sábado, abril 30, 2011

Quando meias palavras transformam uma meia verdade em mentira.

Quando meias palavras transformam uma meia verdade em mentira.
Por Maria Fernanda Araújo e Otávio Marhofer Dutra*

Em resposta ao texto: “Vamos cercar de solidariedade os trabalhadores e o povo cubano” publicado pela LIT-QI e pelo PSTU.


Somos estudantes brasileiros em Cuba, país irmão no qual vivemos há quatro anos, e escrevemos este texto a fim de solidarizar-nos verdadeiramente com nossos hermanos e de contribuir sobre a reflexão quanto ao processo revolucionário cubano.
Confessamos que num primeiro momento a leitura do referido texto causou tamanha indignação, diante de tantos equívocos e disparates sobre uma realidade a qual estamos tendo a incrível oportunidade de vivenciar. No princípio, nos questionamos sobre as reais intenções deste texto. Longe de ser uma análise concreta sobre a realidade cubana, acreditamos que o texto da LIT não supera uma visão superficial, fragmentada e idealista de um complexo processo, impossível de compreender em poucos dias de viagem pelos rincões turísticos do país.
Essa é uma questão fundamental: para realizar qualquer discussão ou análise sobre a Revolução Cubana é necessário antes despir-nos de dogmas e preconceitos, compreendendo-a por si própria em sua diversidade. Os únicos pressupostos pelos quais devemos orientar-nos são que a realidade é dialética, e portanto contraditória e dinâmica, de maneira que toda transformação contém elementos do passado e embriões do futuro; e que é necessário ser radical, ou seja, compreender seus problemas a partir das suas raízes.

Sobre os caminhos históricos desde o triunfo de 1959

Sem a ciência da história ao nosso lado - buscando compreender sua dinâmica e seu movimento, sem cair nas facilidades das dicotomias ou dos atos de fé - podemos realizar análises equivocadas, seja pela ingenuidade, ignorância ou pelo oportunismo. No texto da LIT as falsas dicotomias entre bem ou mal e certo ou errado são tratadas como verdades absolutas e os sentidos comuns são o que há de mais freqüente. Assim cabe a nós fazer uma breve reflexão histórica, em que por razões dos objetivos do texto trataremos de 1959 aos dias de hoje.
Com o triunfo da revolução em primeiro de janeiro de 1959, à medida que avançavam as conquistas do heróico povo cubano, crescia também a contra-ofensiva do império. Ainda em 1961, a CIA financia e organiza o ataque de 1200 mercenários a Playa Girón, cujas tropas foram derrotadas pelo povo combatente. Foi então que para organizar o povo cubano e defender suas conquistas foram criados os Comitês de Defesa da Revolução – CDR, possibilitando a construção do socialismo e da democracia popular em cada bairro.
Em 16 de abril de 61, Fidel declara o caráter socialista da Revolução Cubana e com a vitória de Playa Girón, que cumpre 50 anos este 19 de abril, o governo revolucionário realiza mais expropriações de empresas estratégicas e planificação do Estado. Depois desse, vieram muitos outros ataques, que seguem até os dias de hoje. Como se não bastasse, em 1962 os EUA expulsam Cuba da Organização dos Estados Americanos - OEA, e declaram o bloqueio econômico à ilha socialista, buscando impedir que outros países comercializem ou desenvolvam qualquer tipo de relação com este país. Com o bloqueio genocida, Cuba estreita suas relações com a União Soviética, através de acordos comerciais, militares e de solidariedade.
A partir da vitória de 61, os feitos da revolução cubana seguiram impressionando. Em poucos anos Cuba desenvolve-se como potência científica em diversas áreas, como a medicina e a farmacologia.  Torna-se o país com maior expectativa de vida e menor mortalidade infantil das Américas, números comparáveis aos mais desenvolvidos países europeus.  Desenvolve-se no âmbito dos esportes e cultural, sendo, por exemplo, o país de todo mundo com o maior percentual de escritores per capita, mostra do nível intelectual alcançado pelo povo durante o socialismo. Nas artes plásticas, na dança, na música, no cinema e no teatro a revolução deixou também sua marca: um povo culto é um povo livre, parafraseando José Martí.
O povo cubano em sua grande maioria, ao contrario do que afirma a LIT, é extremamente crítico e conhecedor da sua história e da história dos outros povos do mundo, atualizado como nenhum outro sobre a conjuntura e os desafios dos processos que vivem os oprimidos em qualquer parte. É, sobretudo, um povo ativo e autônomo, soberano e independente, pouco passível às manipulações e ilusões de falsas verdades.

Pátria é humanidade: o internacionalismo de Cuba

Seguimos utilizando a história como instrumento para compreender outros disparates do texto da LIT, que peca pela ausência de base científica. O texto afirma que “a direção cubana implementou a mesma política que tiveram as direções da URSS, China, Alemanha Oriental etc.: a coexistência pacífica com o imperialismo, ao invés da revolução latino-americana e mundial”. O socialismo cubano, como a história prova, não acabou em si mesmo e muito menos coexistiu pacificamente com os EUA, como brevemente relatamos acima. Os cubanos deixaram marcas de emancipação em diversos países e internacionalizaram sua revolução mais do que qualquer outra. Um país pobre, de pequenas extensões geográficas e bloqueado economicamente por grande parte do mundo, jamais hesitou em solidarizar-se com um povo irmão. Desde a década de 60 aos anos 90 apoiou direta ou indiretamente as tentativas emancipatórias na América Latina, exportando sua experiência de guerrilhas, treinando militantes política e militarmente, ou apoiando financeiramente e com recursos humanos diversas organizações e governos revolucionários. Bolívia, Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, El Salvador, Peru, Nicarágua, Guatemala, México são alguns dos exemplos na América Latina. Na África contribuíram com exércitos e profissionais diversos aos esforços de libertação nacional de várias nações, como Angola, Etiópia, Congo, Moçambique (e muitos outros) sendo sua participação fundamental para o fim do regime Apartheid na África do Sul.
Desde o triunfo da revolução já somam centenas de milhares os jovens oriundos de países da periferia do sistema que receberam cursos universitários em Cuba; dezenas de milhões os que foram alfabetizados por cubanos e cubanos; milhões os que voltaram a enxergar através cirurgias de catarata realizadas pelas missões médicas cubanas; dezenas de milhões que receberam atenção médica cubana nas mais diversas áreas, seja em desastres ambientais, epidemiológicos (como recentemente o terremoto e a epidemia de cólera no Haíti) ou para estruturar os sistemas nacionais de saúde e educação. Detalhe, Cuba realiza o que considera um princípio – a solidariedade – sem exigir nada em troca. Pelas proporções dos seus gestos, jamais houve tamanho internacionalismo. Quem diga o contrario ou desconhece profundamente a história ou bem intencionado não está.
Hoje, mesmo enfrentando tantas dificuldades econômicas, Cuba segue sendo vanguarda no que se refere à solidariedade internacional. Um exemplo é que atualmente estudam em Cuba cerca de 50 mil estudantes estrangeiros, dos mais diversos cursos universitárias, sendo a maioria medicina. Além disso, as missões cubanas de solidariedade na área de saúde e educação estão presentes em mais de 70 países. Somente na Venezuela são mais de 35 mil cubanos, entre médicos, profissionais da saúde e educadores.
Outro relevante exemplo do internacionalismo do socialismo cubano é o projeto Escola Latino Americana de Medicina - ELAM, idealizado pelo Comandante Fidel Castro em um momento em que toda a América Central havia sido assolada por três furacões. O projeto ELAM já possui 12 anos de existência, com uma grande quantidade de médicos atuando em toda a América Latina. Atualmente, cerca de 700 brasileiros estudam em Cuba, outros 400 já se formaram, e em sua maioria estão comprometidos em trabalhar para construir um SUS 100% público, estatal, universal, integral e eqüitativo para o povo brasileiro, em que a gestão popular seja o principal instrumento de controle e planificação, a exemplo do que vivenciamos diariamente em Cuba.

A desintegração da URSS e as contradições atuais
   
Seguindo os caminhos da história chegamos no período de desintegração da URSS e do bloco socialista. Na década de 80 recordamos que os acordos com o campo socialista passaram a responder por 85% do intercambio de mercadorias realizadas por Cuba, aprofundando a dependência econômica. Na década de 90, com a desintegração da URSS e do socialismo no leste europeu, teve inicio uma das épocas mais difíceis da história do aguerrido povo cubano: o período especial.
No primeiro ano após a dissolução do campo socialista do leste europeu e da União Soviética, o produto interno bruto decaiu 33%. A questão energética foi uma das mais prejudicadas, colapsando o transporte e a indústria. Cuba infelizmente possui reservas muito pequenas e de difícil acesso de recursos como o Petróleo ou carvão mineral. Um exemplo do caos energético gerado foram as muitas safras de alimentos que apodreceram no campo, já que sem combustível para o transporte não podiam ser deslocadas às cidades. Faltavam alimentos, remédios e outros produtos essenciais, como de vestuário e higiene. Nesse contexto, o cruel bloqueio imperialista tornou-se ainda mais perverso. Mas para a LIT tudo segue preto ou branco e, ignorando a lógica marxista, simplifica superficialmente as soluções para problemas tão profundos e complexos.
Mesmo com tamanhas dificuldades, em pleno período especial, o povo cubano ratifica sua vontade de seguir construindo o socialismo em plebiscito nacional, com mais de 90% dos votos e uma participação de quase 100% da população, com voto secreto, não obrigatório e universal aos maiores de 16 anos. Talvez, por tão heróica resistência e convicção do rumo escolhido, que Fidel considera o Período Especial “o mais glorioso dos 50 anos da Revolução Cubana”.
O povo cubano viveu anos de profunda escassez e sacrifícios. De fato, a dependência econômica que mantinha do campo socialista era profunda, o que se mostrou um grande equivoco na construção do socialismo em Cuba, talvez o maior que cometeram. As seqüelas da dependência se mostraram mais perversas no período especial, o país entrou em colapso. No entanto, julgar a história desde o futuro é fácil. As autocríticas da direção do Partido Comunista e das organizações de massa do povo cubano foram muitas e periódicas, mas não transformam o passado. Servem principalmente para evitar que erros similares voltem a ocorrer.
O período especial gerou também uma serie de novas contradições cujas soluções são hoje, junto com o desafio de dinamizar a economia, os principais desafios para o avanço do socialismo em Cuba. Para reverter o processo de carência e dependência econômica criaram-se diversas empresas mistas (parcerias entre o Estado - sócio majoritário – e empresas capitalistas), com a finalidade de ampliar a infra-estrutura industrial, aumentar e diversificar a produção de bens de consumo para a população. Para incrementar a arrecadação do Estado, Cuba foi obrigada a abrir-se ao predatório turismo internacional e, para isso, fazer concessões as grandes redes turísticas, que detém o monopólio do turismo na Europa e América do Norte, de onde vem o grande contingente de turistas a Cuba. O povo cubano não teve escolhas, porque infelizmente a história não depende somente dos desejos, e os cubanos sabiam em que barco estavam entrando e os problemas que estavam por surgir. Mas para a LIT a resposta continua simples e se resume na seguinte fórmula: Cuba restaurou a economia de mercado.
Com tais medidas, Cuba pôde evitar a ofensiva da contra-revolução capitalista, como ocorreu nos países do antigo bloco socialista. Admirável é a convicção com que LIT defende essas contra-revoluçoes financiados pelo imperialismo, que deterioram a vida de milhões nesses países, como revoluções sociais. Através do controle do Estado sobre as principais empresas estratégicas, planificação da economia e a manutenção das mais importantes conquistas da revolução nas áreas da saúde, educação, arte e cultura e produção de ciência e tecnologia Cuba pode resistir a tal contra-ofensiva. No entanto, este longo período de dificuldades materiais foi bastante marcante na determinação da consciência social. Um grande contingente de cubanos deixou o país durante os anos do período especial, e problemas como a prostituição, o mercado negro e a corrupção, tornaram-se presentes. As desigualdades internas foram intensificadas, especialmente quanto à valoração do trabalho.
Com o objetivo de proteger a população e garantir o mínimo necessário para que todo cubano pudesse seguir vivendo dignamente foi criada uma economia interna “fictícia”, com desvalorização da moeda e forte subsidio do Estado Cubano aos produtos essenciais. Assim, com o período especial foram criadas duas moedas: o Peso conversível (equivalente ao dólar), utilizado nas transações comerciais internacionais e no turismo; e o peso Cubano (que equivale a 1/24 de peso conversível), utilizado no mercado interno de produtos subsidiados pelo Estado.
Todo trabalhador cubano recebe seu salário em peso cubano, e compra seus alimentos e produtos de primeira necessidade com valores muito abaixo do mercado internacional. O salário mínimo é de cerca 400 pesos cubanos, equivalentes aos 18 dólares relatados no texto da LIT. Mas, o essencial que omitiu é o real poder aquisitivo do peso cubano internamente. Exemplifiquemos. O quilo do arroz e do feijão custam 2 pesos cubanos, equivalente a 15 centavos de real para o cubano. O litro do leite custa menos de 1 peso cubano e é gratuito para as crianças de até 10 anos e idosos com mais de 60. A tarifa de ônibus vale 40 centavos de peso cubano (equivalentes a 3 centavos de real) e o pagamento é opcional.  Uma sessão de cinema, teatro ou ballet não passa de 40 centavos de real, ou 5 pesos cubanos, isso quando não são oferecidos os freqüentes descontos aos trabalhadores ou estudantes. Agora façamos as contas: algum cubano “passa fome”?  
Contudo, um trabalhador que recebe seus ganhos em Peso conversível (em geral aqueles que trabalham em setores vinculados ao turismo, como um taxista particular, alguém que recebe dinheiro de um familiar no exterior ou que aluga um quarto para estrangeiros), já que esta moeda tem um valor 24 vezes maior que o peso cubano, têm maiores possibilidades de consumo que um exemplar operário, um engenheiro, um médico ou um reconhecido professor universitário. Um problema que já é grande por si só é amplificado pelas informações equivocadas da LIT, quando afirma que “os cubanos que trabalham nas empresas internacionais não têm a proteção do Estado “socialista” cubano. Ao contrário, o trabalhador cubano não recebe o mesmo salário que essas empresas pagam em outras partes do mundo. Os cubanos só ganham os seus miseráveis 18 dólares mensais”. Basta informar-se minimamente para rebater esta falácia.
O Estado Cubano recebe pelo trabalho de qualquer cubano de uma empresa mista um valor próximo à média que recebe um trabalhador com semelhante capacitação em qualquer lugar do mundo.  Dependendo da função do trabalhador e de sua preparação técnica repassa cerca de 10% desse salário. Um engenheiro de uma empresa mista com um salário em torno de 3 mil dólares recebe cerca de 300 dólares do Estado, que utiliza os outros 2700 para financiar os gastos sociais. Com 300 dólares um trabalhador cubano tem a possibilidade de viver confortável e dignamente em Cuba.
No entanto contradições como essa têm sido um dos maiores desafios do Estado cubano, do Partido Comunista e das organizações de massa do povo. A fim de avançar na superação delas, o governo revolucionário tem proposto à população uma série de reformas que visam principalmente aumentar a produtividade de setores estratégicos (especialmente àqueles vinculados à alimentação e o desenvolvimento de meios de produção). Uma delas trata da legislação trabalhista e objetiva aumentar a produtividade industrial e a agilidade dos serviços, por meio de incentivos materiais aos trabalhadores mais dedicados e comprometidos com a revolução.
Tal medida vem no sentido de reafirmar o principio socialista de “receber de acordo com seu próprio trabalho e esforço”, rumando assim no sentido de diminuir a burocratização dos serviços e a corrupção, que estagnam a produção.  Outra importante medida adotada recentemente é a distribuição das terras ociosas do Estado aos pequenos agricultores e a garantia de condições para produzir, com o objetivo de aproximar Cuba da soberania alimentar, com aumento e diversificação da produção agrícola. Este é um dos grandes desafios de Cuba: manter os trabalhadores na terra.
Tendo em vista a ampla especialização da força de trabalho no país, em virtude do acesso irrestrito à educação, atualmente em Cuba faltam agricultores, trabalhadores técnicos, e sobram especialistas universitários a um ponto que em muitos setores da economia parte significativa da força de trabalho não está vinculada diretamente à produção. Com isso, por resolução do Conselho de Ministros da Assembléia Nacional do Poder Popular, debatida em todas as instâncias da sociedade cubana e movimentos de massa, tem sido realizada a redistribuição, e não a demissão como insiste erroneamente a LIT, dos trabalhadores nos diferentes setores da economia, de maneira que em cada local de trabalho pelo menos 80% dos trabalhadores sejam vinculados diretamente à produção, de maneira a aumentá-la e diminuir a burocracia do estado. Para atender à demanda de trabalhadores que não queiram ser redistribuídos, o Estado cubano aumentou a rede de serviços, ampliando a possibilidade de abertura de pequenos negócios (como cafeterias, restaurantes, cabelereiros, aluguel), assim como a ampliação de vagas em cursos técnicos.
Outro equivoco, por omissão de parte da verdade, é quando diz que “a maioria dos produtos que faziam parte da caderneta de abastecimento foi eliminada, ao mesmo tempo em que se anuncia o fim da própria caderneta”. Isso realmente tem acontecido, no entanto os produtos têm sido redirecionados aos setores sociais mais desfavorecidos. O fim do igualitarismo é uma das metas em curto prazo, já que isso não é um princípio socialista. Se é fato que a sociedade cubana hoje apresenta níveis de desigualdades (em proporções abismalmente distintas de qualquer sociedade capitalista) é dever do Estado socialista buscar um resgate do equilíbrio. Esse é um dos atuais objetivos. A caderneta pode num futuro deixar de ser universal para atender mais e melhor aos que mais precisam. Além disso, o texto da LIT diz que “na maioria das empresas os refeitórios foram fechados”. Ao contrário: os trabalhadores estão recebendo um incremento diário de cerca de 15 pesos cubanos e foram abertos restaurantes nas mesmas empresas que servem refeições de 5 a 15 pesos cubanos, com comidas de melhor qualidade, menos desperdícios e corrupção. O texto da LIT é repleto de meias palavras.
Agora, quando afirmam que “as belas crianças cubanas não tem brinquedos. Não poucos brinquedos. Sem brinquedos. É que os brinquedos são proibidos” parecem estar brincando. Não apenas tem brinquedos, como brincam durante todo o dia, e estão bem alimentadas. Aliás, 100% delas estão nas escolas, que é obrigatória até os 14 anos, em que as aulas iniciam às 8h e terminam às 16h. As crianças recebem alimentação e toda a atenção pedagógica durante esse período e não existe perspectiva alguma de acabar com “o período integral nas escolas”. Nenhuma criança cubana trabalha. Elas apenas estudam e brincam. Se para a LIT os brinquedos tem que ser os caríssimos brinquedos das grandes indústrias capitalistas e do consumismo ou um vídeo game de última geração e não apenas objetos para divertir e incentivar a criação e a imaginação da criança então, e somente assim, poderíamos afirmar que em Cuba as crianças não tem brinquedos. 

Democracia em Cuba: o povo no poder

O texto da LIT afirma que em Cuba existe “uma ditadura muito similar às piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo”. Uma prova disso deve ser o fato de que Cuba é o país da América Latina com a menor taxa de homicídios do continente e uma das menores do mundo. Ou que é o país do nosso continente com o menor proporção de presos e prisões.
Vejamos, então, como é a estrutura de poder nesta ilha socialista. A estrutura de poder em Cuba inicia desde baixo, desde cada quadra: os CDR’s (Comitês de Defesa da Revolução). Estes têm função de garantir a segurança, a limpeza, a organização e convivência coletiva. O conjunto de CDR’s forma a Circunscrição, formada por cerca de 2 mil cubanos. Cada uma delas realiza Assembléias Comunitárias periódicas para debater desde as questões mais relevantes do bairro até os mais importantes temas da economia nacional. A presença nas assembléias não é obrigatória, mas é difícil chegar numa em que não exista ao menos um representante por família. Inclusive as crianças têm direito a expressão, e o utilizam intensamente. Nessas assembléias se indicam os candidatos do bairro para delegados da Assembléia do Poder Popular Municipal, órgão máximo a nível do município. Por voto livre, universal (aos maiores de 16 anos), secreto e não obrigatório elegem os delegados. Todos os cubanos e cubanas podem se candidatar, desde que maiores de idade. Os candidatos podem anunciar sua própria candidatura nas reuniões públicas realizadas nos seus bairros, ou serem indicados por organizações de massas (estudantes, trabalhadores, mulheres etc.).
O Partido Comunista Cubano não indica nem escolhe candidatos. Depois, os cubanos escolhem os candidatos a delegados da Assembléia Provincial, por indicação das organizações de massas e das Assembléias Municipais e os deputados da Assembléia Nacional, em que os candidatos são indicados pelas mesmas organizações. As eleições para a Assembléia Municipal ocorrem a cada dois anos e meio. Já os pleitos para a Assembléia Provincial e a Assembléia Nacional são realizados a cada cinco anos.
As Assembléias do Poder Popular - APP são a máxima estrutura do poder a nível Municipal, Provincial ou Nacional. Entre seus representantes são divididas as funções executivas do Estado, em que apenas se executam as deliberações da APP. Todos os delegados ou deputados podem ter seu mandato revogado a qualquer momento pela base que representam. Nenhum recebe nem um centavo a mais pelo cargo, recebe o mesmo salário que tinha antes de ocupar a função.
As campanhas eleitorais são feitas por meio de um cartaz padronizado, em que todos os candidatos têm o mesmo espaço para expressar suas idéias e sua biografia. Os cartazes são colocados nos principais locais de movimentação do povo, publicados nos jornais de circulação massiva e divulgados na televisão, com o mesmo tempo e formato gráfico.
O presidente de Cuba não passa de mero executor das deliberações da APP Nacional, não tendo qualquer poder para além dessa. Antes de tudo, como qualquer outro membro da APP Nacional, o presidente de Cuba deve ser eleito deputado. Fidel, nas últimas eleições foi eleito deputado com cerca de 97% do votos em sua província e Raul Castro com 98%. Os dois tiveram iguais condições de apresentar sua candidatura que qualquer outro candidato.
Vale esclarecer que o Partido Comunista Cubano não cumpre nenhuma função de Estado, e todos suas posições, para tornarem-se realidade, devem ser construídas junto ao povo, que pode ou não reconhecer as posições do PCC como as mais acertadas. Caso não exista o convencimento do povo pelo Partido as políticas simplesmente não são aplicadas.
Dessa forma, consideramos que a comparação do nível da democracia cubana com qualquer “democracia” ocidental, deve ser bastante cuidadosa, já que em tais democracias o poder do povo está restrito ao voto, absolutamente manipulado pelos interesses econômicos e pelo monopólio da mídia, em que são os partidos da ordem e as classes dominantes, e não o povo, quem ditam as regras. Já a comparação da democracia cubana com “as piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo”, em coro com o discurso de Bush ou Obama, para nós que vivemos há 4 anos nesta ilha e participamos ativamente dos instrumentos democráticos construídos pelo povo cubano, é sem dúvida a maior de todas as mentiras expressadas pela LIT em seu texto.

Acesso à informação

Os ataques imperialistas não cessam, mesmo o texto da LIT afirmando que a convivência é pacífica. O assassino bloqueio segue vigente, mesmo com as sucessivas votações contrárias nas assembléias da ONU, em que apenas 3 nações do mundo se mantêm favoráveis a sua continuidade. Os prejuízos para Cuba são incalculáveis: em apenas 8 horas de bloqueio o governo cubano poderia reparar cerca de 40 creches ou em 1 dia comprar 139 ônibus de transporte urbano. O caso dos cinco heróis cubanos é outro exemplo da desumanidade que impõe o monstro do norte - como definia Simon Bolívar – presos por lutar contra o terrorismo dos EUA.
É parte verdade o que diz o texto da LIT: nenhuma organização cubana votou pela proibição do acesso à internet. Sua restrição – e não sua proibição – é outro exemplo da ação do bloqueio estadunidense em Cuba, pois o monopólio e bloqueio do acesso a sinal de internet desde de satélites ianques, e pelos cabos que passam pelo Caribe fazem com a banda total de internet de Cuba seja menor do que uma Universidade Federal do Brasil, restringindo seu acesso aos trabalhadores em seus locais de trabalho (governo, escolas, hospitais, policlínicas), hotéis, Joven Clubs (espécie de lan house) e a residência de profissionais especializados. Essa situação se espera que melhore logo que o cabo submarino de fibra ótica que está sendo construído através da ALBA desde Venezuela chegue a terras cubanas.
Quanto ao acesso à informação no país, é verdade que o Granma é o órgão de informação oficial do Partido Comunista Cubano, que é distribuído em todo o país. Mas o/a autor(a) do texto esqueceu de informar sobre as outras dezenas de publicações especializadas, políticas, culturais e de lazer publicadas em todo o país, por organizações populares, nas quais as criticas e autocríticas ao processo revolucionário são freqüentes, quase cotidianas. E bem se vê que o/a correspondente da LIT aproveitou bastante sua viagem pelo Caribe e sequer teve um tempinho de assistir à televisão recheada de programas, filmes e documentários nacionais e das maiores redes de televisões do mundo em canal aberto e estatal, sem espaços para propagandas comerciais. Infelizmente, talvez não pôde aproveitar os debates com especialistas cubanos e de outros países sobre a situação no Oriente Médio, ocorridos no programa Mesa Redonda, que diariamente enfoca temas de importância nacional e internacional em horário nobre. Ou assistir na televisão os jornais diários, ou ler algumas das reflexões do companheiro Fidel e de muitos outros intelectuais cubanos sobe o assunto, publicadas tanto no próprio Granma quanto em periódicos internacionais e na internet.
Dessa forma afirmamos categoricamente que a LIT se equivoca quando diz que “o governo e o Partido Comunista Cubano (...) não permitem que chegue, por meio da televisão ou da rádio (ambas controladas pelo governo), qualquer tipo de informação sobre o que as massas estão fazendo nos países árabes”. Para verificar a verdade não é necessário muito esforço, nem estar em Cuba, basta entrar nos inúmeros sites cubanos (inclusive das redes de televisão e rádio) que informam sua própria população e o mundo sobre o processo que vivem os povos árabes.

As estatísticas não mentem

Segundo o texto, o cubano vive no pior dos mundos (...). A partir da revolução, Cuba transformou-se no país mais igualitário da América, mas hoje é exatamente o contrário. Certamente, Cuba tornou-se o país mais igualitário das Américas, e quiçá as contradições surgidas com o período especial possibilitaram o surgimento de algumas diferenças sociais. Contudo, engana-se quem afirma que Cuba perdeu seu status de país mais igualitário da América, e isso percebemos cotidianamente: em Cuba, você jamais verá uma criança pedindo esmola. Pelo contrário, você encontrará inúmeros jovens brasileiros e demais latino-americanos e caribenhos, ex-crianças de rua, sem terra ou sem teto, tendo a possibilidade de estudar medicina, além de outras carreiras como engenharia, agronomia, arte, educação física, pedagogia. Jovens estes originários de países em que o acesso à educação, saúde, moradia e cultura é ainda limitado, mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo, como é o caso do Brasil.
Isso é visível nos dados sócio-econômicos sobre Cuba, publicados e disponíveis em sites de organizações de referência internacional, como a Organização Mundial da Saúde ou da ONU. Nestes 50 anos de Revolução, mesmo diante de condições econômicas diversas, Cuba atinge taxas de Índice de Desenvolvimento Humano e de expectativa de vida invejáveis. O Brasil, por exemplo, que possui o oitavo maior Produto Interno Bruto do Mundo (estimado em US$ 1,995  trilhões em 2007, e um PIB per capita de US$ 10.296), possuía no mesmo ano o 75º  IDH do mundo, e tinha uma media de expectativa de via em 72,4 anos (92º no ranking mundial).  Enquanto que Cuba, no mesmo período, sendo a 85ª economia (PIB de US$ 51,11 bilhões, e um per capita de US$ 4,5 mil), era o 51º em IDH (o,86) e 37º em expectativa de vida (78,3 anos).
Outro indicador importante, oferecida pela Oficina Nacional de Estadísticas de Cuba, é a progresão da mortalidade infantil e materna nos últimos anos, assim como os de acesso aos serviços de saúde, conforme segue abaixo.

Evolución de los indicadores de salud. Años seleccionados

  Indicadores seleccionados
1960
1980
1990
1995
2000
  Tasa de mortalidad infantil (por mil nacidos vivos)
42,0
19,6
10,7
9,4
7,2

  Tasa de mortalidad en niños menores de 5 años (por mil nacidos vivos)
42,4a
24,3
13,2
12,5
9,1

  Índice de niños con bajo peso al nacer (en %)
...
9,7
7,6
7,9
6,1

  Tasa de mortalidad materna (por 100 000 nacidos vivos)
120,1
52,6
31,6
32,6
34,1

  Partos atendidos en instituciones hospitalarias (%)
63,0
98,5
99,8
99,8
99,9

  Habitantes por médico
...
635
275
193
169


No último ano, Cuba alcançou a cifra de mortalidade infantil de 4,4 para cada mil nascidos vivos. Essa progressão mostra como, mesmo em tão difíceis condições econômicas e de embargo depois de mais de 20 anos do fim da URSS, os indicadores sociais de Cuba continuam melhorando. No mesmo período são diversos os estudos que mostram uma situação completamente distinta nos países do leste europeu em que existiram contra-revoluçoes capitalistas. Os índices de educação e acesso a cultura também estão progressivamente avançando, assim como os indicadores de segurança pública, que ao contrário do mundo se mantém estáveis, com os menores índices de violência do mundo. E como se alcança níveis de IDH e expectativa de vida tão avançados? A resposta é bastante objetiva: oferecendo a sua população possibilidades ao seu pleno desenvolvimento como seres humanos, em condições de igualdade e universalidade de acesso a educação, saúde, cultura, arte e lazer – condições jamais alcançáveis se em Cuba tivesse ocorrido ou ocorrendo a volta do capitalismo.

A solidariedade que o povo cubano necessita: a verdade!

Mas a paciência dos cubanos parece estar chegando ao fim (...)Mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores cubanos vão se rebelar contra essa situação”. Quanto a isso a LIT está certa: é verdade que os cubanos já não tem mais paciência com tantas dificuldades. No entanto se equivoca contra o quê e de que forma vão se rebelar. Os cubanos são profundamente rebeldes. E estão rebelando-se contra tudo que está ruim em sua revolução, interna e externamente. As reformas são urgentes, assim como o fim do bloqueio, pois realmente é difícil um país viver tantos anos com tamanhos entraves. Mas a certeza de que o socialismo é o caminho que o povo cubano defende com todas as suas forças foi comprovada na marcha do dia 16 de abril, pelos milhões de cubanos que marcharam por Havana e por toda Cuba em comemoração aos 50 anos do socialismo em Cuba e da vitória de Playa Girón, e que também abriu o VI Congresso do PCC. Neste dia, militares, trabalhadores e estudantes, por livre vontade e convicção - e não por opressão das armas como ocorriam nas ditaduras mais sanguinolentas de América Latina - caminharam juntos, unidos, em defesa da Revolução, do seu governo revolucionário e do socialismo cubano. É possível que milhões (em um país de não mais de 11 milhões de habitantes) marchem alegres e unidos através de mecanismos de opressão?
Para finalizar, muitos insistem em deturpar o caminho escolhido pelo povo cubano, mas os fatos não escondem a verdade: em 51 anos o socialismo humanizou a sociedade cubana. Cuba é o único país das Américas em que a violência, tão crescente no Brasil, é insignificante. Havana, uma capital com quase 3 milhões de habitantes, é tão tranqüila quanto uma pacata cidade do interior, em que assassinatos e seqüestros ficam restritos aos romances policiais.
Cuba é um país que trabalha cotidianamente para superar a desigualdade de direitos entre os gêneros, para superar o racismo, a discriminação por qualquer orientação sexual e tantas formas de opressão, tão enraizadas em nossas sociedades. Outros não cansam de afirmar que a Revolução Cubana é coisa do passado e que o socialismo morreu junto a URSS. Para esses respondemos que não somente é presente o socialismo em Cuba, mas que vem fortalecendo seus princípios e ideais à medida que avançam os processos revolucionários na América Latina. Contudo, a construção do socialismo não depende somente da vontade das pessoas, mas de condições históricas, objetivas e concretas, cuja complexidade vai para além do que está nos manuais ou nos livros, pois a realidade é antes de tudo, dialética.
Revolução é fazer do extraordinário cotidiano. E isso em Cuba é diário, em cada criança que brinca livremente nas praças do país, sem preocupações com tráfico de drogas, assaltos, ou com o ganha pão diário. Crianças de um país pobre e bloqueado economicamente, mas que mesmo assim sabemos que terão todas as condições de desenvolver-se plenamente como seres humanos.  Este, independente dos caminhos que se tomem, é fim principal do que entendemos por socialismo.
Cuba e o socialismo nos permitem seguir sonhando com a utopia de um mundo humano, no mesmo sentido em que dedicaram suas vidas tantos mártires nesses 52 anos de revolução. Por eles e pelas gerações futuras o povo cubano jamais abandonará as trincheiras conquistadas.


17 de abril de 2011 - Havana, Cuba



* Maria Fernanda Araújo e Otávio Marhofer Dutra são estudantes de medicina na Universidade de Ciências Médicas de Havana e militantes da base Paulo Petry do Partido Comunista Brasileiro e da União da Juventude Comunista em Cuba, formada por 16 estudantes.

Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho, para romper com passado de exclusão .

Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho,


para romper com passado de exclusão


Há quinze anos, depois do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, 690 famílias foram assentadas num latifúndio que tinha, então, 37 mil hectares. Muitos assentados eram analfabetos. Hoje, um dos orgulhos do “17 de Abril” é a escola, que permite às novas gerações romper com a história de exclusão das famílias. No terceiro retrato da vida no assentamento, que visitou recentemente, a repórter Manuela Azenha fala sobre educação:

Altamiro da Silva e sua esposa voltaram a estudar “depois de velhos”, como ele mesmo diz. Vivem no assentamento 17 de abril. Altamiro veio de Goiás para trabalhar no garimpo do sul do Pará, mas chegou tarde para a extração manual, atividade já enfraquecida, então. Foi quando decidiu entrar no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Isso foi há 16 anos.

Ele e a esposa, ambos com mais de 40 anos de idade, estão matriculados agora no ensino fundamental pelo EJA, o programa federal de alfabetização voltado para jovens e adultos. “Essa camisa aqui é o uniforme da escola. Está vendo o meu nome?”, mostra Altamiro.

A filha deles, Gislane, tem 18 anos. A primeira sala de aula em que entrou foi na escola Oziel Alves Pereira, orgulho do assentamento, onde estudou até o terceiro colegial. Os atuais professores do ensino fundamental e muitos do ensino médio se formaram e hoje dão aulas na Oziel.

Ela atende a mais de mil alunos em três turnos, do maternal ao terceiro colegial. A escola leva o nome de um jovem militante que, já no hospital, foi espancado até a morte, no dia do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.

Hoje, Gislane é professora e trabalha no programa estadual de alfabetização “Sim, eu posso”, também voltado para jovens e adultos. O programa tem 14 professores no assentamento, cada um com cerca de 10 alunos, número máximo por turma. As professoras dão aula em suas próprias casas, mas se for preciso vão até onde os alunos vivem. Gislane viu seis de seus alunos serem certificados este ano.

Ao longo de mais de uma década de militância, o pai dela, Altamiro, ocupou inúmeros cargos dentro do movimento e hoje é fiscal da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento 17 de Abril (ASPCTRA)

O lote de terra que ele ocupa é tido como exemplo de plantio orgânico bem sucedido. Altamiro orgulha-se particularmente do cultivo de cacau, que em 2010 rendeu duas toneladas e meia – mais do que qualquer outro produtor do município.

Muitos dos assentados passam por um processo de formação do MST. Mas, para Altamiro, foi na experiência cotidiana que aprendeu o que sabe: “Já vi muita miséria. Aprendi simplesmente porque colono não pode errar, se não a família toda sofre. É como na escola: quem tira nota baixa não passa de ano”.

Altamiro gosta de se explicar fazendo comparações. Em relação à terra, parece ser ela sua suprema companheira: “ É igual com mulher: no começo você fica deslumbrado, mas depois que se acostuma com ela, já quer trocar. Não pode ser assim, tem que tratar bem a terra, cuidar dela, que a relação dura para sempre”. Quando perguntado se aplica agrotóxicos em seu lote, responde com ternura: “Imagina, você ter uma planta bem linda e alegre, depois você vai jogar veneno nela?”

Segundo Luis Lima, presidente da ASPCTRA, a escola adota o método Paulo Freire, que associa a aprendizagem às questões concretas do cotidiano. Os programas para adultos são sempre divididos em módulos: o estudante passa 45 dias na escola e, em seguida, 60 dias no trabalho prático do campo, para que não se desligue de sua realidade.

Diversas citações de Freire estão pintadas nas paredes da Oziel Alves Pereira.

A escola é reconhecida como uma das melhores da região. É uma construção espaçosa e arejada, de 12 salas de aula equipadas com ar-condicionado, auditório para 100 pessoas, laboratório de química, salas de informática, de vídeo e biblioteca. Os equipamentos doados ao laboratório de química ainda estão encaixotados, já que os professores do próprio assentamento ainda não estão capacitados para utilizá-los: “Já pedimos à Universidade Federal do Pará (UFPA) que mande alguém para dar assistência aos professores. Tem produto químico que já está até vencido”, explica a coordenadora Risângela Almeida.

O objetivo da escola é montar um programa pedagógico que contemple a realidade do campo. Na biblioteca estão guardados dezenas de livros didáticos que foram doados pela Secretaria Estadual de Educação mas que, segundo a coordenadora, são inadequados para qualquer escola fora do Sudeste: “Os jovens estão saindo do campo para trabalhar em qualquer subemprego na Vale do Rio Doce. Queremos formá-los para que criem vínculos com o campo e com sua história”.

Risângela vivia em Brasília quando foi visitar a irmã no assentamento e decidiu que queria viver ali. “No começo é difícil, mas depois a gente vai pegando amor pelas coisas daqui, pelas pessoas. É assim que tem de ser”. Ela já tinha prestado o vestibular várias vezes quando conseguiu entrar no curso de Letras da UFPA através de um convênio entre a universidade e o MST. Durante o dia assistia às aulas e, à tarde, voltava para o assentamento.

Risângela reclama da falta de autonomia em relação à Secretaria de Educação, que é quem financiou a construção da escola. Os trinta professores são selecionados pelo município de Eldorado dos Carajás: “Conseguimos ao menos que a Secretaria desse prioridade a professores do assentamento. Não queremos gente de fora”.

A coordenadora ressalta a importância do currículo de português. Acredita que os alunos devam aprender a ler e a escrever com fluência antes de estudarem a gramática: “Temos de dar o que eles realmente precisam. Discutimos e interpretamos muitos textos na sala de aula”. Uma vez por ano, é organizada a “Noite com poesias”. Na quadra da escola, todos os alunos, do maternal ao colegial, declamam poesias de autoria própria ou de poetas consagrados, como Cecília Meirelles, Vinícius de Morais e até Charles Trocate, militante do MST e autor de três livros de poesia.

Um exemplo sempre citado no assentamento é o de Leonildo, que entrou na escola sem saber ler ou escrever. Agora, com mais de sessenta anos, está na oitava série. Durante a semana de atividades para relembrar o massacre de 17 de abril, ele subiu no palanque da praça central do assentamento para declamar um poema em formato de cordel que ele mesmo escreveu.

Charles Trocate entrou no MST aos 16 anos de idade. Passou nove meses em um programa de estudos. “É aí que se consolidaram em mim preocupações mais gerais, o hábito da leitura, a profunda fé no trabalho coletivo e as primeiras formulações poéticas”, conta.

Hoje ele é da coordenação nacional do movimento. Um poeta reconhecido: “Falam que meus poemas são difíceis, mas eu não sei escrever de outro jeito. Com 16 anos entrei para a escola do movimento e ficava lendo Marx, Gramsci… Imagina só o jeito que eu saía falando das aulas!”, explica. A poesia do uruguaio Mario Benedetti foi uma de suas primeiras leituras. “O poeta se constrói ao construir. Não fica satisfeito até conseguir criar uma grande metáfora. Lia [Walt] Whitman, que me ensinou o poema-conceito; Drummond, que é a base da nossa educação sentimental; Maiakovski, que fala do trabalho na arte”. Tanto aprecia Maiakovski que está aprendendo russo para traduzir um de seus poemas para o português.

Expulso da escola depois de um ano, Charles nunca mais retornou ao sistema de ensino convencional. Quando menino, trabalhou no garimpo por dois anos. Como não era permitida a entrada de mulheres, nem de bebida, os garimpeiros iam à chamada “Cidade do Trinta”, atual Curianópolis, onde Charles passou a vender cuscuz às prostitutas na porta de boates. Trabalhou de bananeiro a engraxate. Foi alfabetizado pela irmã mais velha, que o ensinava a ler placas: “A gente morava na beira do rio, então descíamos para lavar as placas e aprender as letras. Até hoje tenho mania de ler todas as placas que vejo”.

Charles já publicou três livros de poesia pela editora Expressão Popular. No ano passado, foi convidado para fazer parte do Academia de Letras do Sul e Sudeste paraense: “Houve quem se opôs à minha aceitação porque sou do MST”.

Apreciador e estudioso de música, ele também coordena um grupo composto por jovens assentados e inspira-se em compositores consagrados: “Minha mãe colocou o disco do Bob Dylan para tocar quando eu tinha dois anos de idade. Desde então, sou marxista e poeta”, conta aos risos.

Atualmente, está escrevendo um texto sobre a relação entre a arte e o movimento político: “Não acredito em arte camponesa porque não acredito na arte operária. Arte é catarse, emancipa o homem e não pode estar presa a uma classe social”, defende Charles.

Clique aqui para ler o primeiro artigo da série, que fala sobre as sequelas físicas e psicológicas do massacre

E aqui para ler sobre as conquistas e dificuldades dos assentados na produção agrícola



sábado, abril 30, 2011

Quando meias palavras transformam uma meia verdade em mentira.

Quando meias palavras transformam uma meia verdade em mentira.
Por Maria Fernanda Araújo e Otávio Marhofer Dutra*

Em resposta ao texto: “Vamos cercar de solidariedade os trabalhadores e o povo cubano” publicado pela LIT-QI e pelo PSTU.


Somos estudantes brasileiros em Cuba, país irmão no qual vivemos há quatro anos, e escrevemos este texto a fim de solidarizar-nos verdadeiramente com nossos hermanos e de contribuir sobre a reflexão quanto ao processo revolucionário cubano.
Confessamos que num primeiro momento a leitura do referido texto causou tamanha indignação, diante de tantos equívocos e disparates sobre uma realidade a qual estamos tendo a incrível oportunidade de vivenciar. No princípio, nos questionamos sobre as reais intenções deste texto. Longe de ser uma análise concreta sobre a realidade cubana, acreditamos que o texto da LIT não supera uma visão superficial, fragmentada e idealista de um complexo processo, impossível de compreender em poucos dias de viagem pelos rincões turísticos do país.
Essa é uma questão fundamental: para realizar qualquer discussão ou análise sobre a Revolução Cubana é necessário antes despir-nos de dogmas e preconceitos, compreendendo-a por si própria em sua diversidade. Os únicos pressupostos pelos quais devemos orientar-nos são que a realidade é dialética, e portanto contraditória e dinâmica, de maneira que toda transformação contém elementos do passado e embriões do futuro; e que é necessário ser radical, ou seja, compreender seus problemas a partir das suas raízes.

Sobre os caminhos históricos desde o triunfo de 1959

Sem a ciência da história ao nosso lado - buscando compreender sua dinâmica e seu movimento, sem cair nas facilidades das dicotomias ou dos atos de fé - podemos realizar análises equivocadas, seja pela ingenuidade, ignorância ou pelo oportunismo. No texto da LIT as falsas dicotomias entre bem ou mal e certo ou errado são tratadas como verdades absolutas e os sentidos comuns são o que há de mais freqüente. Assim cabe a nós fazer uma breve reflexão histórica, em que por razões dos objetivos do texto trataremos de 1959 aos dias de hoje.
Com o triunfo da revolução em primeiro de janeiro de 1959, à medida que avançavam as conquistas do heróico povo cubano, crescia também a contra-ofensiva do império. Ainda em 1961, a CIA financia e organiza o ataque de 1200 mercenários a Playa Girón, cujas tropas foram derrotadas pelo povo combatente. Foi então que para organizar o povo cubano e defender suas conquistas foram criados os Comitês de Defesa da Revolução – CDR, possibilitando a construção do socialismo e da democracia popular em cada bairro.
Em 16 de abril de 61, Fidel declara o caráter socialista da Revolução Cubana e com a vitória de Playa Girón, que cumpre 50 anos este 19 de abril, o governo revolucionário realiza mais expropriações de empresas estratégicas e planificação do Estado. Depois desse, vieram muitos outros ataques, que seguem até os dias de hoje. Como se não bastasse, em 1962 os EUA expulsam Cuba da Organização dos Estados Americanos - OEA, e declaram o bloqueio econômico à ilha socialista, buscando impedir que outros países comercializem ou desenvolvam qualquer tipo de relação com este país. Com o bloqueio genocida, Cuba estreita suas relações com a União Soviética, através de acordos comerciais, militares e de solidariedade.
A partir da vitória de 61, os feitos da revolução cubana seguiram impressionando. Em poucos anos Cuba desenvolve-se como potência científica em diversas áreas, como a medicina e a farmacologia.  Torna-se o país com maior expectativa de vida e menor mortalidade infantil das Américas, números comparáveis aos mais desenvolvidos países europeus.  Desenvolve-se no âmbito dos esportes e cultural, sendo, por exemplo, o país de todo mundo com o maior percentual de escritores per capita, mostra do nível intelectual alcançado pelo povo durante o socialismo. Nas artes plásticas, na dança, na música, no cinema e no teatro a revolução deixou também sua marca: um povo culto é um povo livre, parafraseando José Martí.
O povo cubano em sua grande maioria, ao contrario do que afirma a LIT, é extremamente crítico e conhecedor da sua história e da história dos outros povos do mundo, atualizado como nenhum outro sobre a conjuntura e os desafios dos processos que vivem os oprimidos em qualquer parte. É, sobretudo, um povo ativo e autônomo, soberano e independente, pouco passível às manipulações e ilusões de falsas verdades.

Pátria é humanidade: o internacionalismo de Cuba

Seguimos utilizando a história como instrumento para compreender outros disparates do texto da LIT, que peca pela ausência de base científica. O texto afirma que “a direção cubana implementou a mesma política que tiveram as direções da URSS, China, Alemanha Oriental etc.: a coexistência pacífica com o imperialismo, ao invés da revolução latino-americana e mundial”. O socialismo cubano, como a história prova, não acabou em si mesmo e muito menos coexistiu pacificamente com os EUA, como brevemente relatamos acima. Os cubanos deixaram marcas de emancipação em diversos países e internacionalizaram sua revolução mais do que qualquer outra. Um país pobre, de pequenas extensões geográficas e bloqueado economicamente por grande parte do mundo, jamais hesitou em solidarizar-se com um povo irmão. Desde a década de 60 aos anos 90 apoiou direta ou indiretamente as tentativas emancipatórias na América Latina, exportando sua experiência de guerrilhas, treinando militantes política e militarmente, ou apoiando financeiramente e com recursos humanos diversas organizações e governos revolucionários. Bolívia, Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, El Salvador, Peru, Nicarágua, Guatemala, México são alguns dos exemplos na América Latina. Na África contribuíram com exércitos e profissionais diversos aos esforços de libertação nacional de várias nações, como Angola, Etiópia, Congo, Moçambique (e muitos outros) sendo sua participação fundamental para o fim do regime Apartheid na África do Sul.
Desde o triunfo da revolução já somam centenas de milhares os jovens oriundos de países da periferia do sistema que receberam cursos universitários em Cuba; dezenas de milhões os que foram alfabetizados por cubanos e cubanos; milhões os que voltaram a enxergar através cirurgias de catarata realizadas pelas missões médicas cubanas; dezenas de milhões que receberam atenção médica cubana nas mais diversas áreas, seja em desastres ambientais, epidemiológicos (como recentemente o terremoto e a epidemia de cólera no Haíti) ou para estruturar os sistemas nacionais de saúde e educação. Detalhe, Cuba realiza o que considera um princípio – a solidariedade – sem exigir nada em troca. Pelas proporções dos seus gestos, jamais houve tamanho internacionalismo. Quem diga o contrario ou desconhece profundamente a história ou bem intencionado não está.
Hoje, mesmo enfrentando tantas dificuldades econômicas, Cuba segue sendo vanguarda no que se refere à solidariedade internacional. Um exemplo é que atualmente estudam em Cuba cerca de 50 mil estudantes estrangeiros, dos mais diversos cursos universitárias, sendo a maioria medicina. Além disso, as missões cubanas de solidariedade na área de saúde e educação estão presentes em mais de 70 países. Somente na Venezuela são mais de 35 mil cubanos, entre médicos, profissionais da saúde e educadores.
Outro relevante exemplo do internacionalismo do socialismo cubano é o projeto Escola Latino Americana de Medicina - ELAM, idealizado pelo Comandante Fidel Castro em um momento em que toda a América Central havia sido assolada por três furacões. O projeto ELAM já possui 12 anos de existência, com uma grande quantidade de médicos atuando em toda a América Latina. Atualmente, cerca de 700 brasileiros estudam em Cuba, outros 400 já se formaram, e em sua maioria estão comprometidos em trabalhar para construir um SUS 100% público, estatal, universal, integral e eqüitativo para o povo brasileiro, em que a gestão popular seja o principal instrumento de controle e planificação, a exemplo do que vivenciamos diariamente em Cuba.

A desintegração da URSS e as contradições atuais
   
Seguindo os caminhos da história chegamos no período de desintegração da URSS e do bloco socialista. Na década de 80 recordamos que os acordos com o campo socialista passaram a responder por 85% do intercambio de mercadorias realizadas por Cuba, aprofundando a dependência econômica. Na década de 90, com a desintegração da URSS e do socialismo no leste europeu, teve inicio uma das épocas mais difíceis da história do aguerrido povo cubano: o período especial.
No primeiro ano após a dissolução do campo socialista do leste europeu e da União Soviética, o produto interno bruto decaiu 33%. A questão energética foi uma das mais prejudicadas, colapsando o transporte e a indústria. Cuba infelizmente possui reservas muito pequenas e de difícil acesso de recursos como o Petróleo ou carvão mineral. Um exemplo do caos energético gerado foram as muitas safras de alimentos que apodreceram no campo, já que sem combustível para o transporte não podiam ser deslocadas às cidades. Faltavam alimentos, remédios e outros produtos essenciais, como de vestuário e higiene. Nesse contexto, o cruel bloqueio imperialista tornou-se ainda mais perverso. Mas para a LIT tudo segue preto ou branco e, ignorando a lógica marxista, simplifica superficialmente as soluções para problemas tão profundos e complexos.
Mesmo com tamanhas dificuldades, em pleno período especial, o povo cubano ratifica sua vontade de seguir construindo o socialismo em plebiscito nacional, com mais de 90% dos votos e uma participação de quase 100% da população, com voto secreto, não obrigatório e universal aos maiores de 16 anos. Talvez, por tão heróica resistência e convicção do rumo escolhido, que Fidel considera o Período Especial “o mais glorioso dos 50 anos da Revolução Cubana”.
O povo cubano viveu anos de profunda escassez e sacrifícios. De fato, a dependência econômica que mantinha do campo socialista era profunda, o que se mostrou um grande equivoco na construção do socialismo em Cuba, talvez o maior que cometeram. As seqüelas da dependência se mostraram mais perversas no período especial, o país entrou em colapso. No entanto, julgar a história desde o futuro é fácil. As autocríticas da direção do Partido Comunista e das organizações de massa do povo cubano foram muitas e periódicas, mas não transformam o passado. Servem principalmente para evitar que erros similares voltem a ocorrer.
O período especial gerou também uma serie de novas contradições cujas soluções são hoje, junto com o desafio de dinamizar a economia, os principais desafios para o avanço do socialismo em Cuba. Para reverter o processo de carência e dependência econômica criaram-se diversas empresas mistas (parcerias entre o Estado - sócio majoritário – e empresas capitalistas), com a finalidade de ampliar a infra-estrutura industrial, aumentar e diversificar a produção de bens de consumo para a população. Para incrementar a arrecadação do Estado, Cuba foi obrigada a abrir-se ao predatório turismo internacional e, para isso, fazer concessões as grandes redes turísticas, que detém o monopólio do turismo na Europa e América do Norte, de onde vem o grande contingente de turistas a Cuba. O povo cubano não teve escolhas, porque infelizmente a história não depende somente dos desejos, e os cubanos sabiam em que barco estavam entrando e os problemas que estavam por surgir. Mas para a LIT a resposta continua simples e se resume na seguinte fórmula: Cuba restaurou a economia de mercado.
Com tais medidas, Cuba pôde evitar a ofensiva da contra-revolução capitalista, como ocorreu nos países do antigo bloco socialista. Admirável é a convicção com que LIT defende essas contra-revoluçoes financiados pelo imperialismo, que deterioram a vida de milhões nesses países, como revoluções sociais. Através do controle do Estado sobre as principais empresas estratégicas, planificação da economia e a manutenção das mais importantes conquistas da revolução nas áreas da saúde, educação, arte e cultura e produção de ciência e tecnologia Cuba pode resistir a tal contra-ofensiva. No entanto, este longo período de dificuldades materiais foi bastante marcante na determinação da consciência social. Um grande contingente de cubanos deixou o país durante os anos do período especial, e problemas como a prostituição, o mercado negro e a corrupção, tornaram-se presentes. As desigualdades internas foram intensificadas, especialmente quanto à valoração do trabalho.
Com o objetivo de proteger a população e garantir o mínimo necessário para que todo cubano pudesse seguir vivendo dignamente foi criada uma economia interna “fictícia”, com desvalorização da moeda e forte subsidio do Estado Cubano aos produtos essenciais. Assim, com o período especial foram criadas duas moedas: o Peso conversível (equivalente ao dólar), utilizado nas transações comerciais internacionais e no turismo; e o peso Cubano (que equivale a 1/24 de peso conversível), utilizado no mercado interno de produtos subsidiados pelo Estado.
Todo trabalhador cubano recebe seu salário em peso cubano, e compra seus alimentos e produtos de primeira necessidade com valores muito abaixo do mercado internacional. O salário mínimo é de cerca 400 pesos cubanos, equivalentes aos 18 dólares relatados no texto da LIT. Mas, o essencial que omitiu é o real poder aquisitivo do peso cubano internamente. Exemplifiquemos. O quilo do arroz e do feijão custam 2 pesos cubanos, equivalente a 15 centavos de real para o cubano. O litro do leite custa menos de 1 peso cubano e é gratuito para as crianças de até 10 anos e idosos com mais de 60. A tarifa de ônibus vale 40 centavos de peso cubano (equivalentes a 3 centavos de real) e o pagamento é opcional.  Uma sessão de cinema, teatro ou ballet não passa de 40 centavos de real, ou 5 pesos cubanos, isso quando não são oferecidos os freqüentes descontos aos trabalhadores ou estudantes. Agora façamos as contas: algum cubano “passa fome”?  
Contudo, um trabalhador que recebe seus ganhos em Peso conversível (em geral aqueles que trabalham em setores vinculados ao turismo, como um taxista particular, alguém que recebe dinheiro de um familiar no exterior ou que aluga um quarto para estrangeiros), já que esta moeda tem um valor 24 vezes maior que o peso cubano, têm maiores possibilidades de consumo que um exemplar operário, um engenheiro, um médico ou um reconhecido professor universitário. Um problema que já é grande por si só é amplificado pelas informações equivocadas da LIT, quando afirma que “os cubanos que trabalham nas empresas internacionais não têm a proteção do Estado “socialista” cubano. Ao contrário, o trabalhador cubano não recebe o mesmo salário que essas empresas pagam em outras partes do mundo. Os cubanos só ganham os seus miseráveis 18 dólares mensais”. Basta informar-se minimamente para rebater esta falácia.
O Estado Cubano recebe pelo trabalho de qualquer cubano de uma empresa mista um valor próximo à média que recebe um trabalhador com semelhante capacitação em qualquer lugar do mundo.  Dependendo da função do trabalhador e de sua preparação técnica repassa cerca de 10% desse salário. Um engenheiro de uma empresa mista com um salário em torno de 3 mil dólares recebe cerca de 300 dólares do Estado, que utiliza os outros 2700 para financiar os gastos sociais. Com 300 dólares um trabalhador cubano tem a possibilidade de viver confortável e dignamente em Cuba.
No entanto contradições como essa têm sido um dos maiores desafios do Estado cubano, do Partido Comunista e das organizações de massa do povo. A fim de avançar na superação delas, o governo revolucionário tem proposto à população uma série de reformas que visam principalmente aumentar a produtividade de setores estratégicos (especialmente àqueles vinculados à alimentação e o desenvolvimento de meios de produção). Uma delas trata da legislação trabalhista e objetiva aumentar a produtividade industrial e a agilidade dos serviços, por meio de incentivos materiais aos trabalhadores mais dedicados e comprometidos com a revolução.
Tal medida vem no sentido de reafirmar o principio socialista de “receber de acordo com seu próprio trabalho e esforço”, rumando assim no sentido de diminuir a burocratização dos serviços e a corrupção, que estagnam a produção.  Outra importante medida adotada recentemente é a distribuição das terras ociosas do Estado aos pequenos agricultores e a garantia de condições para produzir, com o objetivo de aproximar Cuba da soberania alimentar, com aumento e diversificação da produção agrícola. Este é um dos grandes desafios de Cuba: manter os trabalhadores na terra.
Tendo em vista a ampla especialização da força de trabalho no país, em virtude do acesso irrestrito à educação, atualmente em Cuba faltam agricultores, trabalhadores técnicos, e sobram especialistas universitários a um ponto que em muitos setores da economia parte significativa da força de trabalho não está vinculada diretamente à produção. Com isso, por resolução do Conselho de Ministros da Assembléia Nacional do Poder Popular, debatida em todas as instâncias da sociedade cubana e movimentos de massa, tem sido realizada a redistribuição, e não a demissão como insiste erroneamente a LIT, dos trabalhadores nos diferentes setores da economia, de maneira que em cada local de trabalho pelo menos 80% dos trabalhadores sejam vinculados diretamente à produção, de maneira a aumentá-la e diminuir a burocracia do estado. Para atender à demanda de trabalhadores que não queiram ser redistribuídos, o Estado cubano aumentou a rede de serviços, ampliando a possibilidade de abertura de pequenos negócios (como cafeterias, restaurantes, cabelereiros, aluguel), assim como a ampliação de vagas em cursos técnicos.
Outro equivoco, por omissão de parte da verdade, é quando diz que “a maioria dos produtos que faziam parte da caderneta de abastecimento foi eliminada, ao mesmo tempo em que se anuncia o fim da própria caderneta”. Isso realmente tem acontecido, no entanto os produtos têm sido redirecionados aos setores sociais mais desfavorecidos. O fim do igualitarismo é uma das metas em curto prazo, já que isso não é um princípio socialista. Se é fato que a sociedade cubana hoje apresenta níveis de desigualdades (em proporções abismalmente distintas de qualquer sociedade capitalista) é dever do Estado socialista buscar um resgate do equilíbrio. Esse é um dos atuais objetivos. A caderneta pode num futuro deixar de ser universal para atender mais e melhor aos que mais precisam. Além disso, o texto da LIT diz que “na maioria das empresas os refeitórios foram fechados”. Ao contrário: os trabalhadores estão recebendo um incremento diário de cerca de 15 pesos cubanos e foram abertos restaurantes nas mesmas empresas que servem refeições de 5 a 15 pesos cubanos, com comidas de melhor qualidade, menos desperdícios e corrupção. O texto da LIT é repleto de meias palavras.
Agora, quando afirmam que “as belas crianças cubanas não tem brinquedos. Não poucos brinquedos. Sem brinquedos. É que os brinquedos são proibidos” parecem estar brincando. Não apenas tem brinquedos, como brincam durante todo o dia, e estão bem alimentadas. Aliás, 100% delas estão nas escolas, que é obrigatória até os 14 anos, em que as aulas iniciam às 8h e terminam às 16h. As crianças recebem alimentação e toda a atenção pedagógica durante esse período e não existe perspectiva alguma de acabar com “o período integral nas escolas”. Nenhuma criança cubana trabalha. Elas apenas estudam e brincam. Se para a LIT os brinquedos tem que ser os caríssimos brinquedos das grandes indústrias capitalistas e do consumismo ou um vídeo game de última geração e não apenas objetos para divertir e incentivar a criação e a imaginação da criança então, e somente assim, poderíamos afirmar que em Cuba as crianças não tem brinquedos. 

Democracia em Cuba: o povo no poder

O texto da LIT afirma que em Cuba existe “uma ditadura muito similar às piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo”. Uma prova disso deve ser o fato de que Cuba é o país da América Latina com a menor taxa de homicídios do continente e uma das menores do mundo. Ou que é o país do nosso continente com o menor proporção de presos e prisões.
Vejamos, então, como é a estrutura de poder nesta ilha socialista. A estrutura de poder em Cuba inicia desde baixo, desde cada quadra: os CDR’s (Comitês de Defesa da Revolução). Estes têm função de garantir a segurança, a limpeza, a organização e convivência coletiva. O conjunto de CDR’s forma a Circunscrição, formada por cerca de 2 mil cubanos. Cada uma delas realiza Assembléias Comunitárias periódicas para debater desde as questões mais relevantes do bairro até os mais importantes temas da economia nacional. A presença nas assembléias não é obrigatória, mas é difícil chegar numa em que não exista ao menos um representante por família. Inclusive as crianças têm direito a expressão, e o utilizam intensamente. Nessas assembléias se indicam os candidatos do bairro para delegados da Assembléia do Poder Popular Municipal, órgão máximo a nível do município. Por voto livre, universal (aos maiores de 16 anos), secreto e não obrigatório elegem os delegados. Todos os cubanos e cubanas podem se candidatar, desde que maiores de idade. Os candidatos podem anunciar sua própria candidatura nas reuniões públicas realizadas nos seus bairros, ou serem indicados por organizações de massas (estudantes, trabalhadores, mulheres etc.).
O Partido Comunista Cubano não indica nem escolhe candidatos. Depois, os cubanos escolhem os candidatos a delegados da Assembléia Provincial, por indicação das organizações de massas e das Assembléias Municipais e os deputados da Assembléia Nacional, em que os candidatos são indicados pelas mesmas organizações. As eleições para a Assembléia Municipal ocorrem a cada dois anos e meio. Já os pleitos para a Assembléia Provincial e a Assembléia Nacional são realizados a cada cinco anos.
As Assembléias do Poder Popular - APP são a máxima estrutura do poder a nível Municipal, Provincial ou Nacional. Entre seus representantes são divididas as funções executivas do Estado, em que apenas se executam as deliberações da APP. Todos os delegados ou deputados podem ter seu mandato revogado a qualquer momento pela base que representam. Nenhum recebe nem um centavo a mais pelo cargo, recebe o mesmo salário que tinha antes de ocupar a função.
As campanhas eleitorais são feitas por meio de um cartaz padronizado, em que todos os candidatos têm o mesmo espaço para expressar suas idéias e sua biografia. Os cartazes são colocados nos principais locais de movimentação do povo, publicados nos jornais de circulação massiva e divulgados na televisão, com o mesmo tempo e formato gráfico.
O presidente de Cuba não passa de mero executor das deliberações da APP Nacional, não tendo qualquer poder para além dessa. Antes de tudo, como qualquer outro membro da APP Nacional, o presidente de Cuba deve ser eleito deputado. Fidel, nas últimas eleições foi eleito deputado com cerca de 97% do votos em sua província e Raul Castro com 98%. Os dois tiveram iguais condições de apresentar sua candidatura que qualquer outro candidato.
Vale esclarecer que o Partido Comunista Cubano não cumpre nenhuma função de Estado, e todos suas posições, para tornarem-se realidade, devem ser construídas junto ao povo, que pode ou não reconhecer as posições do PCC como as mais acertadas. Caso não exista o convencimento do povo pelo Partido as políticas simplesmente não são aplicadas.
Dessa forma, consideramos que a comparação do nível da democracia cubana com qualquer “democracia” ocidental, deve ser bastante cuidadosa, já que em tais democracias o poder do povo está restrito ao voto, absolutamente manipulado pelos interesses econômicos e pelo monopólio da mídia, em que são os partidos da ordem e as classes dominantes, e não o povo, quem ditam as regras. Já a comparação da democracia cubana com “as piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo”, em coro com o discurso de Bush ou Obama, para nós que vivemos há 4 anos nesta ilha e participamos ativamente dos instrumentos democráticos construídos pelo povo cubano, é sem dúvida a maior de todas as mentiras expressadas pela LIT em seu texto.

Acesso à informação

Os ataques imperialistas não cessam, mesmo o texto da LIT afirmando que a convivência é pacífica. O assassino bloqueio segue vigente, mesmo com as sucessivas votações contrárias nas assembléias da ONU, em que apenas 3 nações do mundo se mantêm favoráveis a sua continuidade. Os prejuízos para Cuba são incalculáveis: em apenas 8 horas de bloqueio o governo cubano poderia reparar cerca de 40 creches ou em 1 dia comprar 139 ônibus de transporte urbano. O caso dos cinco heróis cubanos é outro exemplo da desumanidade que impõe o monstro do norte - como definia Simon Bolívar – presos por lutar contra o terrorismo dos EUA.
É parte verdade o que diz o texto da LIT: nenhuma organização cubana votou pela proibição do acesso à internet. Sua restrição – e não sua proibição – é outro exemplo da ação do bloqueio estadunidense em Cuba, pois o monopólio e bloqueio do acesso a sinal de internet desde de satélites ianques, e pelos cabos que passam pelo Caribe fazem com a banda total de internet de Cuba seja menor do que uma Universidade Federal do Brasil, restringindo seu acesso aos trabalhadores em seus locais de trabalho (governo, escolas, hospitais, policlínicas), hotéis, Joven Clubs (espécie de lan house) e a residência de profissionais especializados. Essa situação se espera que melhore logo que o cabo submarino de fibra ótica que está sendo construído através da ALBA desde Venezuela chegue a terras cubanas.
Quanto ao acesso à informação no país, é verdade que o Granma é o órgão de informação oficial do Partido Comunista Cubano, que é distribuído em todo o país. Mas o/a autor(a) do texto esqueceu de informar sobre as outras dezenas de publicações especializadas, políticas, culturais e de lazer publicadas em todo o país, por organizações populares, nas quais as criticas e autocríticas ao processo revolucionário são freqüentes, quase cotidianas. E bem se vê que o/a correspondente da LIT aproveitou bastante sua viagem pelo Caribe e sequer teve um tempinho de assistir à televisão recheada de programas, filmes e documentários nacionais e das maiores redes de televisões do mundo em canal aberto e estatal, sem espaços para propagandas comerciais. Infelizmente, talvez não pôde aproveitar os debates com especialistas cubanos e de outros países sobre a situação no Oriente Médio, ocorridos no programa Mesa Redonda, que diariamente enfoca temas de importância nacional e internacional em horário nobre. Ou assistir na televisão os jornais diários, ou ler algumas das reflexões do companheiro Fidel e de muitos outros intelectuais cubanos sobe o assunto, publicadas tanto no próprio Granma quanto em periódicos internacionais e na internet.
Dessa forma afirmamos categoricamente que a LIT se equivoca quando diz que “o governo e o Partido Comunista Cubano (...) não permitem que chegue, por meio da televisão ou da rádio (ambas controladas pelo governo), qualquer tipo de informação sobre o que as massas estão fazendo nos países árabes”. Para verificar a verdade não é necessário muito esforço, nem estar em Cuba, basta entrar nos inúmeros sites cubanos (inclusive das redes de televisão e rádio) que informam sua própria população e o mundo sobre o processo que vivem os povos árabes.

As estatísticas não mentem

Segundo o texto, o cubano vive no pior dos mundos (...). A partir da revolução, Cuba transformou-se no país mais igualitário da América, mas hoje é exatamente o contrário. Certamente, Cuba tornou-se o país mais igualitário das Américas, e quiçá as contradições surgidas com o período especial possibilitaram o surgimento de algumas diferenças sociais. Contudo, engana-se quem afirma que Cuba perdeu seu status de país mais igualitário da América, e isso percebemos cotidianamente: em Cuba, você jamais verá uma criança pedindo esmola. Pelo contrário, você encontrará inúmeros jovens brasileiros e demais latino-americanos e caribenhos, ex-crianças de rua, sem terra ou sem teto, tendo a possibilidade de estudar medicina, além de outras carreiras como engenharia, agronomia, arte, educação física, pedagogia. Jovens estes originários de países em que o acesso à educação, saúde, moradia e cultura é ainda limitado, mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo, como é o caso do Brasil.
Isso é visível nos dados sócio-econômicos sobre Cuba, publicados e disponíveis em sites de organizações de referência internacional, como a Organização Mundial da Saúde ou da ONU. Nestes 50 anos de Revolução, mesmo diante de condições econômicas diversas, Cuba atinge taxas de Índice de Desenvolvimento Humano e de expectativa de vida invejáveis. O Brasil, por exemplo, que possui o oitavo maior Produto Interno Bruto do Mundo (estimado em US$ 1,995  trilhões em 2007, e um PIB per capita de US$ 10.296), possuía no mesmo ano o 75º  IDH do mundo, e tinha uma media de expectativa de via em 72,4 anos (92º no ranking mundial).  Enquanto que Cuba, no mesmo período, sendo a 85ª economia (PIB de US$ 51,11 bilhões, e um per capita de US$ 4,5 mil), era o 51º em IDH (o,86) e 37º em expectativa de vida (78,3 anos).
Outro indicador importante, oferecida pela Oficina Nacional de Estadísticas de Cuba, é a progresão da mortalidade infantil e materna nos últimos anos, assim como os de acesso aos serviços de saúde, conforme segue abaixo.

Evolución de los indicadores de salud. Años seleccionados

  Indicadores seleccionados
1960
1980
1990
1995
2000
  Tasa de mortalidad infantil (por mil nacidos vivos)
42,0
19,6
10,7
9,4
7,2

  Tasa de mortalidad en niños menores de 5 años (por mil nacidos vivos)
42,4a
24,3
13,2
12,5
9,1

  Índice de niños con bajo peso al nacer (en %)
...
9,7
7,6
7,9
6,1

  Tasa de mortalidad materna (por 100 000 nacidos vivos)
120,1
52,6
31,6
32,6
34,1

  Partos atendidos en instituciones hospitalarias (%)
63,0
98,5
99,8
99,8
99,9

  Habitantes por médico
...
635
275
193
169


No último ano, Cuba alcançou a cifra de mortalidade infantil de 4,4 para cada mil nascidos vivos. Essa progressão mostra como, mesmo em tão difíceis condições econômicas e de embargo depois de mais de 20 anos do fim da URSS, os indicadores sociais de Cuba continuam melhorando. No mesmo período são diversos os estudos que mostram uma situação completamente distinta nos países do leste europeu em que existiram contra-revoluçoes capitalistas. Os índices de educação e acesso a cultura também estão progressivamente avançando, assim como os indicadores de segurança pública, que ao contrário do mundo se mantém estáveis, com os menores índices de violência do mundo. E como se alcança níveis de IDH e expectativa de vida tão avançados? A resposta é bastante objetiva: oferecendo a sua população possibilidades ao seu pleno desenvolvimento como seres humanos, em condições de igualdade e universalidade de acesso a educação, saúde, cultura, arte e lazer – condições jamais alcançáveis se em Cuba tivesse ocorrido ou ocorrendo a volta do capitalismo.

A solidariedade que o povo cubano necessita: a verdade!

Mas a paciência dos cubanos parece estar chegando ao fim (...)Mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores cubanos vão se rebelar contra essa situação”. Quanto a isso a LIT está certa: é verdade que os cubanos já não tem mais paciência com tantas dificuldades. No entanto se equivoca contra o quê e de que forma vão se rebelar. Os cubanos são profundamente rebeldes. E estão rebelando-se contra tudo que está ruim em sua revolução, interna e externamente. As reformas são urgentes, assim como o fim do bloqueio, pois realmente é difícil um país viver tantos anos com tamanhos entraves. Mas a certeza de que o socialismo é o caminho que o povo cubano defende com todas as suas forças foi comprovada na marcha do dia 16 de abril, pelos milhões de cubanos que marcharam por Havana e por toda Cuba em comemoração aos 50 anos do socialismo em Cuba e da vitória de Playa Girón, e que também abriu o VI Congresso do PCC. Neste dia, militares, trabalhadores e estudantes, por livre vontade e convicção - e não por opressão das armas como ocorriam nas ditaduras mais sanguinolentas de América Latina - caminharam juntos, unidos, em defesa da Revolução, do seu governo revolucionário e do socialismo cubano. É possível que milhões (em um país de não mais de 11 milhões de habitantes) marchem alegres e unidos através de mecanismos de opressão?
Para finalizar, muitos insistem em deturpar o caminho escolhido pelo povo cubano, mas os fatos não escondem a verdade: em 51 anos o socialismo humanizou a sociedade cubana. Cuba é o único país das Américas em que a violência, tão crescente no Brasil, é insignificante. Havana, uma capital com quase 3 milhões de habitantes, é tão tranqüila quanto uma pacata cidade do interior, em que assassinatos e seqüestros ficam restritos aos romances policiais.
Cuba é um país que trabalha cotidianamente para superar a desigualdade de direitos entre os gêneros, para superar o racismo, a discriminação por qualquer orientação sexual e tantas formas de opressão, tão enraizadas em nossas sociedades. Outros não cansam de afirmar que a Revolução Cubana é coisa do passado e que o socialismo morreu junto a URSS. Para esses respondemos que não somente é presente o socialismo em Cuba, mas que vem fortalecendo seus princípios e ideais à medida que avançam os processos revolucionários na América Latina. Contudo, a construção do socialismo não depende somente da vontade das pessoas, mas de condições históricas, objetivas e concretas, cuja complexidade vai para além do que está nos manuais ou nos livros, pois a realidade é antes de tudo, dialética.
Revolução é fazer do extraordinário cotidiano. E isso em Cuba é diário, em cada criança que brinca livremente nas praças do país, sem preocupações com tráfico de drogas, assaltos, ou com o ganha pão diário. Crianças de um país pobre e bloqueado economicamente, mas que mesmo assim sabemos que terão todas as condições de desenvolver-se plenamente como seres humanos.  Este, independente dos caminhos que se tomem, é fim principal do que entendemos por socialismo.
Cuba e o socialismo nos permitem seguir sonhando com a utopia de um mundo humano, no mesmo sentido em que dedicaram suas vidas tantos mártires nesses 52 anos de revolução. Por eles e pelas gerações futuras o povo cubano jamais abandonará as trincheiras conquistadas.


17 de abril de 2011 - Havana, Cuba



* Maria Fernanda Araújo e Otávio Marhofer Dutra são estudantes de medicina na Universidade de Ciências Médicas de Havana e militantes da base Paulo Petry do Partido Comunista Brasileiro e da União da Juventude Comunista em Cuba, formada por 16 estudantes.

Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho, para romper com passado de exclusão .

Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho,


para romper com passado de exclusão


Há quinze anos, depois do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, 690 famílias foram assentadas num latifúndio que tinha, então, 37 mil hectares. Muitos assentados eram analfabetos. Hoje, um dos orgulhos do “17 de Abril” é a escola, que permite às novas gerações romper com a história de exclusão das famílias. No terceiro retrato da vida no assentamento, que visitou recentemente, a repórter Manuela Azenha fala sobre educação:

Altamiro da Silva e sua esposa voltaram a estudar “depois de velhos”, como ele mesmo diz. Vivem no assentamento 17 de abril. Altamiro veio de Goiás para trabalhar no garimpo do sul do Pará, mas chegou tarde para a extração manual, atividade já enfraquecida, então. Foi quando decidiu entrar no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Isso foi há 16 anos.

Ele e a esposa, ambos com mais de 40 anos de idade, estão matriculados agora no ensino fundamental pelo EJA, o programa federal de alfabetização voltado para jovens e adultos. “Essa camisa aqui é o uniforme da escola. Está vendo o meu nome?”, mostra Altamiro.

A filha deles, Gislane, tem 18 anos. A primeira sala de aula em que entrou foi na escola Oziel Alves Pereira, orgulho do assentamento, onde estudou até o terceiro colegial. Os atuais professores do ensino fundamental e muitos do ensino médio se formaram e hoje dão aulas na Oziel.

Ela atende a mais de mil alunos em três turnos, do maternal ao terceiro colegial. A escola leva o nome de um jovem militante que, já no hospital, foi espancado até a morte, no dia do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.

Hoje, Gislane é professora e trabalha no programa estadual de alfabetização “Sim, eu posso”, também voltado para jovens e adultos. O programa tem 14 professores no assentamento, cada um com cerca de 10 alunos, número máximo por turma. As professoras dão aula em suas próprias casas, mas se for preciso vão até onde os alunos vivem. Gislane viu seis de seus alunos serem certificados este ano.

Ao longo de mais de uma década de militância, o pai dela, Altamiro, ocupou inúmeros cargos dentro do movimento e hoje é fiscal da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento 17 de Abril (ASPCTRA)

O lote de terra que ele ocupa é tido como exemplo de plantio orgânico bem sucedido. Altamiro orgulha-se particularmente do cultivo de cacau, que em 2010 rendeu duas toneladas e meia – mais do que qualquer outro produtor do município.

Muitos dos assentados passam por um processo de formação do MST. Mas, para Altamiro, foi na experiência cotidiana que aprendeu o que sabe: “Já vi muita miséria. Aprendi simplesmente porque colono não pode errar, se não a família toda sofre. É como na escola: quem tira nota baixa não passa de ano”.

Altamiro gosta de se explicar fazendo comparações. Em relação à terra, parece ser ela sua suprema companheira: “ É igual com mulher: no começo você fica deslumbrado, mas depois que se acostuma com ela, já quer trocar. Não pode ser assim, tem que tratar bem a terra, cuidar dela, que a relação dura para sempre”. Quando perguntado se aplica agrotóxicos em seu lote, responde com ternura: “Imagina, você ter uma planta bem linda e alegre, depois você vai jogar veneno nela?”

Segundo Luis Lima, presidente da ASPCTRA, a escola adota o método Paulo Freire, que associa a aprendizagem às questões concretas do cotidiano. Os programas para adultos são sempre divididos em módulos: o estudante passa 45 dias na escola e, em seguida, 60 dias no trabalho prático do campo, para que não se desligue de sua realidade.

Diversas citações de Freire estão pintadas nas paredes da Oziel Alves Pereira.

A escola é reconhecida como uma das melhores da região. É uma construção espaçosa e arejada, de 12 salas de aula equipadas com ar-condicionado, auditório para 100 pessoas, laboratório de química, salas de informática, de vídeo e biblioteca. Os equipamentos doados ao laboratório de química ainda estão encaixotados, já que os professores do próprio assentamento ainda não estão capacitados para utilizá-los: “Já pedimos à Universidade Federal do Pará (UFPA) que mande alguém para dar assistência aos professores. Tem produto químico que já está até vencido”, explica a coordenadora Risângela Almeida.

O objetivo da escola é montar um programa pedagógico que contemple a realidade do campo. Na biblioteca estão guardados dezenas de livros didáticos que foram doados pela Secretaria Estadual de Educação mas que, segundo a coordenadora, são inadequados para qualquer escola fora do Sudeste: “Os jovens estão saindo do campo para trabalhar em qualquer subemprego na Vale do Rio Doce. Queremos formá-los para que criem vínculos com o campo e com sua história”.

Risângela vivia em Brasília quando foi visitar a irmã no assentamento e decidiu que queria viver ali. “No começo é difícil, mas depois a gente vai pegando amor pelas coisas daqui, pelas pessoas. É assim que tem de ser”. Ela já tinha prestado o vestibular várias vezes quando conseguiu entrar no curso de Letras da UFPA através de um convênio entre a universidade e o MST. Durante o dia assistia às aulas e, à tarde, voltava para o assentamento.

Risângela reclama da falta de autonomia em relação à Secretaria de Educação, que é quem financiou a construção da escola. Os trinta professores são selecionados pelo município de Eldorado dos Carajás: “Conseguimos ao menos que a Secretaria desse prioridade a professores do assentamento. Não queremos gente de fora”.

A coordenadora ressalta a importância do currículo de português. Acredita que os alunos devam aprender a ler e a escrever com fluência antes de estudarem a gramática: “Temos de dar o que eles realmente precisam. Discutimos e interpretamos muitos textos na sala de aula”. Uma vez por ano, é organizada a “Noite com poesias”. Na quadra da escola, todos os alunos, do maternal ao colegial, declamam poesias de autoria própria ou de poetas consagrados, como Cecília Meirelles, Vinícius de Morais e até Charles Trocate, militante do MST e autor de três livros de poesia.

Um exemplo sempre citado no assentamento é o de Leonildo, que entrou na escola sem saber ler ou escrever. Agora, com mais de sessenta anos, está na oitava série. Durante a semana de atividades para relembrar o massacre de 17 de abril, ele subiu no palanque da praça central do assentamento para declamar um poema em formato de cordel que ele mesmo escreveu.

Charles Trocate entrou no MST aos 16 anos de idade. Passou nove meses em um programa de estudos. “É aí que se consolidaram em mim preocupações mais gerais, o hábito da leitura, a profunda fé no trabalho coletivo e as primeiras formulações poéticas”, conta.

Hoje ele é da coordenação nacional do movimento. Um poeta reconhecido: “Falam que meus poemas são difíceis, mas eu não sei escrever de outro jeito. Com 16 anos entrei para a escola do movimento e ficava lendo Marx, Gramsci… Imagina só o jeito que eu saía falando das aulas!”, explica. A poesia do uruguaio Mario Benedetti foi uma de suas primeiras leituras. “O poeta se constrói ao construir. Não fica satisfeito até conseguir criar uma grande metáfora. Lia [Walt] Whitman, que me ensinou o poema-conceito; Drummond, que é a base da nossa educação sentimental; Maiakovski, que fala do trabalho na arte”. Tanto aprecia Maiakovski que está aprendendo russo para traduzir um de seus poemas para o português.

Expulso da escola depois de um ano, Charles nunca mais retornou ao sistema de ensino convencional. Quando menino, trabalhou no garimpo por dois anos. Como não era permitida a entrada de mulheres, nem de bebida, os garimpeiros iam à chamada “Cidade do Trinta”, atual Curianópolis, onde Charles passou a vender cuscuz às prostitutas na porta de boates. Trabalhou de bananeiro a engraxate. Foi alfabetizado pela irmã mais velha, que o ensinava a ler placas: “A gente morava na beira do rio, então descíamos para lavar as placas e aprender as letras. Até hoje tenho mania de ler todas as placas que vejo”.

Charles já publicou três livros de poesia pela editora Expressão Popular. No ano passado, foi convidado para fazer parte do Academia de Letras do Sul e Sudeste paraense: “Houve quem se opôs à minha aceitação porque sou do MST”.

Apreciador e estudioso de música, ele também coordena um grupo composto por jovens assentados e inspira-se em compositores consagrados: “Minha mãe colocou o disco do Bob Dylan para tocar quando eu tinha dois anos de idade. Desde então, sou marxista e poeta”, conta aos risos.

Atualmente, está escrevendo um texto sobre a relação entre a arte e o movimento político: “Não acredito em arte camponesa porque não acredito na arte operária. Arte é catarse, emancipa o homem e não pode estar presa a uma classe social”, defende Charles.

Clique aqui para ler o primeiro artigo da série, que fala sobre as sequelas físicas e psicológicas do massacre

E aqui para ler sobre as conquistas e dificuldades dos assentados na produção agrícola