendedora”. Assim sendo, deve-se dar lugar a eficiência, a eficácia, a competência e perfil empreendedor, tais qualidades são encontradas na iniciativa privada, segundo análises (com nítido direcionamento privatista) da mídia e especialistas (neoliberais, diga-se de passagem).
Diante disso, a “ineficiência” do órgão público responsável em administrar os aeroportos brasileiros (Infraero) deve ceder espaço para a “eficiente” iniciativa privada. Mas será que realmente não há outra solução? Não é possível o próprio Estado investir na infra-estrutura do país? A Infraero não tem recursos? Há mesmo uma incapacidade gerencial da Infraero?
Poderíamos fazer muitos outros questionamentos, mas acredito que esses são suficientes para entendermos melhor toda a jogada estratégica do “marketing da ineficiência pública”.
A Infraero está com inúmeros investimentos em aeroportos dentre melhorias, ampliação e aquisição de novos equipamentos, basta acessar o site da empresa (infraero.gov.br) para perceber. Isso por si só não quer dizer grandes avanços, mas em parte já responde o questionamento referente em ter ou não ter recursos. Segundo comentários da própria Miriam Leitão: “É impressionante como a Infraero não investe tudo que ela pode investir, por incapacidade gerencial de investir. Esse ano investiu 22% do orçado, ano passado 42%, em 2008 foram 17% apenas. Temos dinheiro para investir e não investimos.” (Bom Dia Brasil do dia 23/12/10), ou seja, há recursos, mas não se investe o suficiente.
Diante dessa notícia a pergunta que vem a cabeça é se há mesmo uma incapacidade gerencial da Infraero, talvez, não haja nem o pensamento questionador, mas sim uma afirmativa de que, de fato, há uma incapacidade. Não sou “expert” no quesito administrativo, contudo deve-se ter em mente que na farra das privatizações das empresas estatais ocorridas em sua maioria nos governos federais de Fernando Henrique Cardoso, o que se tinha de “concreto” eram empresas sucateadas e sem perfil nenhum para o empreendedorismo. Ora, se pararmos um pouco para refletir, esse processo de sucateamento foi proposital, simplesmente deixa-se de investir, fazendo assim com que as empresas percam qualidade e cria-se, então, a “necessidade” de modernização dessas empresas, onde elas devem ser entregues a quem realmente tem capacidade para gerenciá-las, ou seja: a iniciativa privada.
A idéia de modernização via privatização é resultante da ideologia neoliberal. Em nenhum momento se defende a primazia do Estado para conduzir e modernizar empresas estatais. Assim como já foram leiloadas várias empresas outras tiveram seus capitais abertos à iniciativa privada, e isso é, também, privatizar. No contexto atual é até menos desgastante para o governo federal, afinal, esse governo como o anterior se elegeram, dentre outras bandeiras, como defensores das empresas estatais e patrimônio brasileiro.
Segundo Miram Leitão: “O governo ficou em dúvida, mas a presidente Dilma Rousseff decidiu que vai levar adiante a ideia de concessão de aeroportos ao setor privado. O ministro Nelson Jobim é a favor e a Anac apresentou proposta. Isso não conflita com a outra ideia de abrir capital da Infraero. São coisas que podem até se complementar. O governo tomou essa decisão e deve implementar nas próximas semanas. Essa é a informação que circula dentro do governo.” (Bom Dia Brasil, 05/01/11). Dessa forma, fica compreensível a Infraero não investir tudo o que pode investir, o terreno já estava sendo preparado, pois, já há, inclusive, um “Lugar escolhido para o primeiro projeto: São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Por enquanto, é só uma pista. Quem vencer a licitação, vai explorar o aeroporto por 25 anos.” (Bom Dia Brasil, 05/01/11).
A matéria ainda afirma que: “De acordo com especialistas, o investimento da iniciativa privada é bem-vindo para melhorar e ampliar os aeroportos do país, mas não vai acabar com atraso e cancelamento de voos. Aí é uma questão de fiscalização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).” (Idem, grifos meus). Se não vai acabar com atrasos e cancelamento de voos mesmo com o gerenciamento da iniciativa privada dos aeroportos brasileiro então por quê assim fazer? Dá para perceber que privatização não é solução, é apenas “bem-vindo para melhorar e ampliar aeroportos do país”. Assim sendo, não há necessidade de conceder aeroportos para o setor privado, mas sim, apenas maiores investimentos na melhoria e ampliação dos aeroportos. Mas vai falar isso para os defensores do neoliberalismo...
Cabe ressaltar ainda a despolitização da questão. Trocando em miúdos, se retira o caráter político da questão e enfatiza-se apenas o caráter técnico-operativo. É dessa maneira que a ideologia neoliberal trata questões essencialmente políticas.
Sem nem fazer muito esforço na memória dá para lembrar, também, a questão do Correios e a “necessidade” de privatizar essa empresa estatal. É assim que os mesmos meios de comunicação costumam frisar, tudo em nome da qualidade, eficácia, eficiência e modernização, nunca em nome do neoliberalismo. No caso do Correios, interessante é que apesar de se insistir em sua suposta necessidade de privatização, no mesmo Bom Dia Brasil, edição do dia 05/01/11, em matéria sobre provável conflito entre PMDB e PT sobre cargos no governo, se afirma o seguinte: “Estatais, bancos públicos, fundações, quanto maior o orçamento mais cobiçado o cargo. Correios, por exemplo, tem R$ 12 bilhões em caixa.” . Ora, não é esse mesmo Correios que está em crise? Seria uma crise forçada para desvalorizá-la e vende-la posteriormente? Acredito que essa última pergunta é ao mesmo tempo sua própria resposta. Cabe ainda salientar o desvio de foco que costuma se dá nesses casos: a culpa acaba sendo do funcionalismo público que abriga um monte de parasitas sem compromisso algum com o serviço público. Vale destacar, também, que tanto no caso do Correios quanto da Infraero os trabalhadores são regidos pela CLT, portanto, passíveis de demissão. Ou seja, o desvio de foco que citamos acima não passa de tentativa de desqualificação dos trabalhadores lhes atribuindo a responsabilidade por erros (reitera-se aqui que se trata de erros políticos) cometidos por essas empresas e que nada de consubstancial tem em tais comentários.
Previdência Social: o abacaxi?
Ainda na mesma edição do telejornal Bom Dia Brasil se falou de outra questão polêmica, o caso da Previdência Social. Nessa você deve estar pensando:- “aí não tem para onde, realmente a Previdência Social é um abacaxi daqueles enormes difícil de descascar, devido a seu famoso rombo!” E como estou aqui para instigar reflexão, questiono: Há mesmo um rombo nos cofres da Previdência Social? Ela é, de fato, um abacaxi?
O novo ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, no ato de sua posse comentou que ao invés de receber feliz ano novo no reveillon as pessoas lhe diziam que ele iria assumir um abacaxi. Com base nisso foi que o Bom Dia Brasil convidou o pesquisador do IPEA Paulo Tafner, para fazer algumas considerações a respeito desse suposto abacaxi que é a Previdência Social, e ele já iniciou a entrevista afirmando o seguinte: “O abacaxi é cascudo, complicado e cheio de ranhuras. O tamanho desse abacaxi é como 12% do PIB. As empresas abrem seu dia a dia de trabalho sabendo que, de tudo o que produzirem, 12% vai para a Previdência. A tendência é crescer de forma acentuada.”
Primeiramente gostaria de dizer que toda a riqueza desse país é socialmente produzida pelos trabalhadores e não pelas empresas, como afirma Tafner. As empresas são as organizações que gerenciam (e exploram) a força de trabalho e que detêm e controlam os meios de produção, a partir do montante produzido pela classe trabalhadora uma parte lhe retorna na forma de salário e o excedente é apropriado pela classe que detêm os meios de produção, essa valorização do capital é denominada de mais-valia, ela é a fonte do lucro da classe dominante/capitalista/burguesa. Após essas considerações voltemos à questão especifica da Previdência Social.
Diante dessa lógica da acumulação capitalista, que tem sua fonte de lucro a exploração da classe trabalhadora e sua perversidade no cotidiano do trabalho e se estende às relações sociais, essa classe subalterna se organizou e reivindicou direitos, como, por exemplo, melhores condições de trabalho e melhores remunerações, dentre outras. No conjunto dessas reivindicações, fazia-se necessário um sistema de proteção e amparo social, uma espécie de seguro que desse segurança para os trabalhadores dos riscos sociais como doença, desemprego, etc. Na efervescência da luta de classes e com muito esforço e muita luta é que os direitos foram sendo assegurados. Dentre eles, a Previdência Social. No caso brasileiro é uma evolução das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) e Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Não aprofundaremos aqui a evolução histórica da seguridade social, e sim seu caráter de origem das conquistas trabalhistas.
Com o advento do neoliberalismo as conquistas trabalhistas passam a ser ameaçadas e consequentemente flexibilizadas. Esse é o caso da Previdência Social. No Brasil, recentemente, houve a criação do fator previdenciário e do aumento da idade mínima para a aposentadoria. E diante da crise econômica, na Europa está se sucedendo várias tentativas de reformas nas previdências de paises como Portugal, Grécia e França, não sem muita mobilização popular.
Mais contrarreformas se desenham para o Brasil, e com a perspectiva de descascar abacaxi é que Garibaldi Alves estará a frente de mais um provável processo de contrarreforma da previdência. Se depender dos especialistas conservadores, comentaristas econômicos conservadores, imprensa conservadora, congresso e parlamento consevadores, por todos eles irão se configurar medidas anti-populares que serão as facas afiadas que irão descascar esse “abacaxi”.
Em todas as dificuldades e problemas relacionados ao sistema previdenciário (tal qual envelhecimento da população, dificuldade orçamentária, etc.), em nenhum momento se fala no orçamento da Seguridade Social, comenta-se apenas o dinheiro que entra através da contribuição “direta” à previdência (que são os descontos no contra-cheque) e que nesse caso associa-se ainda o nascimento de poucas crianças, como afirma o pesquisador do IPEA: “O censo mostrou uma novidade importante, que o número de filhos que cada mulher tem está caindo mais do que se imaginava. Significa que cada mulher está tendo menos de dois filhos. Isso não repõe a população, e o efeito conjugado – aumento de esperança de vida com menos crianças nascendo – é que a idade média e mediana vão subir rapidamente.” e Miriam Leitão acrescenta: “Como nascem menos crianças, há menos gente entrando para pagar e mais gente recebendo. É bom lembrar que viver mais é uma boa notícia. Temos que nos preparar para tirar o melhor proveito desse novo quadro demográfico. A idade mínima seria uma resposta a esse problema?” Em resposta, Tafner diz: “Seria uma resposta, mas não completa. Há vários problemas no nosso abacaxi. Um deles é a idade mínima. Não faz sentido uma pessoa se aposentar com menos de 50 anos. É muito cedo para uma pessoa que vai viver até os 80 anos”. Com essas colocações fica claro que a vontade de nossos especialistas é aumentar ainda mais a idade mínima para aposentadoria. Se isso vai ocorrer no governo Dilma ainda não sabemos, porém devemos ficar bem atentos, pois, ao contrário desses pensamentos anti-populares e neoliberais a classe trabalhadora não concorda em nada com isso.
Entrando agora na questão do famoso rombo da Previdência Social, é de fundamental importância comentar sobre o fundo público/carga tributária/política econômica. Deixo explicito aqui não ser referência alguma nessa especificidade das políticas sociais, por isso, me basearei em estudos de Elaine Behring e Ivanete Boschetti no livro Política Social – fundamentos e história (2008, 4ª ed. Ed. Cortez).
As autoras argumentam que: “O orçamento da seguridade social, assim como das demais políticas sociais, não pode ser compreendido sem referência à estruturação da carga tributária brasileira e de seu significado no âmbito da política macroeconômica.” (Pg. 164). A política fiscal atual tem origem no governo de FHC, perpassa o governo de Lula e já está nítido que continuará no governo Dilma. O direcionamento dessa política é dado diante de acordos firmados entre o FMI e o governo brasileiro, a partir de 1998. Behring e Boschetti afirmam que “tem-se uma carga tributária regressiva, na medida em que os impostos e contribuições terminam por incidir sobre os trabalhadores, visto que são remetidos ao consumo, de forma que a tributação não promove redistribuição de renda e riqueza, contribuindo, ao contrário, para sua concentração.” (Pg. 165). Vale ressaltar que esse foi um dos assuntos bastante comentado pela equipe econômica do governo de Dilma (e até mesmo antes: durante as eleições), onde será proposto reforma tributária.
Falar hoje em dia de orçamento da Previdência Social de forma séria, necessita-se de que se comente a respeito da Desvinculação das Receitas da União (DRU), pois os recursos da seguridade social são apropriados anualmente pelo governo Federal para à composição do superávit primário e pagamento de juros da dívida através da DRU. Confira o que o Tribunal de Contas da União (TCU) comentou ao analisar as contas do governo Federal de 2005: “Um dos pontos que merecem maior destaque no relatório do ministro Valmir Campelo foi o resultado da seguridade social. As receitas vinculadas a essa área somaram R$ 250,9 bilhões. Como os gastos do sistema atingiram 265,1 bilhões, poderia ser calculado um resultado negativo da ordem de 14,1 bilhões. Entretanto, a receita seria muito maior se não houvesse a incidência da desvinculação das receitas da União (DRU). Nessa hipótese, a seguridade social apresentaria saldo positivo de R$ 19,1 bilhões. O relator concluiu que uma parcela dos recursos desvinculados do orçamento da seguridade social financiou despesas do orçamento fiscal no exercício de 2005, contribuindo com 34% do superávit primário alcançado pelo governo Federal no exercício” (Pg. 167). Dessa forma, fica claro, então, que o suposto déficit da previdência social é gerado pela desvinculação das receitas da União (DRU) e não por problemas orçamentários. Apesar desses dados acima serem de 2005 não altera em nada a análise acerca do DRU, pois o mesmo permanece.
Portanto, é preciso estar atento e forte para as implicações desses pensamentos conservadores e anti-populares, que ainda por cima tentam nos passar como “a verdade” para que possamos assimilar tranquilamente as “doses do veneno”. Para além das aparências das notícias existe uma essência perversa que poucos ousam encara-la. Por isso, é importante o olhar crítico. Se a população brasileira derrotou nas urnas setores mais conservadores e reacionários da burguesia, deve estar pronta, também, para derrotar nas ruas qualquer medida anti-popular do governo Dilma.
(*) Alcides Campelo A. Junior é militante do PCB e direção estadual da UJC em Pernambuco.
Links das reportagens do dia 05/01/11 do Bom Dia Brasil:
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/01/especialista-fala-sobre-desafios-da-previdencia-nos-tempos-atuais.html
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/01/venda-de-passagens-e-recorde-mas-aeroportos-sofrem-com-problemas.html
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/01/miriam-governo-deve-conceder-aeroportos-ao-setor-privado-em-breve.html
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/01/pmdb-e-pt-travam-disputa-interna-por-cargos-no-novo-governo.html
[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]
Muito booommm o texto Shellen...não assisto o referido jornal tem muito tempo. A Record, ainda, dá pra levar...mas globo não entra na minha casa.
ResponderExcluirAh!! Lucidez...seja bem vinda!!!
Valeuuu, bj