domingo, janeiro 30, 2011

O que está em jogo no Fórum Social Mundial 2011.


O que está em jogo no Fórum Social Mundial 2011

As questões do Fórum Social Mundial de Dakar estão organizadas em três grandes temas: a conjuntura global e a crise, a situação dos movimentos sociais e cívicos e o processo do Fórum Social Mundial. O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. No Fórum de Dakar uma outra questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos sociais e de sua relação com os governos.

A conjuntura global e a crise

A situação global está marcada pelo aprofundamento da crise estrutural da globalização capitalista. As quatro dimensões da crise (social, geopolítica, ambiental e ideológica) serão abordadas em Dakar. A crise social será enfrentada em particular sob os pontos de vista da desigualdade, da pobreza e da discriminação, enquanto a crise geopolítica será discutida em particular da perspectiva da guerra e do conflito, do acesso às matérias primas e da emergência de novas potências. A crise ambiental será debatida, em particular, sob a perspectiva da mudança climática, enquanto a crise ideológica será discutida da perspectiva de ideologias seguras, da questão das liberdades e da democracia e da cultura, presentes desde o Fórum Social de Belém, que serão analisadas em profundidade.

A evolução da crise lança luz sobre uma situação contraditória. Análises do movimento altermundista estão sendo aceitas, reconhecidas e contribuem para a crise do neoliberalismo. As propostas produzidas pelos movimentos são aceitas como base, por exemplo, para o monitoramento dos setores financeiro e bancário, para a eliminação dos paraísos fiscais, de tributos internacionais, para o conceito de segurança alimentar, até então considerados heresias, estão nas agendas do G8 e do G20. E mesmo assim ainda não foram traduzidos em políticas viáveis. Essas propostas tem sido acolhidas, mas não se efetivam por causa da arrogância das classes dominantes confiantes no seu poder.

A validação das agendas resulta na transformação das palavras de ordem dos movimentos em lugares comuns. É preciso refinar as perspectivas e conceder mais relevância ao debate estratégico, à articulação entre a resistência de curto prazo e a de médio prazo e à mudança em curso sob a superfície dos acontecimentos. A situação lança uma luz sobre a natureza dual da crise, tensionada entre a crise do neoliberalismo, que é a fase da globalização capitalista e a crise da própria globalização capitalista; uma crise do sistema que pode ser analisada como uma crise de civilização, a crise da civilização ocidental, estabelecida desde princípios do século XV.

Nesse contexto, alianças estratégicas devem obedecer a duas exigências. A primeira está vinculada à luta contra a pobreza, a miséria e a desigualdade, o uso do trabalho precário e a violação das liberdades no mundo, para melhorar as condições de vida e a expressão da classe trabalhadora diretamente afetada pela economia dominante e pelas políticas públicas. A segunda exigência prioriza o fato de que outro mundo é possível; um mundo necessário envolve um rompimento definitivo com os modos de produção e consumo da economia e da sociedade, bem como a redistribuição ambiental, com o equilíbrio geopolítico do poder estabelecido nas décadas recentes nos modelos democráticos proeminentes do ocidente.

Três propostas emergem como respostas à crise: o neoconservadorismo, que propõe a continuação do atual padrão dominante e dos privilégios que os acompanham às custas das liberdades, da continuidade das desigualdades e da extensão dos conflitos e das guerras; uma reestruturação profunda do capitalismo defendido pelos militantes do “New Deal Verde”, que propõe regulação global, redistribuição relativa e uma promoção voluntarista das “economias verdes”; e uma alternativa ambiental e social radical, que corresponde a uma superação do atual sistema dominante. O Fórum Social Mundial reúne todos os que rejeitam a opção neoconservadora e a continuação do neoliberalismo, constituindo um fórum pela mudança vigorosa da discussão entre os movimentos que fazem parte de uma perspectiva de avanço de um “New Deal Verde” e os que defendem a necessidade de alternativas radicais.

A referência ao contexto africano

O Fórum Social Mundial de Dakar vai enfatizar questões essenciais que aparecem com mais nitidez com as referências ao contexto africano. A ênfase estará no lugar da África no mundo e na crise. A África é objeto privilegiado de análise, ao tempo em que exemplifica a situação global. Não é pobre; é empobrecida. A África não é marginalizada; é explorada. Com suas matérias primas e recursos humanos cobiçados pelos países do Norte e pelas potências emergentes, e com a cumplicidade ativa dos líderes de alguns estados africanos, a África é indispensável para a economia global e para o equilíbrio ambiental do planeta.

A ênfase também estará na descolonização como um processo histórico incompleto. A crise do neoliberalismo e a crise de hegemonia dos Estados Unidos são indicativos da possibilidade de uma nova fase de descolonização, e do enfraquecimento das potências coloniais europeias. A representação Norte-Sul está mudando, uma situação que não elimina a realidade geopolítica e as contradições entre o Norte e o Sul.

O Fórum priorizará as diásporas e as migrações como uma das questões centrais da globalização. A questão será enfrentada com base na situação atual dos imigrantes e seus direitos, numa análise de longo termo, com o comércio de escravos posto sob a perspectiva do crescimento do papel das diásporas culturais e econômicas.

O Fórum debaterá as mudanças no sistema internacional, nas instituições multilaterais e nas negociações internacionais. Em particular, vai focar nas questões que tornam clara a necessidade de regulação global: equilíbrio ambiental, migração e diásporas, conflitos e guerras.

A situação dos movimentos sociais e comunitários

A convergência dos movimentos de que o Fórum Social Mundial se constitui está comprometida com a resistência ambiental e democrática. Com as lutas sociais presentes nos combates cívicos pelas liberdades e contra a discriminação. A resistência é inseparável das práticas emancipatórias específicas levadas a cabo pelos movimentos.

A direção estratégica dos movimentos está voltada para a acessibilidade universal ao direito, pela igualdade de direitos e pelo imperativo democrático. Os movimentos trazem consigo um movimento histórico de emancipação que são extensão e renovação de movimentos anteriores. Será em torno da definição, da implementação e da garantia de direitos que um novo período de emancipação possível será definido. Essa definição exige que essas concepções de diferentes gerações de direitos sejam revisitadas: direitos políticos e civis formalizados pelas revoluções do século XVIII, reafirmados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, complementadas pelos desafios do totalitarismo dos anos 60; os direitos dos povos que o movimento de descolonização promoveu, com base no direito da autodeterminação, o controle dos recursos naturais, o direito ao desenvolvimento e à democracia; direitos sociais, econômicos e culturais especificados pela Declaração Universal e estipulados pelo Protocolo Adicional adotado pelas Nações Unidas na Assembleia Geral em 2000.

Uma nova geração de direitos está em gestação. Direitos que correspondem à expressão da dimensão global e dos direitos definidos com vistas a um mundo diferente da globalização dominante. A partir desse ponto de vista, duas questões serão as mais proeminentes em Dakar: direitos ambientais para a preservação do planeta e os direitos dos migrantes e da migração que questione o papel das fronteiras, bem como a organização do mundo. O Fórum Social Mundial de Belém enfatizou os benefícios para os movimentos de abarcarem a agenda ambiental em todas as suas dimensões, do clima à destruição dos recursos naturais e da biodiversidade, e da preservação da água, da terra e das suas matérias primas. O FSM de Dakar priorizará um novo tratamento da questão da migração, com a ligação entre migrações e diásporas e a Carta Mundial dos Migrantes.

O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. É nesse contexto que a relação entre o Norte e o Sul está mudando. Considerando que a representação Norte/Sul está mudando na perspectiva da estrutura social, há um Norte no Sul e um Sul no Norte. A emergência do poder de grandes estados está mudando a economia global e o equilíbrio de forças geopolíticas, e é reforçado pelo crescimento de mais de trinta estados que podem ser chamados de economias emergentes. Para tudo isso, contudo, as formas de dominação continuam a ser cruciais na ordem global. O conceito de Sul continua a ser altamente relevante. O Fórum Social Mundial enfatiza uma nova questão: o papel histórico e estratégico dos movimentos sociais nos países emergentes como um todo em relação ao seu Estado e o papel futuro desses estados no mundo. Essa questão, que já marcou os fóruns com o debate sobre o papel jogado pelos movimentos no Brasil e na Índia assume uma importância particular estratégica com a mudança geopolítica associada à crise.

O Fórum Social Mundial é o ponto de encontro para movimentos de vários tipos e de diferentes partes do mundo. Esses movimentos já começaram a se encontrar em redes que reúnem diferentes movimentos nacionais. O processo dos fóruns revela duas mudanças. A primeira delas é as conexões entre movimentos de acordo com suas regiões, características e contextos específicos unificam os movimentos da América Latina, América do Norte e Sul da Ásia (e em particular, a Índia), o sudoeste da Ásia, Japão, Europa e Rússia. O Fórum Social Mundial de Dakar terá dois impactos maiores. O ano de 2010 e os preparativos para Dakar foram marcados pela nova importância conquistada pelos movimentos da região do Magreb-Machrek.

O vigor dos movimentos sociais africanos será visível em Dakar, na forma de movimentos de campesinos, sindicatos, grupos feministas, de juventude, habitantes locais, grupos de imigrantes reprimidos, grupos indígenas e culturais, comitês contra a pobreza e contra a dívida, a economia informal e a economia solidária, etc. Esses movimentos são visíveis, com sua convergência diversidade em sub-regiões da África: no Norte da África e em particular no Magreb, no Oeste e na África Central, na África do Leste e na do Sul.

No Fórum Social Mundial de Dakar uma questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos e das extensões dos movimentos em relação às instituições, ao cenário político e aos governos dos estados. Com respeito aos movimentos como um todo, a análise avança sobre a importância da especificidade, via invenção de uma nova cultura política, da relação entre poder e política. O processo do FSM pôs em cena as bases para essa nova cultura política (horizontalidade, diversidade, convergência das redes de cidadãos e dos movimentos sociais, atividades autogestionadas, etc.) mas ainda deve inovar mais em muitas dificuldades relativas à política e ao poder, para conseguir superar a cultura política caduca, que para a imensa maioria persevera dominante. Além disso, a tradução política dos avanços e das mobilizações dependem das instituições e das representações: num nível local, com a possibilidade de influenciar as decisões das autoridades locais; em nível nacional e internacional, com os governos dos estados, os regimes políticos e as instituições multilaterais; em nível regional e global, com alianças geoeconômicas e geoculturais e com a construção de uma opinião pública global e uma consciência universal.

O processo dos Fóruns Sociais Mundiais

Depois de o Fórum Social Mundial de Belém ter tomado o ano de 2010 como o ano da ação global, mais de quarenta eventos demonstraram o vigor do seu processo. Isso incluiu as atividades dos 10 anos do FSM em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial dos Estados Unidos, o Fórum Social Mundial do México e o Fórum das Américas, vários fóruns na Ásia, o Fórum Mundial de Educação na Palestina, mais de oito fóruns do Magreb e Machrek, etc. Cada evento associado foi iniciativa do comitê local. Esse comitê se refere na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, que adota uma metodologia privilegiando as atividades autogestionadas e declara sua iniciativa no Conselho Internacional do FSM. Essa multiplicação de eventos abre espaço para projeções relativos à extensão do processo dos fóruns. Ele assumiu uma nova forma, “um fórum estendido”, que consiste no uso da Internet para ligar iniciativas locais em diferentes países, com um Fórum em cada. Assim, enquanto ocorria o Fórum Mundial da Educação na Palestina, mais de 40 iniciativas estavam em curso em Ramallah. As iniciativas associadas com “Dakar estendida” inovarão o processo dos fóruns.

A preparação para o FSM Dakar baseou-se nos eventos do ano da ação global, 2010, bem como numa série de iniciativas que asseguraram a convergência de ações e permitiram novos caminhos a serem explorados em termos de organização e metodologia dos fóruns. Assim, já se pode usar as caravanas convergindo para Dakar, dos fóruns de mulheres em Kaolack, das migrações e diásporas, dos encontros para convergência de ações, dos fóruns associados (Assembleia Mundial dos Povos, fóruns pela ciência e pela democracia, sindicatos, autoridades locais e da periferia, parlamentares, teologia e libertação, etc.).

Depois de Dakar, um novo ciclo no processo dos fóruns irá começar. O fortalecimento do processo dos fóruns sociais mundiais poderia ocorrer com a reunião com grandes eventos, como o Rio+20, G8, G20, cúpulas e outras poderiam acordar com sua perspectiva. Seriam reconhecidos como eventos associados ao processo do fórum, estabelecendo assim uma proximidade com os acontecimentos de Seattle, em 1999, que contribuíram para a criação do FSM.

- Gustave Massiah e Nathalie Péré-Marzano, representantes da Research and Information Centre for Development (CRID – France) no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.

Tradução: Katarina Peixoto

Por que os Estados Unidos temem democracia no mundo árabe.

Por que os Estados Unidos temem


democracia no mundo árabe

por Luiz Carlos Azenha

Vamos começar deixando de lado a ideia de que o que se passa no mundo árabe é uma revolução do twitter, do facebook, da Al Jazeera ou das mídias sociais.

O Vinicius Torres Freire acertou, na Folha. “De acordo com esses correspondentes, não seria possível haver Revolução Francesa, Russa, maio de 1968, Diretas-Já ou as revoluções que derrubaram as ditaduras comunistas, dado que na maioria dessas revoluções não havia nem telefones”, escreveu ele.

Voltarei ao tema.

Vinicius acerta de novo, mais adiante, quando toca no ponto central: os milhões de jovens desempregados e sem perspectivas de vida que vivem no mundo árabe.

Não tenho muita experiência de reportagens na região, a não ser por algumas semanas trabalhando no Iraque, na Jordânia e no Marrocos.

Em todos esses lugares testemunhei a frustração dos jovens árabes (na periferia de Casablanca, no Marrocos, fui a uma favela cercada de altos muros brancos, onde a pobreza era devastadora mesmo pelos padrões africanos).

Nunca me esqueço do desabafo de um jovem palestino, morador de Amã, na Jordânia, sobre o drama pessoal que enfrentava: a falta de condições para pagar o dote, casar e conseguir morar com a esposa em endereço próprio.

São esses dramas pessoais, multiplicados por milhões, que movem hoje o que se costuma chamar de “rua árabe”. Dramas que se desenrolam diante de governos autoritários, corruptos e completamente desligados da realidade das ruas.

Aí, sim, é preciso notar o impacto das tecnologias da informação, mas muito mais da telefonia celular e da TV via satélite do que propriamente das mídias sociais, muito embora as lanhouses fervilhem em quase todas as grandes cidades do mundo árabe.

Depois de um rápido processo de urbanização, a frustração dos jovens árabes agora se dá num cenário em que eles são expostos diariamente aos objetos de consumo e ao padrão de vida que “recebem” via satélite, especialmente nos intervalos das transmissões de futebol europeu (no norte da África há mais torcedores do Manchester United do que no Reino Unido, por exemplo).

Washington sustenta o governo egípcio à base de cerca de 5 bilhões de dólares anuais.

É muito pouco provável que o governo Obama vá além de declarações vazias a respeito do governo ditatorial de Hosni Mubarak, ou de “platitudes” em defesa da liberdade de expressão da população.

A reticência dos Estados Unidos — e de todos os governos ocidentais — em relação ao Egito tem relação com o fato de que qualquer democratização para valer dos países árabes aumentará o poder dos partidos islâmicos (a Irmandade Islâmica, por exemplo, no Egito).

Foi prometendo combater a corrupção e promovendo serviços sociais que o Hamas e o Hizbollah ganharam legitimidade respectivamente em Gaza e no Líbano.

Notem, nas próximas horas, como os governos ocidentais vão enfatizar a necessidade de “preservar a estabilidade” e a “segurança” dos governos árabes que estão na defensiva.

Democracia nos países árabes resultaria em governos menos submissos aos Estados Unidos, mais “antenados” com as ruas e, portanto, muito mais agressivos em defesa dos direitos e dos interesses dos palestinos — para não falar em defesa de seus próprios interesses.

Será muito curioso observar, nos próximos dias, a dança hipócrita dos que defendem apaixonadamente a democracia no Irã mas se esquecem de fazer o mesmo quando se trata do Egito. Inclusive no Brasil.

PS do Viomundo: Vamos ver se o governo Obama deixa de fornecer gás lacrimogêneo e outros equipamentos de “segurança” ao governo Mubarak, por exemplo.

fonte: http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/por-que-os-estados-unidos-temem-democracia-no-mundo-arabe.html


quarta-feira, janeiro 26, 2011

Petrobras desmoraliza a Folha. E mantém encomendas no Brasil.


Conteúdo nacional: carta à Folha


A Petrobras desmente com veemência matéria publicada com chamada de capa no jornal Folha de S. Paulo desta segunda-feira (24/1), sob o título “Petrobras quer reduzir compras no país”. A Petrobras não cogita nem pleiteou ao governo a redução de sua meta de índice conteúdo nacional. A empresa reafirma, da mesma forma que informou à Folha antes da publicação da matéria, que não há atraso no cumprimento das metas, nem qualquer movimentação contrária à sua ampliação.


A Folha de S.Paulo ignorou informações fornecidas pela Petrobras em 21/1, sobre a intensificação de medidas de incentivo, cobrindo áreas estratégicas para as empresas, como tecnologia, finanças e gestão. É mentirosa a informação sobre reuniões entre a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia para discussão destas questões nas últimas semanas.


Com um crescimento de 400% nas contratações no País, a política da Petrobras de participação máxima do mercado nacional na aquisição de bens e serviços no Brasil elevou o conteúdo nacional mínimo de 57%, em 2003, para 77,34%, em 2010. A confiança da Petrobras no mercado supridor nacional e a capacidade de resposta desse mercado permitiram que a parcela nacional das contratações da Companhia registrasse um crescimento constante e acima da meta ao longo dos últimos anos. A política de estímulo à indústria nacional praticada pela Petrobras tem o objetivo de utilizar seu poder de compra para ampliar a competitividade dos fornecedores nacionais.


A empresa tem realizado sistemáticas reuniões com empresários de pequeno, médio e grande porte, com o objetivo de estimular a indústria nacional a desenvolver sua capacidade de fornecimento de produtos, que vão desde parafuso até sondas marítimas.


Em relação à cessão onerosa, dentro do cronograma que vai até 2014, a empresa precisará contratar sondas e outros equipamentos no exterior para cumprir o prazo estabelecido por lei. Isso não significa, de forma alguma, deixar de cumprir as metas estabelecidas. Usar essa informação no contexto da reportagem é, no mínimo, má-fé.


A Questão da Ideologia em Gramsci.

Especial: 120 anos de Antônio Gramsci - A
questão da ideologia em Gramsci
Por Leandro Konder - 2002
Publicado 20.01.2011
O italiano Antonio Gramsci desenvolveu uma interpretação bastante original da filosofia de Marx. Para ele, a perspectiva do pensador alemão era a de um "historicismo absoluto". No essencial, o pensamento de Marx nos desafia - sempre! - a pensar historicamente. E esse desafio nos põe diante tanto de possibilidades magníficas como de dificuldades colossais.

Pesa sobre nós uma tradição negativa, que se fortaleceu muito ao longo dos séculos XVII e XVIII, segundo a qual o "senso comum" é depositário de tesouros de sabedoria. Gramsci admitia que o "senso comum" possuía um caroço de "bom senso", a partir do qual poderia desenvolver o espírito crítico. Advertia, contudo, para o risco de uma superestimação do "senso comum", cujos horizontes, afinal, são inevitavelmente muito limitados. O "senso comum é, em si mesmo, "difuso e incoerente". A percepção da realidade, no âmbito desse campo visual estreito, não poderia deixar de ser- segundo o teórico italiano - drasticamente "empírica", restrita à compreensão imediata, superficial.

Em sua origem, o termo "ideologia" compactuava, implicitamente, com uma valorização exagerada da força da percepção sensorial. Gramsci se referiu ao fato de que o primeiro conceito de ideologia foi elaborado por filósofos franceses vinculados a um "materialismo vulgar", teóricos que pretendiam decompor as idéias até chegarem aos "elementos originais" delas, quer dizer, até chegarem às "sensações", das quais, supostamente, as idéias derivavam. Tratava-se, assim, de uma concepção "fisiológica" da ideologia (GRAMSCI, 1977, p. 453).

Marx e Engels, os "fundadores da filosofia da práxis", submeteram essa concepção a uma crítica vigorosa. Tornaram-se, filosoficamente, os representantes de um pensamento que implicava "uma clara superação" ("un netto superamento") da ideologia (GRAMSCI, 1977, p. 1.491). No entanto, adotaram o termo, conferindo-lhe, naturalmente, um sentido pejorativo.

Para Marx e Engels, a ideologia fazia parte da "supra-estrutura", e como tal deveria ser criticamente analisada. As construções supra-estruturais combinam elementos de conhecimento e expressões de pressões prejudiciais à universalidade do conhecimento. A ideologia, na acepção em que Marx e Engels usam a palavra, torna-se, na supra-estrutura, um fator de equívocos, "un elemento di errore", segundo Gramsci (GRAMSCI, 1977, p. 868). E o principal equívoco, aquele que costuma se verificar com maior frequência, é aquele que consiste numa visão "ideológica" da ideologia e que resulta numa desqualificação dos fenômenos ideológicos.

O pensador italiano explicava: "O processo desse erro pode ser facilmente reconstituído. 1) A ideologia é identificada como distinta da estrutura e se afirma que não sào as ideologias que mudam a estrutura, mas, ao contrário, é a estrutura que muda as ideologias: 2) afirma-se que determinada solução política é ´ideológica`, isto é, insuficiente para mudar a estrutura, quando acredita que poderia mudá-la; afirma-se, então, que ela é inútil, estúpida, etc ; 3) passa-se, por fim, a afirmar que toda ideologia é ´pura` aparência, é inútil, estúpida, etc." (GRAMSCI, 1977, p. 868).

Essa desqualificação ilimitada, generalizada, impede a perspectiva comprometida com a superação das distorções ideológicas (a perspectiva de Marx e Engels) de reconhecer concretamente as diferenças significativas que existem no interior do campo da ideologia. E dificulta enormemente ao crítico das limitações da ideologia reconhecer a complexidade dos elementos ideológicos presentes no seu próprio pensamento.

Gramsci propunha uma atenção especial para as diferenças internas da ideologia. Fixava-se, em especial, numa diferença que lhe parecia decisiva: "é preciso distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, que são necessárias a uma certa estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalizadas, desejadas" (idem, ibidem).

As ideologias "arbitrárias" merecem ser submetidas a uma crítica que, de fato, as desqualifica. As ideologias "historicamente orgânicas", porém, constituem o campo no qual se realizam os avanços da ciência, as conquistas da "objetividade", quer dizer, as vitórias da representação "daquela realidade que é reconhecida por todos os homens, que é independente de qualquer ponto de vista meramente particular ou de grupo" (GRAMSCI, 1977, p. 1.456).

A ciência é um conhecimento que se expande, que se aprofunda e se revê, se corrige, continuamente. Ela também é histórica, não pode pretender situar-se acima da história, não pode pretender escapar às marcas que o fluxo da história, a cada momento, imprime nas suas construções. Por isso, não é razoável tentar promover uma contraposição rígida entre ciência e ideologia. "Na realidade", escreveu Gramsci, "a ciência também é uma supra-estrutura, uma ideologia" (GRAMSCI, l977, p.1.457).

Há alguma diferença entre ciência e ideologia, entre filosofia e ideologia ? Gramsci não consegue ser muito preciso na resposta a essa indagação. Ele diz que a ideologia se torna ciência quando assume a forma de "hipótese científica de caráter educativo energético" e é "verificada (criticada) pelo desenvolvimento real da história" (GRAMSCI, 1977, p. 507). E a filosofia ? Uma distinção é sugerida quando o filósofo afirma: "O progresso é uma ideologia, o vir-a-ser é uma filosofia" (GRAMSCI, 1977, p. 1.335). Contudo, a maior preocupação do autor dos Cadernos do Cárcere é a de evitar que alguma construção cultural ou algum elemento da supra-estrutura sejam destacados da ideologia e concebidos como independentes dela.

A própria "filosofia da práxis" (o marxismo) não pode se pretender imune às vicissitudes da ideologia. Na medida em que está comprometido com um projeto e uma ação de crescente mobilização das classes populares - cuja consciência se move no plano do "senso comum" - compreende-se que o marxismo tenha acabado por se mostrar um tanto impregnado pelos critérios (frequentemente preconceituosos ou supersticiosos) determinados pela percepção das massas. O pensador italiano constatava: "a filosofia da práxis se tornou, ela também, ´preconceito` e ´superstição`" (GRAMSCI, 1977, p. 1.861).

Gramsci, convém ressalvar, não se assustava com essa constatação. Ele estava convencido de que nenhuma força inovadora consegue atuar com eficácia imediata e preservar sua coesão com completa coerência. De fato, a força inovadora "é sempre racionalidade e irracionalidade, arbítrio e necessidade. É ´vida`, quer dizer, tem todas as fraquezas e forças da vida, tem todas as suas contradições e suas antíteses" (GRAMSCI, 1977, p. 1.326).

O que importa não é a ambição irrealista de se preservar contra toda e qualquer "contaminação" por parte das contradições sociais, e sim a firme disposição para uma luta permanente no sentido de superar os elementos "acríticos" da consciência, em ligação com o projeto de revolucionamento da sociedade.

Por seu "caráter tendencial de filosofia de massa", a filosofia da práxis só pode se desenvolver de modo polêmico, em confronto com os nostálgicos do passado ou com os aproveitadores da situação presente. É no conflito que ela se liberta, ou tenta se libertar, "de todo elemento ideológico unilateral e fanático" (GRAMSCI, 1977, p. 1.487).

De acordo com a concepção de Gramsci, por conseguinte, a ideologia tem elementos unilaterais e fanáticos, e tem igualmente elementos de conhecimento rigoroso e até mesmo de ciência. Nesse sentido, a ideologia pode chegar a se identificar com "todo o conjunto das supra-estruturas" (GRAMSCI, 1977, p. 1.320).

Por um lado, pois, a perspectiva do pensador italiano atribui uma importância imensa à ideologia (especialmente às ideologias "historicamente orgânicas"); por outro lado, porém, o materialismo histórico não permite que se acredite ingenuamente no poder das ideologias como tais revolucionarem a sociedade. Gramsci escreveu: "Para Marx as ´ideologias` não são meras ilusões e aparências; são uma realidade objetiva e atuante. Só não são a mola da história" (GRAMSCI, 1977, p. 436).

Segundo o teórico italiano, caberia aos revolucionários agir, atuar praticamente. No entanto, para uma atuação eficaz, eles precisariam superar as "ideologias parciais e falaciosas", através de um processo no qual deveriam se apoiar nas ciências e na filosofia, buscando o máximo de "objetividade" no conhecimento, e encaminhando então, na ação, a realização prática efetiva da "unificação cultural do gênero humano" (GRAMSCI, 1977, p. 1.048).

A busca da ampliação do quadro de referências e o esforço no sentido de alcançar maior universalidade no conhecimento conferem ao confronto supra-estrutural das idéias uma característica muito diversa daquela que se encontra nas batalhas "militares". Na "guerra", o combatente procura atacar os pontos fracos do adversário. Na controvérsia ideológica, entretanto, quando se trata de alcançar uma compreensão mais ampla e mais profunda, cumpre enfrentar o desafio de enfrentar as objeções mais fortes dos interlocutores mais notáveis ("i piu eminenti") na representação do ponto de vista oposto (GRAMSCI, 1977, p. 875).

Em outro fragmento dos Cadernos do Cárcere se pode ler uma advertência metodológica aparentada com a preocupação que se manifestou no trecho acima referido: "Na abordagem dos problemas histórico-críticos, não se deve conceber a discussão científica como um processo judicial, no qual existe um acusado e um promotor que, por obrigação funcional, deve demonstrar que o acusado é culpado e merece ser retirado de circulação" (GRAMSCI, 1977, p. 1.267).

A concepção de ideologia adotada por Gramsci está ligada a uma certa unificação das supra-estruturas em torno dos valores históricos do conhecimento e da cultura. O pensador italiano é, sem dúvida, um materialista; seu materialismo, porém, tem uma feição peculiar: está permanentemente atento para a importância da criatividade do sujeito humano, para o poder inovador dos homens, tal como se expressa nas criações culturais.

Apesar das grandes diferenças, Gramsci tem em comum com Lukács (que ele nunca chegou a ler) um profundo apreço pela cultura como tal. Na análise do autor dos Cadernos do Cárcere, a ideologia conservadora dominante estaria se tornando cada vez mais cética em relação aos valores básicos da cultura, do conhecimento, da teoria em geral, por causa da crise da cultura burguesa, que vem perdendo sua capacidade de exercer uma verdadeira hegemonia sobre a sociedade. "A morte das velhas ideologias" - anotou Gramsci - "se verifica como ceticismo em relação a todas as teorias" (GRAMSCI, 1977, p. 312).

Difunde-se um estado de espírito pragmático, imediatista, utilitário, cínico, que tende a subestimar a riqueza do significado das criações culturais. Generaliza-se uma crise de valores. Em resoluta oposição a essa tendência, o filósofo não hesitava em reivindicar a "honestidade científica" e a "lealdade intelectual" (GRAMSCI, 1977, pp. 1.840 e 1.841).

As criações dos sujeitos humanos no nível supra-estrutural não se deixam reduzir a explicações sociológicas (e Gramsci critica duramente a redução do marxismo a uma "sociologia", que o russo Bukhárin teria tentado fazer). Não se pode ignorar a autonomia - relativa, mas insuprimível - que se manifesta na criação cultural, nas opções ideológicas.

Gramsci exemplificava com um episódio extraído da história da Igreja: "Na discussão entre Roma e Bizâncio sobre a proveniência do Espírito Santo, seria ridículo procurar na estrutura do Oriente europeu a afirmação de que o Espíto Santo provém somente do Pai e na estrutura do Ocidente a afirmação de que ele provém do Pai e do Filho. A existência e o conflito das duas igrejas dependem da estrutura de toda a história, mas no caso elas puseram questões que são princípio de distinção e de coesão interna para cada uma delas. Podia acontecer, contudo, que qualquer uma das duas igrejas tivesse afirmado o que a outra afirmou; o princípio de diferenciação e conflito continuaria a ser o mesmo. E é esse problema da distinção e do contraste que constitui o problema histórico e não a bandeira casual empunhada por cada uma das partes" (GRAMSCI, 1977, p. 873).

As representações não se deixam reduzir às condições em que se encontravam seus criadores no momento em que as criaram. E também não devem ser consideradas imutáveis na forma que assumiram na cabeça das pessoas que as adotaram.

Por isso, Gramsci não abandonava, em momento algum, sua convicção de que as representações, as idéias, as formas da sensibilidade, os preconceitos, as superstições, mas também os sistemas filosóficos e as teorias científicas precisavam sempre ser pensados historicamente, do ângulo do "historicismo absoluto".

O sujeito humano existe intervindo no mundo, sendo constituído pelo movimento da história e, simultaneamente, constituindo esse movimento. Mesmo quando amplos setores da população de um país ficam reduzidos a uma situação de miséria material e espiritual, mergulhados nas formas mais empobrecidas e limitadas do "senso comum", não se deve perder de vista o fato de que eles continuam a ser integrados por sujeitos humanos.

Lidando com sujeitos humanos, é impossível eliminar totalmente de modo irreversível a margem de opções que as pessoas são levadas a preservar e anseiam por ampliar. Nos Cadernos do Cárcere se lê a observaçào feita a respeito da situação intelectual do "homem do povo", que não sabe contra-argumentar em face de um "adversário ideologicamente superior", não consegue sustentar e desenvolver suas próprias razões, mas nem por isso adere ao ponto de vista do outro, porque se identifica solidariamente com o grupo a que pertence e se recorda de ter ouvido alguém desse grupo formular razões convincentes que iam numa direção diferente da que está sendo seguida pelo seu contraditor. "Não recorda os argumentos, concretamente, não poderia repeti-los, mas sabe que existem, porque já lhes ouviu a convincente esposição" (GRAMSCI, 1977, p. 1.391).

A história pressupõe, então, não só a ação dos líderes e a atuação dos de "cima", mas também a ineliminável possibilidade da intervenção ativa e consciente dos de "baixo". Fortalecer essa intervenção era a meta, o ideal do pensador italiano. Sua perspectiva revolucionária o incitava a tentar contribuir para a criação de organizações capazes de atuar num sentido político-pedagógico, capazes de ajudar a população a tornar mais críticas suas atividades já existentes. Sua intenção era a de mobilizar o maior número possível de pessoas para a realização de um programa que resultasse num aumento da liberdade e numa diminuição da coerção, na sociedade.

Bibliografia

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. Edição crítica do Instituto Gramsci, org. Valentino Gerratana. Turim: Einaudi, 1977.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil, no Acessa.com

120 anos de Gramsci.



fonte: Fundação Maurício Grabois. http://grabois.org.br/portal/


domingo, janeiro 23, 2011

Abuso – A Bacia das Almas

Abuso – A Bacia das Almas

“A propósito, desprezo tudo que meramente me instrui sem expandir ou estimular imediatamente o meu grau de atividade”. São palavras de Goethe. Com elas, bem como com uma expressão sentida de Ceterum censeo [“julgo, enfim”] deve começar o nosso exame do valor e da inutilidade da história. Pois esta obra dispõe-se a estabelecer porque, no espírito das palavras de Goethe, devemos desprezar seriamente a instrução sem vitalidade, o conhecimento que se coloca no caminho da atividade, e a história como um custoso excedente do conhecimento e como luxo – visto que nos falta o que é ainda mais essencial para nós, e que o que é supérfluo mostra-se hostil ao que é essencial.

Sem dúvida alguma precisamos da história. Mas precisamos dela de modo diverso ao do que o mimado ocioso no jardim do conhecimento a utiliza, não importando o quão elegantemente ele possa desprezar nossas vulgares e grosseiras necessidades e tribulações. Isto é, precisamos dela para a vida e para a ação, não para uma confortável afastamento da vida ou da ação ou para meramente encobrir uma vida egotista e a má conduta covarde. Desejamos usar a história na medida em que ela serve a vida. Há, porém, um modo de se fazer história e de valorizá-la pelo qual a vida se atrofia e se degenera. Trazer à luz este fenômeno como sintoma notável da nossa época é tão necessário quanto doloroso.

Friedrich Nietzsche, Do uso e do abuso da História (1878)

domingo, janeiro 16, 2011

Verme sutil – A Bacia das Almas

Verme sutil – A Bacia das Almas

Na mais significativa das lendas a respeito de Jesus, conta-se que o diabo tomou-o a uma montanha muito alta e mostrou-lhe todos os reinos do mundo num único momento de tempo; e o diabo disse a ele: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quero”. Jesus, como sabemos, respondeu e disse “Vai-te para trás, Satanás!” E estava sendo sincero: ele se recusaria a ter qualquer coisa em comum com a glória do mundo, com “poder temporal”; ele escolheu a carreira de um agitador revolucionário, e morreu a morte de um perturbador da paz. E por dois ou três séculos a sua igreja seguiu os seus passos, promovendo o seu evangelho proletariado. Satanás tinha conseguido tudo que havia pedido a Jesus trezentos anos antes.Os cristãos primitivos tinham “tudo em comum, exceto suas esposas”; viviam à margem da sociedade, escondendo-se em catacumbas desertas, sendo atirados aos leões e fervidos em óleo.

Mas o diabo é um verme sutil; ele não desiste diante da primeira derrota, pois conhece a natureza humana e a intensidade das forças que batalham em seu favor. Ele não conseguiu pegar Jesus, mas voltou para pegar a igreja de Jesus.

Ele veio quando, através do poder da nova ideia revolucionária, a Igreja havia conquistado uma posição de tremenda influência no Império Romano decadente; e o verme sutil assumiu a aparência de ninguém menos do que o próprio Imperador, sugerindo que ele deveria converter-se à nova fé, de modo que a Igreja e ele pudessem trabalhar juntos para a maior glória de Deus. Os bispos e pais da Igreja, cheios de ambição para a sua organização, caíram no estratagema, e Satanás saiu rindo à valer consigo mesmo. Ele tinha conseguido tudo que havia pedido a Jesus trezentos anos antes; tinha conseguido a maior religião do mundo. O quão completo e rápido foi o seu sucesso pode ser julgado pelo fato que cinquenta anos mais tarde encontramos o Imperador Valentiniano vendo-se compelido a publicar um edito limitando as doações das sensibilizadas mulheres das igrejas de Roma.

Daquele tempo em diante o cristianismo tem se mostrado… o principal inimigo do progresso social. Dos dias de Constantino até os dias de Bismarck e Mark Hanna, Cristo e César tem sido um, e a Igreja tem servido de escudo e armadura para o poder econômico predatório. Com apenas uma ressalva digna de nota: a Igreja nunca foi capaz de suprimir por completo a memória de seu fundador proletário. Ela fez o máximo nesse sentido, naturalmente; temos visto os seus acadêmicos distorcendo por completo o sentido das palavras dele, e a Igreja Católica chegou mesmo a manter o uso de uma língua morta, de modo que suas vítimas não pudessem ouvir as palavras de Jesus numa forma que pudessem entender.

Upton Sinclair, em Os Lucros da religião (1918)


domingo, janeiro 02, 2011

Bacia das Almas - A sua recompensa.

http://www.baciadasalmas.com/2011/a-sua-recompensa/

Aí vem você argumentar que é o Estado – o monstro opressor – que dá dinheiro dos contribuintes para os miseráveis gastarem com cachaça e não trabalharem – e eu lhe pergunto três coisas: por que é inadmissível que os pobres não possam ser preferidos pelo governo, pela igreja, pelo Estado, por quem quer que seja, se do ponto de vista do cara mais revolucionário que já houve não há nunca imparcialidade, são as vítimas sempre a serem preferidas? E, além do mais, se o governo está fazendo aquilo que você deveria fazer – dar o dinheiro aos pobres? De onde saiu a regra de que pobres não podem ter seu dinheiro de forma autônoma? A regra de que eles precisam ser porteiros, empregadas domésticas, babás, motoristas, de que eles só valem quando vendem sua força, seu vigor e seu saber prático para o gozo dos poucos de sempre? De onde saiu a regra de que os pobres não podem gastar seu pouco dinheiro da forma que bem entenderem, assim como eu e você gastamos insensatamente o nosso salário?

O princípio mais demoníaco dos últimos dois séculos é o da igualdade de oportunidade. Igualdade de oportunidade é como colocar pra concorrer numa prova de atletismo um rapaz de cadeira de rodas e um atleta. As oportunidades são iguais, as condições, não. Além do mais não gosto da igualdade por si mesma: eu gosto das diferenças! (Veja, eu não disse desigualdade – que é terrível – mas diferenças). E a luta por igualdade é justamente a luta para que os diferentes possam igualmente manifestar sua vida e seu modo de estar, de falar, de cantar, de abraçar, de se vestir, de dançar e de tomar banho. Nesse caso, eu quero um Estado que trate os desiguais como desiguais: a quem tem menos (dinheiro, poder, saber, espaço) seja dado mais e primeiro; quem tem mais, já tem sua recompensa! Eu quero um país das cotas raciais e do ProUni (porque negros e brancos, alunos de escolas niveladas e de escolas modelares, nunca tiveram igualdade de condições e não teriam oportunidades iguais), quero o país da Bolsa-Família (porque pobres e ricos nunca comeram as mesmas coisas e não poderiam gozar do mesmo sabor de gastar o seu dinheiro como bem entendem), quero o país das comunidades quilombolas, das reservas indígenas, dos assentamentos bem-estruturados, da agricultura familiar camponesa (porque esses povos nunca tiveram as mesmas condições dos brancos, ricos, urbanos e agroindustriais).

[...]

Na verdade, eu quero o Não-Estado, o Despoder; eu quero a festa de corpos livres, de desejos ardentes, de danças, de músicas, de comida farta, de uma mesa única com todo mundo junto; mas essa realidade que parece impossível, é o Reino do Deus do impossível, que trabalha por nossas mãos, sua por nossos poros e chora com nossos prantos, e que não acontecerá sem a luta incessante contra aqueles que querem acumular, que criam barreiras de separação, que não gostam da inclusão de mais gente, que não querem a participação dos pobres, dos pretos, dos bêbados, dos analfabetos, das crianças, dos poetas e das mulheres! Por ora, enquanto o Reino não chega, só devemos manifestar a festa da vida em nossa vida, junto de quem está perto de nós, contra a discriminação e a repressão, pela liberdade, pelas diferenças, pela diversidade. Agora, o momento é de não permitir que as forças reacionárias do escuro impeçam a aurora de continuar a clarear o dia. A salvação não virá do governo, mas a continuidade de um governo que permite a liberdade ampla da expressão, que distribui renda, que tira pobres da pobreza e dá voz a quem não tinha é fundamental para destruirmos esse Brasil capenga, dividido e opressivo e tirar de dentro dele o outro Brasil vibrante, colorido, dançante e flamejante, contra o poder e com sabor de vida!

Rondinelly Gomes Medeiros, aplicando curativa Soda Cáustica

domingo, janeiro 30, 2011

O que está em jogo no Fórum Social Mundial 2011.


O que está em jogo no Fórum Social Mundial 2011

As questões do Fórum Social Mundial de Dakar estão organizadas em três grandes temas: a conjuntura global e a crise, a situação dos movimentos sociais e cívicos e o processo do Fórum Social Mundial. O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. No Fórum de Dakar uma outra questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos sociais e de sua relação com os governos.

A conjuntura global e a crise

A situação global está marcada pelo aprofundamento da crise estrutural da globalização capitalista. As quatro dimensões da crise (social, geopolítica, ambiental e ideológica) serão abordadas em Dakar. A crise social será enfrentada em particular sob os pontos de vista da desigualdade, da pobreza e da discriminação, enquanto a crise geopolítica será discutida em particular da perspectiva da guerra e do conflito, do acesso às matérias primas e da emergência de novas potências. A crise ambiental será debatida, em particular, sob a perspectiva da mudança climática, enquanto a crise ideológica será discutida da perspectiva de ideologias seguras, da questão das liberdades e da democracia e da cultura, presentes desde o Fórum Social de Belém, que serão analisadas em profundidade.

A evolução da crise lança luz sobre uma situação contraditória. Análises do movimento altermundista estão sendo aceitas, reconhecidas e contribuem para a crise do neoliberalismo. As propostas produzidas pelos movimentos são aceitas como base, por exemplo, para o monitoramento dos setores financeiro e bancário, para a eliminação dos paraísos fiscais, de tributos internacionais, para o conceito de segurança alimentar, até então considerados heresias, estão nas agendas do G8 e do G20. E mesmo assim ainda não foram traduzidos em políticas viáveis. Essas propostas tem sido acolhidas, mas não se efetivam por causa da arrogância das classes dominantes confiantes no seu poder.

A validação das agendas resulta na transformação das palavras de ordem dos movimentos em lugares comuns. É preciso refinar as perspectivas e conceder mais relevância ao debate estratégico, à articulação entre a resistência de curto prazo e a de médio prazo e à mudança em curso sob a superfície dos acontecimentos. A situação lança uma luz sobre a natureza dual da crise, tensionada entre a crise do neoliberalismo, que é a fase da globalização capitalista e a crise da própria globalização capitalista; uma crise do sistema que pode ser analisada como uma crise de civilização, a crise da civilização ocidental, estabelecida desde princípios do século XV.

Nesse contexto, alianças estratégicas devem obedecer a duas exigências. A primeira está vinculada à luta contra a pobreza, a miséria e a desigualdade, o uso do trabalho precário e a violação das liberdades no mundo, para melhorar as condições de vida e a expressão da classe trabalhadora diretamente afetada pela economia dominante e pelas políticas públicas. A segunda exigência prioriza o fato de que outro mundo é possível; um mundo necessário envolve um rompimento definitivo com os modos de produção e consumo da economia e da sociedade, bem como a redistribuição ambiental, com o equilíbrio geopolítico do poder estabelecido nas décadas recentes nos modelos democráticos proeminentes do ocidente.

Três propostas emergem como respostas à crise: o neoconservadorismo, que propõe a continuação do atual padrão dominante e dos privilégios que os acompanham às custas das liberdades, da continuidade das desigualdades e da extensão dos conflitos e das guerras; uma reestruturação profunda do capitalismo defendido pelos militantes do “New Deal Verde”, que propõe regulação global, redistribuição relativa e uma promoção voluntarista das “economias verdes”; e uma alternativa ambiental e social radical, que corresponde a uma superação do atual sistema dominante. O Fórum Social Mundial reúne todos os que rejeitam a opção neoconservadora e a continuação do neoliberalismo, constituindo um fórum pela mudança vigorosa da discussão entre os movimentos que fazem parte de uma perspectiva de avanço de um “New Deal Verde” e os que defendem a necessidade de alternativas radicais.

A referência ao contexto africano

O Fórum Social Mundial de Dakar vai enfatizar questões essenciais que aparecem com mais nitidez com as referências ao contexto africano. A ênfase estará no lugar da África no mundo e na crise. A África é objeto privilegiado de análise, ao tempo em que exemplifica a situação global. Não é pobre; é empobrecida. A África não é marginalizada; é explorada. Com suas matérias primas e recursos humanos cobiçados pelos países do Norte e pelas potências emergentes, e com a cumplicidade ativa dos líderes de alguns estados africanos, a África é indispensável para a economia global e para o equilíbrio ambiental do planeta.

A ênfase também estará na descolonização como um processo histórico incompleto. A crise do neoliberalismo e a crise de hegemonia dos Estados Unidos são indicativos da possibilidade de uma nova fase de descolonização, e do enfraquecimento das potências coloniais europeias. A representação Norte-Sul está mudando, uma situação que não elimina a realidade geopolítica e as contradições entre o Norte e o Sul.

O Fórum priorizará as diásporas e as migrações como uma das questões centrais da globalização. A questão será enfrentada com base na situação atual dos imigrantes e seus direitos, numa análise de longo termo, com o comércio de escravos posto sob a perspectiva do crescimento do papel das diásporas culturais e econômicas.

O Fórum debaterá as mudanças no sistema internacional, nas instituições multilaterais e nas negociações internacionais. Em particular, vai focar nas questões que tornam clara a necessidade de regulação global: equilíbrio ambiental, migração e diásporas, conflitos e guerras.

A situação dos movimentos sociais e comunitários

A convergência dos movimentos de que o Fórum Social Mundial se constitui está comprometida com a resistência ambiental e democrática. Com as lutas sociais presentes nos combates cívicos pelas liberdades e contra a discriminação. A resistência é inseparável das práticas emancipatórias específicas levadas a cabo pelos movimentos.

A direção estratégica dos movimentos está voltada para a acessibilidade universal ao direito, pela igualdade de direitos e pelo imperativo democrático. Os movimentos trazem consigo um movimento histórico de emancipação que são extensão e renovação de movimentos anteriores. Será em torno da definição, da implementação e da garantia de direitos que um novo período de emancipação possível será definido. Essa definição exige que essas concepções de diferentes gerações de direitos sejam revisitadas: direitos políticos e civis formalizados pelas revoluções do século XVIII, reafirmados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, complementadas pelos desafios do totalitarismo dos anos 60; os direitos dos povos que o movimento de descolonização promoveu, com base no direito da autodeterminação, o controle dos recursos naturais, o direito ao desenvolvimento e à democracia; direitos sociais, econômicos e culturais especificados pela Declaração Universal e estipulados pelo Protocolo Adicional adotado pelas Nações Unidas na Assembleia Geral em 2000.

Uma nova geração de direitos está em gestação. Direitos que correspondem à expressão da dimensão global e dos direitos definidos com vistas a um mundo diferente da globalização dominante. A partir desse ponto de vista, duas questões serão as mais proeminentes em Dakar: direitos ambientais para a preservação do planeta e os direitos dos migrantes e da migração que questione o papel das fronteiras, bem como a organização do mundo. O Fórum Social Mundial de Belém enfatizou os benefícios para os movimentos de abarcarem a agenda ambiental em todas as suas dimensões, do clima à destruição dos recursos naturais e da biodiversidade, e da preservação da água, da terra e das suas matérias primas. O FSM de Dakar priorizará um novo tratamento da questão da migração, com a ligação entre migrações e diásporas e a Carta Mundial dos Migrantes.

O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. É nesse contexto que a relação entre o Norte e o Sul está mudando. Considerando que a representação Norte/Sul está mudando na perspectiva da estrutura social, há um Norte no Sul e um Sul no Norte. A emergência do poder de grandes estados está mudando a economia global e o equilíbrio de forças geopolíticas, e é reforçado pelo crescimento de mais de trinta estados que podem ser chamados de economias emergentes. Para tudo isso, contudo, as formas de dominação continuam a ser cruciais na ordem global. O conceito de Sul continua a ser altamente relevante. O Fórum Social Mundial enfatiza uma nova questão: o papel histórico e estratégico dos movimentos sociais nos países emergentes como um todo em relação ao seu Estado e o papel futuro desses estados no mundo. Essa questão, que já marcou os fóruns com o debate sobre o papel jogado pelos movimentos no Brasil e na Índia assume uma importância particular estratégica com a mudança geopolítica associada à crise.

O Fórum Social Mundial é o ponto de encontro para movimentos de vários tipos e de diferentes partes do mundo. Esses movimentos já começaram a se encontrar em redes que reúnem diferentes movimentos nacionais. O processo dos fóruns revela duas mudanças. A primeira delas é as conexões entre movimentos de acordo com suas regiões, características e contextos específicos unificam os movimentos da América Latina, América do Norte e Sul da Ásia (e em particular, a Índia), o sudoeste da Ásia, Japão, Europa e Rússia. O Fórum Social Mundial de Dakar terá dois impactos maiores. O ano de 2010 e os preparativos para Dakar foram marcados pela nova importância conquistada pelos movimentos da região do Magreb-Machrek.

O vigor dos movimentos sociais africanos será visível em Dakar, na forma de movimentos de campesinos, sindicatos, grupos feministas, de juventude, habitantes locais, grupos de imigrantes reprimidos, grupos indígenas e culturais, comitês contra a pobreza e contra a dívida, a economia informal e a economia solidária, etc. Esses movimentos são visíveis, com sua convergência diversidade em sub-regiões da África: no Norte da África e em particular no Magreb, no Oeste e na África Central, na África do Leste e na do Sul.

No Fórum Social Mundial de Dakar uma questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos e das extensões dos movimentos em relação às instituições, ao cenário político e aos governos dos estados. Com respeito aos movimentos como um todo, a análise avança sobre a importância da especificidade, via invenção de uma nova cultura política, da relação entre poder e política. O processo do FSM pôs em cena as bases para essa nova cultura política (horizontalidade, diversidade, convergência das redes de cidadãos e dos movimentos sociais, atividades autogestionadas, etc.) mas ainda deve inovar mais em muitas dificuldades relativas à política e ao poder, para conseguir superar a cultura política caduca, que para a imensa maioria persevera dominante. Além disso, a tradução política dos avanços e das mobilizações dependem das instituições e das representações: num nível local, com a possibilidade de influenciar as decisões das autoridades locais; em nível nacional e internacional, com os governos dos estados, os regimes políticos e as instituições multilaterais; em nível regional e global, com alianças geoeconômicas e geoculturais e com a construção de uma opinião pública global e uma consciência universal.

O processo dos Fóruns Sociais Mundiais

Depois de o Fórum Social Mundial de Belém ter tomado o ano de 2010 como o ano da ação global, mais de quarenta eventos demonstraram o vigor do seu processo. Isso incluiu as atividades dos 10 anos do FSM em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial dos Estados Unidos, o Fórum Social Mundial do México e o Fórum das Américas, vários fóruns na Ásia, o Fórum Mundial de Educação na Palestina, mais de oito fóruns do Magreb e Machrek, etc. Cada evento associado foi iniciativa do comitê local. Esse comitê se refere na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, que adota uma metodologia privilegiando as atividades autogestionadas e declara sua iniciativa no Conselho Internacional do FSM. Essa multiplicação de eventos abre espaço para projeções relativos à extensão do processo dos fóruns. Ele assumiu uma nova forma, “um fórum estendido”, que consiste no uso da Internet para ligar iniciativas locais em diferentes países, com um Fórum em cada. Assim, enquanto ocorria o Fórum Mundial da Educação na Palestina, mais de 40 iniciativas estavam em curso em Ramallah. As iniciativas associadas com “Dakar estendida” inovarão o processo dos fóruns.

A preparação para o FSM Dakar baseou-se nos eventos do ano da ação global, 2010, bem como numa série de iniciativas que asseguraram a convergência de ações e permitiram novos caminhos a serem explorados em termos de organização e metodologia dos fóruns. Assim, já se pode usar as caravanas convergindo para Dakar, dos fóruns de mulheres em Kaolack, das migrações e diásporas, dos encontros para convergência de ações, dos fóruns associados (Assembleia Mundial dos Povos, fóruns pela ciência e pela democracia, sindicatos, autoridades locais e da periferia, parlamentares, teologia e libertação, etc.).

Depois de Dakar, um novo ciclo no processo dos fóruns irá começar. O fortalecimento do processo dos fóruns sociais mundiais poderia ocorrer com a reunião com grandes eventos, como o Rio+20, G8, G20, cúpulas e outras poderiam acordar com sua perspectiva. Seriam reconhecidos como eventos associados ao processo do fórum, estabelecendo assim uma proximidade com os acontecimentos de Seattle, em 1999, que contribuíram para a criação do FSM.

- Gustave Massiah e Nathalie Péré-Marzano, representantes da Research and Information Centre for Development (CRID – France) no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.

Tradução: Katarina Peixoto

Por que os Estados Unidos temem democracia no mundo árabe.

Por que os Estados Unidos temem


democracia no mundo árabe

por Luiz Carlos Azenha

Vamos começar deixando de lado a ideia de que o que se passa no mundo árabe é uma revolução do twitter, do facebook, da Al Jazeera ou das mídias sociais.

O Vinicius Torres Freire acertou, na Folha. “De acordo com esses correspondentes, não seria possível haver Revolução Francesa, Russa, maio de 1968, Diretas-Já ou as revoluções que derrubaram as ditaduras comunistas, dado que na maioria dessas revoluções não havia nem telefones”, escreveu ele.

Voltarei ao tema.

Vinicius acerta de novo, mais adiante, quando toca no ponto central: os milhões de jovens desempregados e sem perspectivas de vida que vivem no mundo árabe.

Não tenho muita experiência de reportagens na região, a não ser por algumas semanas trabalhando no Iraque, na Jordânia e no Marrocos.

Em todos esses lugares testemunhei a frustração dos jovens árabes (na periferia de Casablanca, no Marrocos, fui a uma favela cercada de altos muros brancos, onde a pobreza era devastadora mesmo pelos padrões africanos).

Nunca me esqueço do desabafo de um jovem palestino, morador de Amã, na Jordânia, sobre o drama pessoal que enfrentava: a falta de condições para pagar o dote, casar e conseguir morar com a esposa em endereço próprio.

São esses dramas pessoais, multiplicados por milhões, que movem hoje o que se costuma chamar de “rua árabe”. Dramas que se desenrolam diante de governos autoritários, corruptos e completamente desligados da realidade das ruas.

Aí, sim, é preciso notar o impacto das tecnologias da informação, mas muito mais da telefonia celular e da TV via satélite do que propriamente das mídias sociais, muito embora as lanhouses fervilhem em quase todas as grandes cidades do mundo árabe.

Depois de um rápido processo de urbanização, a frustração dos jovens árabes agora se dá num cenário em que eles são expostos diariamente aos objetos de consumo e ao padrão de vida que “recebem” via satélite, especialmente nos intervalos das transmissões de futebol europeu (no norte da África há mais torcedores do Manchester United do que no Reino Unido, por exemplo).

Washington sustenta o governo egípcio à base de cerca de 5 bilhões de dólares anuais.

É muito pouco provável que o governo Obama vá além de declarações vazias a respeito do governo ditatorial de Hosni Mubarak, ou de “platitudes” em defesa da liberdade de expressão da população.

A reticência dos Estados Unidos — e de todos os governos ocidentais — em relação ao Egito tem relação com o fato de que qualquer democratização para valer dos países árabes aumentará o poder dos partidos islâmicos (a Irmandade Islâmica, por exemplo, no Egito).

Foi prometendo combater a corrupção e promovendo serviços sociais que o Hamas e o Hizbollah ganharam legitimidade respectivamente em Gaza e no Líbano.

Notem, nas próximas horas, como os governos ocidentais vão enfatizar a necessidade de “preservar a estabilidade” e a “segurança” dos governos árabes que estão na defensiva.

Democracia nos países árabes resultaria em governos menos submissos aos Estados Unidos, mais “antenados” com as ruas e, portanto, muito mais agressivos em defesa dos direitos e dos interesses dos palestinos — para não falar em defesa de seus próprios interesses.

Será muito curioso observar, nos próximos dias, a dança hipócrita dos que defendem apaixonadamente a democracia no Irã mas se esquecem de fazer o mesmo quando se trata do Egito. Inclusive no Brasil.

PS do Viomundo: Vamos ver se o governo Obama deixa de fornecer gás lacrimogêneo e outros equipamentos de “segurança” ao governo Mubarak, por exemplo.

fonte: http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/por-que-os-estados-unidos-temem-democracia-no-mundo-arabe.html


quarta-feira, janeiro 26, 2011

Petrobras desmoraliza a Folha. E mantém encomendas no Brasil.


Conteúdo nacional: carta à Folha


A Petrobras desmente com veemência matéria publicada com chamada de capa no jornal Folha de S. Paulo desta segunda-feira (24/1), sob o título “Petrobras quer reduzir compras no país”. A Petrobras não cogita nem pleiteou ao governo a redução de sua meta de índice conteúdo nacional. A empresa reafirma, da mesma forma que informou à Folha antes da publicação da matéria, que não há atraso no cumprimento das metas, nem qualquer movimentação contrária à sua ampliação.


A Folha de S.Paulo ignorou informações fornecidas pela Petrobras em 21/1, sobre a intensificação de medidas de incentivo, cobrindo áreas estratégicas para as empresas, como tecnologia, finanças e gestão. É mentirosa a informação sobre reuniões entre a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia para discussão destas questões nas últimas semanas.


Com um crescimento de 400% nas contratações no País, a política da Petrobras de participação máxima do mercado nacional na aquisição de bens e serviços no Brasil elevou o conteúdo nacional mínimo de 57%, em 2003, para 77,34%, em 2010. A confiança da Petrobras no mercado supridor nacional e a capacidade de resposta desse mercado permitiram que a parcela nacional das contratações da Companhia registrasse um crescimento constante e acima da meta ao longo dos últimos anos. A política de estímulo à indústria nacional praticada pela Petrobras tem o objetivo de utilizar seu poder de compra para ampliar a competitividade dos fornecedores nacionais.


A empresa tem realizado sistemáticas reuniões com empresários de pequeno, médio e grande porte, com o objetivo de estimular a indústria nacional a desenvolver sua capacidade de fornecimento de produtos, que vão desde parafuso até sondas marítimas.


Em relação à cessão onerosa, dentro do cronograma que vai até 2014, a empresa precisará contratar sondas e outros equipamentos no exterior para cumprir o prazo estabelecido por lei. Isso não significa, de forma alguma, deixar de cumprir as metas estabelecidas. Usar essa informação no contexto da reportagem é, no mínimo, má-fé.


A Questão da Ideologia em Gramsci.

Especial: 120 anos de Antônio Gramsci - A
questão da ideologia em Gramsci
Por Leandro Konder - 2002
Publicado 20.01.2011
O italiano Antonio Gramsci desenvolveu uma interpretação bastante original da filosofia de Marx. Para ele, a perspectiva do pensador alemão era a de um "historicismo absoluto". No essencial, o pensamento de Marx nos desafia - sempre! - a pensar historicamente. E esse desafio nos põe diante tanto de possibilidades magníficas como de dificuldades colossais.

Pesa sobre nós uma tradição negativa, que se fortaleceu muito ao longo dos séculos XVII e XVIII, segundo a qual o "senso comum" é depositário de tesouros de sabedoria. Gramsci admitia que o "senso comum" possuía um caroço de "bom senso", a partir do qual poderia desenvolver o espírito crítico. Advertia, contudo, para o risco de uma superestimação do "senso comum", cujos horizontes, afinal, são inevitavelmente muito limitados. O "senso comum é, em si mesmo, "difuso e incoerente". A percepção da realidade, no âmbito desse campo visual estreito, não poderia deixar de ser- segundo o teórico italiano - drasticamente "empírica", restrita à compreensão imediata, superficial.

Em sua origem, o termo "ideologia" compactuava, implicitamente, com uma valorização exagerada da força da percepção sensorial. Gramsci se referiu ao fato de que o primeiro conceito de ideologia foi elaborado por filósofos franceses vinculados a um "materialismo vulgar", teóricos que pretendiam decompor as idéias até chegarem aos "elementos originais" delas, quer dizer, até chegarem às "sensações", das quais, supostamente, as idéias derivavam. Tratava-se, assim, de uma concepção "fisiológica" da ideologia (GRAMSCI, 1977, p. 453).

Marx e Engels, os "fundadores da filosofia da práxis", submeteram essa concepção a uma crítica vigorosa. Tornaram-se, filosoficamente, os representantes de um pensamento que implicava "uma clara superação" ("un netto superamento") da ideologia (GRAMSCI, 1977, p. 1.491). No entanto, adotaram o termo, conferindo-lhe, naturalmente, um sentido pejorativo.

Para Marx e Engels, a ideologia fazia parte da "supra-estrutura", e como tal deveria ser criticamente analisada. As construções supra-estruturais combinam elementos de conhecimento e expressões de pressões prejudiciais à universalidade do conhecimento. A ideologia, na acepção em que Marx e Engels usam a palavra, torna-se, na supra-estrutura, um fator de equívocos, "un elemento di errore", segundo Gramsci (GRAMSCI, 1977, p. 868). E o principal equívoco, aquele que costuma se verificar com maior frequência, é aquele que consiste numa visão "ideológica" da ideologia e que resulta numa desqualificação dos fenômenos ideológicos.

O pensador italiano explicava: "O processo desse erro pode ser facilmente reconstituído. 1) A ideologia é identificada como distinta da estrutura e se afirma que não sào as ideologias que mudam a estrutura, mas, ao contrário, é a estrutura que muda as ideologias: 2) afirma-se que determinada solução política é ´ideológica`, isto é, insuficiente para mudar a estrutura, quando acredita que poderia mudá-la; afirma-se, então, que ela é inútil, estúpida, etc ; 3) passa-se, por fim, a afirmar que toda ideologia é ´pura` aparência, é inútil, estúpida, etc." (GRAMSCI, 1977, p. 868).

Essa desqualificação ilimitada, generalizada, impede a perspectiva comprometida com a superação das distorções ideológicas (a perspectiva de Marx e Engels) de reconhecer concretamente as diferenças significativas que existem no interior do campo da ideologia. E dificulta enormemente ao crítico das limitações da ideologia reconhecer a complexidade dos elementos ideológicos presentes no seu próprio pensamento.

Gramsci propunha uma atenção especial para as diferenças internas da ideologia. Fixava-se, em especial, numa diferença que lhe parecia decisiva: "é preciso distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, que são necessárias a uma certa estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalizadas, desejadas" (idem, ibidem).

As ideologias "arbitrárias" merecem ser submetidas a uma crítica que, de fato, as desqualifica. As ideologias "historicamente orgânicas", porém, constituem o campo no qual se realizam os avanços da ciência, as conquistas da "objetividade", quer dizer, as vitórias da representação "daquela realidade que é reconhecida por todos os homens, que é independente de qualquer ponto de vista meramente particular ou de grupo" (GRAMSCI, 1977, p. 1.456).

A ciência é um conhecimento que se expande, que se aprofunda e se revê, se corrige, continuamente. Ela também é histórica, não pode pretender situar-se acima da história, não pode pretender escapar às marcas que o fluxo da história, a cada momento, imprime nas suas construções. Por isso, não é razoável tentar promover uma contraposição rígida entre ciência e ideologia. "Na realidade", escreveu Gramsci, "a ciência também é uma supra-estrutura, uma ideologia" (GRAMSCI, l977, p.1.457).

Há alguma diferença entre ciência e ideologia, entre filosofia e ideologia ? Gramsci não consegue ser muito preciso na resposta a essa indagação. Ele diz que a ideologia se torna ciência quando assume a forma de "hipótese científica de caráter educativo energético" e é "verificada (criticada) pelo desenvolvimento real da história" (GRAMSCI, 1977, p. 507). E a filosofia ? Uma distinção é sugerida quando o filósofo afirma: "O progresso é uma ideologia, o vir-a-ser é uma filosofia" (GRAMSCI, 1977, p. 1.335). Contudo, a maior preocupação do autor dos Cadernos do Cárcere é a de evitar que alguma construção cultural ou algum elemento da supra-estrutura sejam destacados da ideologia e concebidos como independentes dela.

A própria "filosofia da práxis" (o marxismo) não pode se pretender imune às vicissitudes da ideologia. Na medida em que está comprometido com um projeto e uma ação de crescente mobilização das classes populares - cuja consciência se move no plano do "senso comum" - compreende-se que o marxismo tenha acabado por se mostrar um tanto impregnado pelos critérios (frequentemente preconceituosos ou supersticiosos) determinados pela percepção das massas. O pensador italiano constatava: "a filosofia da práxis se tornou, ela também, ´preconceito` e ´superstição`" (GRAMSCI, 1977, p. 1.861).

Gramsci, convém ressalvar, não se assustava com essa constatação. Ele estava convencido de que nenhuma força inovadora consegue atuar com eficácia imediata e preservar sua coesão com completa coerência. De fato, a força inovadora "é sempre racionalidade e irracionalidade, arbítrio e necessidade. É ´vida`, quer dizer, tem todas as fraquezas e forças da vida, tem todas as suas contradições e suas antíteses" (GRAMSCI, 1977, p. 1.326).

O que importa não é a ambição irrealista de se preservar contra toda e qualquer "contaminação" por parte das contradições sociais, e sim a firme disposição para uma luta permanente no sentido de superar os elementos "acríticos" da consciência, em ligação com o projeto de revolucionamento da sociedade.

Por seu "caráter tendencial de filosofia de massa", a filosofia da práxis só pode se desenvolver de modo polêmico, em confronto com os nostálgicos do passado ou com os aproveitadores da situação presente. É no conflito que ela se liberta, ou tenta se libertar, "de todo elemento ideológico unilateral e fanático" (GRAMSCI, 1977, p. 1.487).

De acordo com a concepção de Gramsci, por conseguinte, a ideologia tem elementos unilaterais e fanáticos, e tem igualmente elementos de conhecimento rigoroso e até mesmo de ciência. Nesse sentido, a ideologia pode chegar a se identificar com "todo o conjunto das supra-estruturas" (GRAMSCI, 1977, p. 1.320).

Por um lado, pois, a perspectiva do pensador italiano atribui uma importância imensa à ideologia (especialmente às ideologias "historicamente orgânicas"); por outro lado, porém, o materialismo histórico não permite que se acredite ingenuamente no poder das ideologias como tais revolucionarem a sociedade. Gramsci escreveu: "Para Marx as ´ideologias` não são meras ilusões e aparências; são uma realidade objetiva e atuante. Só não são a mola da história" (GRAMSCI, 1977, p. 436).

Segundo o teórico italiano, caberia aos revolucionários agir, atuar praticamente. No entanto, para uma atuação eficaz, eles precisariam superar as "ideologias parciais e falaciosas", através de um processo no qual deveriam se apoiar nas ciências e na filosofia, buscando o máximo de "objetividade" no conhecimento, e encaminhando então, na ação, a realização prática efetiva da "unificação cultural do gênero humano" (GRAMSCI, 1977, p. 1.048).

A busca da ampliação do quadro de referências e o esforço no sentido de alcançar maior universalidade no conhecimento conferem ao confronto supra-estrutural das idéias uma característica muito diversa daquela que se encontra nas batalhas "militares". Na "guerra", o combatente procura atacar os pontos fracos do adversário. Na controvérsia ideológica, entretanto, quando se trata de alcançar uma compreensão mais ampla e mais profunda, cumpre enfrentar o desafio de enfrentar as objeções mais fortes dos interlocutores mais notáveis ("i piu eminenti") na representação do ponto de vista oposto (GRAMSCI, 1977, p. 875).

Em outro fragmento dos Cadernos do Cárcere se pode ler uma advertência metodológica aparentada com a preocupação que se manifestou no trecho acima referido: "Na abordagem dos problemas histórico-críticos, não se deve conceber a discussão científica como um processo judicial, no qual existe um acusado e um promotor que, por obrigação funcional, deve demonstrar que o acusado é culpado e merece ser retirado de circulação" (GRAMSCI, 1977, p. 1.267).

A concepção de ideologia adotada por Gramsci está ligada a uma certa unificação das supra-estruturas em torno dos valores históricos do conhecimento e da cultura. O pensador italiano é, sem dúvida, um materialista; seu materialismo, porém, tem uma feição peculiar: está permanentemente atento para a importância da criatividade do sujeito humano, para o poder inovador dos homens, tal como se expressa nas criações culturais.

Apesar das grandes diferenças, Gramsci tem em comum com Lukács (que ele nunca chegou a ler) um profundo apreço pela cultura como tal. Na análise do autor dos Cadernos do Cárcere, a ideologia conservadora dominante estaria se tornando cada vez mais cética em relação aos valores básicos da cultura, do conhecimento, da teoria em geral, por causa da crise da cultura burguesa, que vem perdendo sua capacidade de exercer uma verdadeira hegemonia sobre a sociedade. "A morte das velhas ideologias" - anotou Gramsci - "se verifica como ceticismo em relação a todas as teorias" (GRAMSCI, 1977, p. 312).

Difunde-se um estado de espírito pragmático, imediatista, utilitário, cínico, que tende a subestimar a riqueza do significado das criações culturais. Generaliza-se uma crise de valores. Em resoluta oposição a essa tendência, o filósofo não hesitava em reivindicar a "honestidade científica" e a "lealdade intelectual" (GRAMSCI, 1977, pp. 1.840 e 1.841).

As criações dos sujeitos humanos no nível supra-estrutural não se deixam reduzir a explicações sociológicas (e Gramsci critica duramente a redução do marxismo a uma "sociologia", que o russo Bukhárin teria tentado fazer). Não se pode ignorar a autonomia - relativa, mas insuprimível - que se manifesta na criação cultural, nas opções ideológicas.

Gramsci exemplificava com um episódio extraído da história da Igreja: "Na discussão entre Roma e Bizâncio sobre a proveniência do Espírito Santo, seria ridículo procurar na estrutura do Oriente europeu a afirmação de que o Espíto Santo provém somente do Pai e na estrutura do Ocidente a afirmação de que ele provém do Pai e do Filho. A existência e o conflito das duas igrejas dependem da estrutura de toda a história, mas no caso elas puseram questões que são princípio de distinção e de coesão interna para cada uma delas. Podia acontecer, contudo, que qualquer uma das duas igrejas tivesse afirmado o que a outra afirmou; o princípio de diferenciação e conflito continuaria a ser o mesmo. E é esse problema da distinção e do contraste que constitui o problema histórico e não a bandeira casual empunhada por cada uma das partes" (GRAMSCI, 1977, p. 873).

As representações não se deixam reduzir às condições em que se encontravam seus criadores no momento em que as criaram. E também não devem ser consideradas imutáveis na forma que assumiram na cabeça das pessoas que as adotaram.

Por isso, Gramsci não abandonava, em momento algum, sua convicção de que as representações, as idéias, as formas da sensibilidade, os preconceitos, as superstições, mas também os sistemas filosóficos e as teorias científicas precisavam sempre ser pensados historicamente, do ângulo do "historicismo absoluto".

O sujeito humano existe intervindo no mundo, sendo constituído pelo movimento da história e, simultaneamente, constituindo esse movimento. Mesmo quando amplos setores da população de um país ficam reduzidos a uma situação de miséria material e espiritual, mergulhados nas formas mais empobrecidas e limitadas do "senso comum", não se deve perder de vista o fato de que eles continuam a ser integrados por sujeitos humanos.

Lidando com sujeitos humanos, é impossível eliminar totalmente de modo irreversível a margem de opções que as pessoas são levadas a preservar e anseiam por ampliar. Nos Cadernos do Cárcere se lê a observaçào feita a respeito da situação intelectual do "homem do povo", que não sabe contra-argumentar em face de um "adversário ideologicamente superior", não consegue sustentar e desenvolver suas próprias razões, mas nem por isso adere ao ponto de vista do outro, porque se identifica solidariamente com o grupo a que pertence e se recorda de ter ouvido alguém desse grupo formular razões convincentes que iam numa direção diferente da que está sendo seguida pelo seu contraditor. "Não recorda os argumentos, concretamente, não poderia repeti-los, mas sabe que existem, porque já lhes ouviu a convincente esposição" (GRAMSCI, 1977, p. 1.391).

A história pressupõe, então, não só a ação dos líderes e a atuação dos de "cima", mas também a ineliminável possibilidade da intervenção ativa e consciente dos de "baixo". Fortalecer essa intervenção era a meta, o ideal do pensador italiano. Sua perspectiva revolucionária o incitava a tentar contribuir para a criação de organizações capazes de atuar num sentido político-pedagógico, capazes de ajudar a população a tornar mais críticas suas atividades já existentes. Sua intenção era a de mobilizar o maior número possível de pessoas para a realização de um programa que resultasse num aumento da liberdade e numa diminuição da coerção, na sociedade.

Bibliografia

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. Edição crítica do Instituto Gramsci, org. Valentino Gerratana. Turim: Einaudi, 1977.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil, no Acessa.com

120 anos de Gramsci.



fonte: Fundação Maurício Grabois. http://grabois.org.br/portal/


domingo, janeiro 23, 2011

Abuso – A Bacia das Almas

Abuso – A Bacia das Almas

“A propósito, desprezo tudo que meramente me instrui sem expandir ou estimular imediatamente o meu grau de atividade”. São palavras de Goethe. Com elas, bem como com uma expressão sentida de Ceterum censeo [“julgo, enfim”] deve começar o nosso exame do valor e da inutilidade da história. Pois esta obra dispõe-se a estabelecer porque, no espírito das palavras de Goethe, devemos desprezar seriamente a instrução sem vitalidade, o conhecimento que se coloca no caminho da atividade, e a história como um custoso excedente do conhecimento e como luxo – visto que nos falta o que é ainda mais essencial para nós, e que o que é supérfluo mostra-se hostil ao que é essencial.

Sem dúvida alguma precisamos da história. Mas precisamos dela de modo diverso ao do que o mimado ocioso no jardim do conhecimento a utiliza, não importando o quão elegantemente ele possa desprezar nossas vulgares e grosseiras necessidades e tribulações. Isto é, precisamos dela para a vida e para a ação, não para uma confortável afastamento da vida ou da ação ou para meramente encobrir uma vida egotista e a má conduta covarde. Desejamos usar a história na medida em que ela serve a vida. Há, porém, um modo de se fazer história e de valorizá-la pelo qual a vida se atrofia e se degenera. Trazer à luz este fenômeno como sintoma notável da nossa época é tão necessário quanto doloroso.

Friedrich Nietzsche, Do uso e do abuso da História (1878)

domingo, janeiro 16, 2011

Verme sutil – A Bacia das Almas

Verme sutil – A Bacia das Almas

Na mais significativa das lendas a respeito de Jesus, conta-se que o diabo tomou-o a uma montanha muito alta e mostrou-lhe todos os reinos do mundo num único momento de tempo; e o diabo disse a ele: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quero”. Jesus, como sabemos, respondeu e disse “Vai-te para trás, Satanás!” E estava sendo sincero: ele se recusaria a ter qualquer coisa em comum com a glória do mundo, com “poder temporal”; ele escolheu a carreira de um agitador revolucionário, e morreu a morte de um perturbador da paz. E por dois ou três séculos a sua igreja seguiu os seus passos, promovendo o seu evangelho proletariado. Satanás tinha conseguido tudo que havia pedido a Jesus trezentos anos antes.Os cristãos primitivos tinham “tudo em comum, exceto suas esposas”; viviam à margem da sociedade, escondendo-se em catacumbas desertas, sendo atirados aos leões e fervidos em óleo.

Mas o diabo é um verme sutil; ele não desiste diante da primeira derrota, pois conhece a natureza humana e a intensidade das forças que batalham em seu favor. Ele não conseguiu pegar Jesus, mas voltou para pegar a igreja de Jesus.

Ele veio quando, através do poder da nova ideia revolucionária, a Igreja havia conquistado uma posição de tremenda influência no Império Romano decadente; e o verme sutil assumiu a aparência de ninguém menos do que o próprio Imperador, sugerindo que ele deveria converter-se à nova fé, de modo que a Igreja e ele pudessem trabalhar juntos para a maior glória de Deus. Os bispos e pais da Igreja, cheios de ambição para a sua organização, caíram no estratagema, e Satanás saiu rindo à valer consigo mesmo. Ele tinha conseguido tudo que havia pedido a Jesus trezentos anos antes; tinha conseguido a maior religião do mundo. O quão completo e rápido foi o seu sucesso pode ser julgado pelo fato que cinquenta anos mais tarde encontramos o Imperador Valentiniano vendo-se compelido a publicar um edito limitando as doações das sensibilizadas mulheres das igrejas de Roma.

Daquele tempo em diante o cristianismo tem se mostrado… o principal inimigo do progresso social. Dos dias de Constantino até os dias de Bismarck e Mark Hanna, Cristo e César tem sido um, e a Igreja tem servido de escudo e armadura para o poder econômico predatório. Com apenas uma ressalva digna de nota: a Igreja nunca foi capaz de suprimir por completo a memória de seu fundador proletário. Ela fez o máximo nesse sentido, naturalmente; temos visto os seus acadêmicos distorcendo por completo o sentido das palavras dele, e a Igreja Católica chegou mesmo a manter o uso de uma língua morta, de modo que suas vítimas não pudessem ouvir as palavras de Jesus numa forma que pudessem entender.

Upton Sinclair, em Os Lucros da religião (1918)


domingo, janeiro 02, 2011

Bacia das Almas - A sua recompensa.

http://www.baciadasalmas.com/2011/a-sua-recompensa/

Aí vem você argumentar que é o Estado – o monstro opressor – que dá dinheiro dos contribuintes para os miseráveis gastarem com cachaça e não trabalharem – e eu lhe pergunto três coisas: por que é inadmissível que os pobres não possam ser preferidos pelo governo, pela igreja, pelo Estado, por quem quer que seja, se do ponto de vista do cara mais revolucionário que já houve não há nunca imparcialidade, são as vítimas sempre a serem preferidas? E, além do mais, se o governo está fazendo aquilo que você deveria fazer – dar o dinheiro aos pobres? De onde saiu a regra de que pobres não podem ter seu dinheiro de forma autônoma? A regra de que eles precisam ser porteiros, empregadas domésticas, babás, motoristas, de que eles só valem quando vendem sua força, seu vigor e seu saber prático para o gozo dos poucos de sempre? De onde saiu a regra de que os pobres não podem gastar seu pouco dinheiro da forma que bem entenderem, assim como eu e você gastamos insensatamente o nosso salário?

O princípio mais demoníaco dos últimos dois séculos é o da igualdade de oportunidade. Igualdade de oportunidade é como colocar pra concorrer numa prova de atletismo um rapaz de cadeira de rodas e um atleta. As oportunidades são iguais, as condições, não. Além do mais não gosto da igualdade por si mesma: eu gosto das diferenças! (Veja, eu não disse desigualdade – que é terrível – mas diferenças). E a luta por igualdade é justamente a luta para que os diferentes possam igualmente manifestar sua vida e seu modo de estar, de falar, de cantar, de abraçar, de se vestir, de dançar e de tomar banho. Nesse caso, eu quero um Estado que trate os desiguais como desiguais: a quem tem menos (dinheiro, poder, saber, espaço) seja dado mais e primeiro; quem tem mais, já tem sua recompensa! Eu quero um país das cotas raciais e do ProUni (porque negros e brancos, alunos de escolas niveladas e de escolas modelares, nunca tiveram igualdade de condições e não teriam oportunidades iguais), quero o país da Bolsa-Família (porque pobres e ricos nunca comeram as mesmas coisas e não poderiam gozar do mesmo sabor de gastar o seu dinheiro como bem entendem), quero o país das comunidades quilombolas, das reservas indígenas, dos assentamentos bem-estruturados, da agricultura familiar camponesa (porque esses povos nunca tiveram as mesmas condições dos brancos, ricos, urbanos e agroindustriais).

[...]

Na verdade, eu quero o Não-Estado, o Despoder; eu quero a festa de corpos livres, de desejos ardentes, de danças, de músicas, de comida farta, de uma mesa única com todo mundo junto; mas essa realidade que parece impossível, é o Reino do Deus do impossível, que trabalha por nossas mãos, sua por nossos poros e chora com nossos prantos, e que não acontecerá sem a luta incessante contra aqueles que querem acumular, que criam barreiras de separação, que não gostam da inclusão de mais gente, que não querem a participação dos pobres, dos pretos, dos bêbados, dos analfabetos, das crianças, dos poetas e das mulheres! Por ora, enquanto o Reino não chega, só devemos manifestar a festa da vida em nossa vida, junto de quem está perto de nós, contra a discriminação e a repressão, pela liberdade, pelas diferenças, pela diversidade. Agora, o momento é de não permitir que as forças reacionárias do escuro impeçam a aurora de continuar a clarear o dia. A salvação não virá do governo, mas a continuidade de um governo que permite a liberdade ampla da expressão, que distribui renda, que tira pobres da pobreza e dá voz a quem não tinha é fundamental para destruirmos esse Brasil capenga, dividido e opressivo e tirar de dentro dele o outro Brasil vibrante, colorido, dançante e flamejante, contra o poder e com sabor de vida!

Rondinelly Gomes Medeiros, aplicando curativa Soda Cáustica