sexta-feira, setembro 30, 2011

Somos todas Anaydes



Se somos Anaydes
já sabemos nosso estigma
E se somos mulheres
na pequena Paraíba,
sentimos o peso desse sexo.

Coragem é nossa lida.
Batom Vermelho, saia curta.
Labuta que não tem fim!

Punho esquerdo fechado.
Para luta!
Mão direita estendida...
Para o amor!

Se é dor que sentiremos
bravamente enfrentamos.
Nosso sexo, nosso gênero
nos define, nos inquieta
à resistir...

Se somos todas Anaydes,
que venha a revolução!
A verdadeira, a nossa.

Se corpos ficarem
estendidos no chão
só importa se estarão
sangrando...
ou gemendo de tesão.

Priscilla Marx

Sobre os socialistas!

‎"Os socialistas não são, como muitos insistem, equivalentes dos dinossauros em busca de nova glaciação. Ao contrário, detêm os meios de análise dos processos que estão em efervescência e, ao mesmo tempo, lutam pelas alternativas que restam à humanidade em virtude da incapacidade do capitalismo de responder positivamente às exigências mínimas do viver coletivo com dignidade"

Florestan Fernandes

quarta-feira, setembro 28, 2011

ESTA LUTA NÃO É FÁCIL



Esta luta não é fácil,
Mas tem que acontecer:
A mulher organizada
Tem que chegar ao poder!

Vamos juntas, companheiras,
Vamos botar pra valer:
Vamos quebrar as correntes
Do machismo e do poder!

Sem a mulher neste mundo
Seria triste de mais:
Não nascia gente nova
E o mundo não tinha paz.

A mulher nasceu pra ser
Pelo homem bem amada,
Ser amiga e companheira
Não pra ser discriminada!

Somos gente, somos força
Temos que ter igualdade –
Ao lado dos homens fortes
Transformar a sociedade!

Vamos conquistar o espaço
Que tem no mundo pra nós,
Chefiar os sindicatos
E na política ter voz!

(Nazaré Flor, 2002; 29)

Dia 28 de setembro: Dia Latino Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto e Descriminalização das Mulheres. A ENESSO na luta em defesa do direito das Mulheres!

Dia 28 de setembro: Dia Latino Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto e Descriminalização das Mulheres. A ENESSO na luta em defesa do direito das Mulheres!
Mulheres no Brasil estão sendo condenadas, perseguidas e humilhadas por recorrerem à prática do aborto. Nossa legislação sobre isso data do século passado, de 1940, e criminaliza e condena quem praticou/pratica o aborto, ou quem foi cúmplice, direcionando assim as mulheres para o caminho da clandestinidade já que não é pelo fato do aborto ser criminalizado que ele não acontece na sociedade. Assim, a criminalização condena às mulheres ao caminho da clandestinidade, e as associam a graves riscos para as suas vidas, sua saúde física e psicológica.
Porém, esse caminho da clandestinidade não é igual para todas, as que possuem recursos financeiros para pagar clínicas que possam realizar o aborto tem condições de fazê-lo sem graves riscos a sua vida, mas quando consideramos que o grande contingente a recorrer a esta prática de interrupção da gravidez tratam-se de mulheres pobres, negras e jovens, temos de considerar que os meios são em sua grande maioria precários e inseguros. Assim, podemos considerar que as consequências graves de uma interrupção de gravidez para as mulheres, têm raça, classe e geração bem delimitadas.
Grupos ultraconservadores e fundamentalistas religiosos são os que mais se posicionam publicamente e, influenciam o conjunto da sociedade a serem contra a legalização do aborto e a descriminalização das mulheres. E porquê?
Porque historicamente a religião e o patriarcado cercearam, e impediram a liberdade de autonomia e autodeterminação das mulheres sobre a sua própria vida, sobre o seu corpo e seus afetos. E que a estas, colocaram a maternidade como um instinto e obrigação para a realização do ser mulher.
A partir desse fundamento moral religioso e patriarcal que influencia o conjunto da sociedade, as leis e o Estado, o que tem-se é a punição e a prisão das mulheres, ao invés de sua garantia de direitos e de sua proteção como cidadãs. Nenhuma mulher faz aborto porque gosta. Um aborto acontece porque, naquele momento é a única saída frente a uma gravidez indesejada. As mulheres que desejam evitar a gravidez devem ter garantido o planejamento reprodutivo, e as que necessitam interromper uma gravidez indesejada deve ser assegurado o atendimento ao aborto legal e seguro no sistema público de saúde.
As mulheres têm o direito de decidir se querem ou não ser mães. A maternidade deve ser uma opção, e não uma obrigação e muito menos um castigo. As mulheres são seres humanos e devem ter o direito de tomar decisões sobre sua vida e sua autonomia.
A Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESSO, o Conjunto CFESS/CRESS (Conselho Nacional e Regionais de Serviço Social), e o movimento de mulheres entendem que é inaceitável a morte de mulheres por aborto. O Estado tem que proporcionar todas as condições para que a mulher que decide pelo aborto possa fazê-lo no serviço público com segurança, lembrando que o aborto já é legalizado no Brasil em casos de estupro, risco de morte da mãe, e anencefalia do feto.
A Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESSO encampa essa luta de se ter educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar, aborto legal para não morrer.  Por termos o referencial na liberdade como valor ético central e na emancipação humana por um mundo onde sejamos socialmente iguais e substancialmente livres, reforçamos e defendemos que nenhuma mulher deve ser presa, maltratada, humilhada ou perseguida por ter feito aborto!
Por um mundo em que todas as Mulheres, e os seres humanos sejam autodeterminados e possam exercer a sua liberdade de fato!
Aborto: as mulheres decidem, a sociedade respeita, o estado garante!
Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESSO
Gestão 2011/2012

segunda-feira, setembro 26, 2011

Tese mostra como falta de mão de obra afeta o crescimento do Brasil.


Tese mostra como falta de mão de obra afeta o crescimento do Brasil


Estudo inédito revela gargalos na área da educação profissional

CARMO GALLO NETTO
Pesquisa inédita que traça um diagnóstico da política e do sistema de educação profissional brasileiro comprova que a economia enfrenta efetivamente uma crise de mão de obra qualificada que pode inviabilizar nos próximos anos a chegada do Brasil à posição de quinta econômica do planeta, como vem sendo vaticinado pelos últimos governos. Os dados mostram que além da ausência de uma política educacional adequada, os investimentos em educação formal e profissional são incompatíveis com as pretensões de um sistema econômico que aspira às primeiras posições na economia mundial. O estudo deu origem à tese de doutorado de Carlos Antonio Gomes apresentada ao Departamento de Ciências Sociais na Educação da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e foi orientado pelo professor Waldir José de Quadros, do Instituto de Economia (IE).
Motivou-o as queixas oriundas do sistema produtivo, que o autor ouvia desde 2000, referentes à grande escassez de mão de obra qualificada que dificulta a competitividade do país no mercado internacional.
Já no mestrado iniciado em 2006, o pesquisador abordou as deficiências do sistema educacional em todos os níveis, desde o ensino básico até inclusive as universidades. No doutorado, focou a educação profissional, mais especificamente orientada para o trabalho. “Desde o início dos meus estudos, ponderei que se no Brasil os níveis de investimentos na formação profissional são tão baixos mais cedo ou mais tarde, quando a economia voltasse a crescer, ocorreria um desequilíbrio entre a oferta e a procura por mão de obra” lembra.
 
Segundo ele, o trabalho constitui o primeiro diagnóstico desse tipo de educação porque até então se faziam apenas estudos de casos nas empresas ou análises bibliográficas. Pondera que o estudo tornou-se viável porque, em 2007, na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), que é realizada a cada cinco anos, o IBGE incluiu pela primeira vez a coleta de informações sobre a educação profissional, da qual resultou uma extensa publicação de dados que demandavam análise: “Essa foi a minha referência inicial e principal” diz.
Constatou então que em 2007 a população economicamente ativa (PEA) – aquela que trabalha ou busca por emprego – era constituída por quase 100 milhões de pessoas. Desse contingente, o sistema de educação profissional matriculava anualmente apenas 3,9%. Em relação à população em idade ativa (PIA), essa porcentagem cai para 2,51% enquanto os 27 países da União Européia (UE) conseguem matricular em média quase 10%, o que evidencia a defasagem brasileira.
Gomes constata que, com o crescimento da economia brasileira, os empregos virtuosos, atrelados aos melhores salários, estão aparecendo e com eles as chances de mobilidade social, que acaba relativamente restringida pela falta de mão de obra qualificada que o sistema de educação profissional não consegue resolver.
Fontes
Predominantemente documental, a pesquisa utiliza para comparações bancos de dados europeus como os da Comissão Européia para a Educação e Cultura da UE e do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop) que atestam a importância atribuída a essa formação no continente. Ele consultou ainda relatórios da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Sistema Nacional de Emprego (Sine), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), do Ministério da Educação (MEC), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (Ipea).
Analisou também documentos produzidos por quatro das onze instituições que constituem o Sistema S, ligadas ao patronato – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Agrícola (Senar) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) – que formam, respectivamente, mão de obra para indústria, comércio, agricultura e transportes. Deparou-se então com a grande dificuldade dessas instituições em se adaptarem às mudanças econômicas e tecnológicas, pois oferecem ainda os mesmos cursos do final do século passado. Constata que elas perderam o caráter sistêmico que detinham do século passado, apresentam redução proporcional de matrículas ano a ano e queda progressiva na qualidade de ensino. Vê isso como consequência da ausência de visão estratégica e da falta de percepção das modificações econômicas e dos meios de produção que se revelam cada vez mais sofisticados.
Enquanto a estrutura de financiamento público – o Sistema S e as instituições públicas – ofertam apenas cerca de 40% vagas, as escolas privadas proliferam oferecendo em geral uma educação de baixa qualidade. Para o pesquisador, o modelo mais bem desenhado está em São Paulo com o Centro Paula Souza, que detém uma estrutura maior que a Rede Federal gerenciada pelo Ministério da Educação. E enfatiza: “Esse é um modelo para o Brasil. O sistema privado tem em geral qualidade ruim, embora existam nichos de excelência como o Centro Salesiano, que constitui um estado da arte na formação profissional e consegue conjugar excelência e preços acessíveis”.
Carências
A carência de mão de obra qualificada é evidenciada por meio de dados divulgados por instituições como a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro em pesquisa em 2009; a Confederação Nacional da Indústria em trabalhos divulgados em 2007 e 2011; a Fundação Dom Cabral e o Observatório Nacional do Software.  O autor considera que a crise de mão de obra qualificada seria inexorável em decorrência das deficiências do sistema educacional produzirem incompatibilidades com os atuais níveis de crescimento econômico.
Apesar de o governo alimentar a crença de que em breve o país atingirá a posição de quinta maior economia do mundo, existem, segundo o autor, gargalos como os transportes, logística, saúde, habitação, educação que impedirão o salto pretendido. “O meu trabalho mostra que, dentre tantos gargalos apontados pelos estudiosos, a falta de mão de obra qualificada constitui provavelmente a questão mais crucial. Para chegar à posição pretendida, além de commodities, o Brasil precisa exportar bens manufaturados e para tanto necessita de uma indústria sofisticada que agregue valor às mercadorias e cuja implantação depende de políticas estratégicas e de mão de obra altamente qualificada”, afirma.
Para o pesquisador, o tema da educação profissional foi relegado durante muito tempo pela universidade brasileira: “Acho que está na hora de a academia se interessar mais por um problema que é social. É importante discutir como a sociedade produz a riqueza e como ela está atrelada à qualidade humana. No Brasil, a formação profissional é olhada com certo preconceito pela academia, o que não ocorre nos países dinâmicos”.
Para que a União aumentasse as suas despesas educacionais, alerta ele, seria necessário que ela diminuísse o pagamento dos serviços de juros e amortizações da sua dívida que, em 2010, representou 44,93% do seu orçamento. Como isso afetaria os interesses do capital financeiro, há muita pressão por parte dos grandes bancos para que o governo não eleve as despesas com educação, diz ele, que acrescenta: “Essas pressões, às vezes, se revelam dissimuladas quando essas instituições financeiras patrocinam pesquisas duvidosas que levam à conclusão que o Brasil estaria vivendo um excesso de qualificação ou uma ‘inflação de diplomas’ e não carência de mão de obra qualificada”.
Conclusões
A constatação mais importante do trabalho é a de que a economia do século XXI mudou e é totalmente diferente da praticada no século anterior. Os países preocupados com o crescimento consideram o conhecimento essencial e estão investindo nele. Em vista do panorama descortinado no estudo, Gomes considera pouco provável que o Brasil dê o salto pretendido principalmente por não possuir uma política estratégica para a educação formal e em particular para a educação profissional. Para ele, esse provavelmente será o grande gargalo que impedirá o avanço do país na economia internacional.
As empresas buscam cada vez mais profissionais qualificados e os trabalhadores sentem necessidade da qualificação exigida pelo mercado. A ausência do Estado abre espaço para a iniciativa privada, que cresce muito, mas em geral com pouca qualidade.  Para o pesquisador, até o inegável processo de mobilidade social que vem acontecendo poderia ser acelerado se houvesse um sistema que habilitasse os trabalhadores com baixa qualificação para preencher as vagas virtuosas, de melhor remuneração.  Alem disso, as deficiências apontadas afetarão a exploração de petróleo na camada do pré-sal, a reativação da indústria naval e o projeto em andamento de revitalização das Forças Armadas.
“Espero que o Brasil, como se ouve dizer, deixe de ser o país que não perde oportunidade de perder oportunidade. A minha tese faz um alerta: vamos ver se desta vez fugimos a este comportamento, porque já são muitos os países que iniciaram ou se preocupam com reformulações no sistema educacional e todos eles serão nossos competidores”. 
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Publicação
Tese: “A qualificação resignada. A má formação da força de trabalho como um problema estrutural do desenvolvimento brasileiro”.
Autor: Carlos Antonio Gomes
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Autor sugere mais investimentos
Carlos Antonio Gomes diz que não há como o Estado promover uma reforma na formação profissional sem uma profunda reestruturação do sistema educacional, o que o leva a algumas sugestões: elevar as despesas públicas para a educação formal e profissional a 15% do orçamento do Estado, considerando a somatória de recursos da União, dos estados e das prefeituras; garantir que no máximo em uma década 80% da população em idade ativa conclua o ensino médio; erradicar o analfabetismo; tornar atrativas as carreiras docentes em todos os níveis de ensino de forma a atrair talentos; tornar o sistema público educacional em todos os níveis inclusivo e qualitativo; manter sistemas avaliativos capazes de mensurar a qualidade da educação.
Particularmente em relação à educação profissional, ele defende o estabelecimento de um porcentual mínimo do orçamento destinado a ela pela União e estados; a elaboração de um quadro brasileiro das qualificações; a exigência da conclusão do ensino médio como requisito para ingresso na educação profissional; e a priorização da educação tecnológica.

 
Fonte: http://www.unicamp.br/

sábado, setembro 24, 2011

Alguns pontos para a reflexão sobre o cenário das eleições para o DCE UFPB e o movimento estudantil em nossa universidade

Escrevo esse conjunto de considerações como uma forma de

contribuir para os debates que se colocam, de forma ainda 


incipiente, sobre os rumos da nossa entidade representativa.

1. De forma bastante genérica, os direcionamentos presentes no conteúdo das cartas-programa que as chapas devem apresentar expressam um determinado horizonte político, uma idéia pré-concebida do papel e das tarefas que o movimento estudantil deve cumprir. Se, por um lado, a disputa é essencialmente ideológica, por outro, precisamos dar respostas às contradições que se apresentam no cotidiano estudantil de forma mais concreta. Nesse caso, o nosso esforço deve ser o de traçar, a partir das mais diversas possibilidades de intervenção, as relações existentes entre a realidade parcial (que muitas vezes se apresenta de forma individualizada) e o contexto sócio-político mais amplo no qual estamos inseridos enquanto estudantes. Isso, em primeiro lugar, é o que deve animar a militância de esquerda no ME: a crítica implacável da sociedade capitalista e do papel que ocupa a educação nessa sociedade, bem como apontar um projeto alternativo, em que a educação seja tratada como um direito e a sua orientação não seja a do mercado, mas a dos interesses das maiorias sociais.

2. Reconhecendo o momento das eleições como possibilidade de um diálogo amplificado com a comunidade estudantil e compreendendo o DCE como articulador privilegiado das pautas de luta do movimento geral, coletivos e militantes se organizam em chapas para a disputa da entidade. Nesse sentido, é legítimo que cada coletivo de militantes possa debater entre si e em conjunto com os demais coletivos, se assim desejarem, a fim de conformar alianças e definir uma plataforma comum.

3. Para o pleito de 2011, estão inscritas quatro chapas. Entre elas, duas apresentam um perfil de esquerda e tem entre os seus membros estudantes comprometidos com a defesa da educação pública: “O novo pede passagem – por um DCE livre” (ANEL + ind.) e “Cantamos, gritar só não basta” (MLevante+Mudança+UJR+ind.). Outras duas apresentam o que há de mais conservador no movimento estudantil: pequenas constelações de estudantes financiados por caciques políticos locais e movidos pelo interesse de controlar o montante de recursos provenientes das carteiras de estudante. A chapa “Juntos somos mais”, especificamente, representa uma possibilidade real de a direita retomar o controle do DCE. A existência de uma direita organizada e articulada em diversos cursos e centros acadêmicos é um elemento que deve pesar em qualquer avaliação e definição da tática eleitoral.

4. Qualquer avaliação da gestão “Viramundo” – que representou uma aliança pontual contra a direita - deve ser capaz de ultrapassar o falso entendimento de que o principal fator que causou a estagnação política e o descrédito da gestão tenha sido o peso negativo da força X ou Y. Para uma avaliação serena e menos enviesada, proponho admitir que os companheiros que estiveram livres do processo de confecção das CIEs (me refiro especificamente aos membros da Viramundo em JP, uma vez que os companheiros do LN e BN representaram o “saldo positivo” da gestão) não foram capazes de imprimir um ritmo de militância e nem de criar espaços atrativos de diálogo com os coletivos / CAs/DAs. Quando isso aconteceu, não tivemos pernas pra dar continuidade ao diálogo e nem a necessária firmeza na consolidação desses espaços.

5. Obviamente, o caráter de uns poucos bons militantes abnegados não seria capaz de resolver todos os problemas que acumulamos enquanto movimento. Existe – isso não apenas na UFPB – uma forte tendência à fragmentação das lutas e um descrédito generalizado nas saídas coletivas para as questões que enfrentamos na contemporaneidade. Soma-se a isso o fato de que toda uma nova geração de estudantes não tenha vivenciado experiências que os colocassem de frente com os seus pares de outros cursos na perspectiva de construir o que chamamos de movimento geral, a não ser em questões muito pontuais. Há uma ausência de referencial para a maior parte dos estudantes, uma vez que as instâncias “oficiais” do movimento estudantil, como o conselho de entidades, são frágeis. Basta observar que, ao contrário do que acontece em outras universidades, com o conselho de entidades servindo como espaço de reflexão e articulação política entre os CAs/DAs/Coletivos e militantes, na UFPB, o conselho existe apenas para formalizar processos burocráticos. Para estarmos à altura dos desafios colocados, precisamos ser capazes de resgatar nossa capacidade de reflexão e engajamento coletivo: é necessária uma nova cultura de movimento estudantil.

6. Enquanto fiz parte, com valoros@s companheir@s, do Movimento Levante, defendi uma proposta no sentido de reeditar e ampliar a chapa “Viramundo” para o conjunto dos coletivos que mantiveram bom diálogo com a gestão ou alguma de suas forças. Minha defesa partia do entendimento de que, apesar de diferenças significativas (especialmente entre os coletivos mais bem representados na gestão e no movimento – ML e ANEL) em momentos importantes, como durante o movimento #contraoaumentoJP, as divergências poderiam ser dirimidas através do debate político fraterno. A cisão definitiva provocada durante o COEBE do dia 10/6 – e o conjunto de versões que povoam o imaginário do ME - causou uma dispersão danosa ao conjunto do movimento estudantil. Levanta muros entre militantes, enquanto o que devíamos fazer era um esforço no sentido de construir pontes. Avalio que a condução dessa política – materializada numa carta de denúncia contra o estudante Carlisson, militante do PSTU e da ANEL, assinada pelo ML/UJR/Mudança - foi equivocada e uma das principais causas – ao lado de alguns desentendimentos ao longo da gestão (não apenas envolvendo a ANEL, mas envolvendo também posicionamentos do Mudança) - do cenário que temos hoje, criando uma situação praticamente irreversível a curto prazo: o prazo das eleições. Não vou me alongar nesse assunto, mas considero que era imprescindível uma conversa anterior com a ANEL na presença de Carlisson, além da instauração de um procedimento que fosse capaz de averiguar uma denúncia desse porte. Nenhuma dessas condições foi satisfeita e eu considero que há certa razoabilidade em não agir pela fé num caso de tamanha seriedade. Vale lembrar que o PSTU apresentou uma proposta para que as denúncias fossem averiguadas por uma comissão de entidades que se dispusessem a fazê-lo, sem ter recebido resposta alguma.

7. Outro ponto importante para a reflexão foi a ausência de um critério que representasse de forma mais fiel a correlação de forças do ME na escolha da comissão gestora. A aliança pontual firmada entre o ML e a direita para essa composição momentânea manda uma mensagem de pragmatismo ao conjunto do movimento. O critério de composição por representação dos centros e dos campi da UFPB possibilitaria maior legitimação da comissão gestora e uma transparência maior do processo de emissão das CIEs. A exclusão de uma parcela expressiva do ME é uma das causas para que um dos alvos quase que naturais dessa campanha sejam os membros da comissão gestora e os coletivos aos quais pertencem. Em última instância, a descrédito da entidade frente aos estudantes e sociedade enfraquece todas as forças comprometidas com a luta social dentro da universidade pública e fortalece o discurso da gerencial da direita. Dar uma maior publicidade aos trabalhos da comissão, apresentando documentos e notas públicas (não apenas na internet, mas nos muros da universidade), poderia ter alterado significativamente os embates em torno da entrega ou não-entrega das CIEs.

8. Algumas iniciativas apontam elementos fundamentais para a superação do atual estado de fragmentação, descrédito e imobilismo. O chamado de algumas entidades para a conformação de um comitê estadual da campanha pelos 10% do PIB pra educação apresenta uma possibilidade real de articular, em torno de pautas bastante concretas, um bom número de estudantes. A realização, por parte de alguns coletivos, do “1º Festival Interdisciplinar de Arte, Sociedade e Cultura” dá continuidade à uma tradição do ME nacional e também do ME UFPB em pensar a arte como um instrumento da emancipação humana. Dessa forma, dialogamos com outras linguagens e expandimos o horizonte de nossa intervenção. Essas duas iniciativas podem e devem ser tomadas como exemplo, mas precisamos ampliar a representatividade. Se quisermos fazer diferença na UFPB e disputar os rumos dessa universidade, não podemos nos conformar com o pouco que somos. Precisamos ser muitos mais a criticar, formular, organizar.

9. No início desse semestre, os rumores de uma greve docente deixaram muitos de cabelo em pé. Para o movimento estudantil, a possibilidade de deflagração desse movimento colocou a necessidade de estabelecer, novamente, o diálogo entre as partes então divorciadas. Não apenas entre @s que compuseram a gestão, mas entre tod@s @s que acompanham a confusão que chamamos de movimento geral. Dessa forma, surgiu (e já foi praticamente suspenso, com o fim da movimentação docente e o início do período eleitoral) o “Fórum Estudantil em Defesa da UFPB pública e de qualidade”. De forma geral, chegamos ao entendimento de que era necessário estabelecer uma pauta conjunta de professores, TAEs e estudantes. Um embrião para a disputa de projetos para a universidade pública brasileira. Acredito que, em conjunto com alguns professores que se mostraram dispostos e técnico-administrativos, esse Fórum deva ser resgatado e estar entre as nossas prioridades. A crise na educação veio para ficar e precisamos estar preparados para enfrentá-la assim que bater à nossa porta com maior intensidade (outra vez).

10. Feitas essas considerações, quero declarar que não apoio nenhuma das chapas que concorrem à direção do DCE UFPB nesse ano de 2011, apesar de considerar o processo eleitoral legítimo e visualizar companheir@s de luta em duas chapas. Não apóio “O novo pede passagem”, pois considero a chapa representativa apenas de uma força, tendo como tarefa principal a consolidação e a propaganda da ANEL na UFPB. Não apóio a “Cantamos” porque, embora eu tenha identificação com muit@s companheir@s que a compõem, não estive inserido no processo de construção de seu programa e acho que a inclusão do Movimento Mudança na chapa hoje é, além de desnecessária, prejudicial à construção de uma política independente frente ao DCE. Qualquer pessoa lúcida é capaz de compreender que a vinculação direta de um militante ao governo através de uma nomeação política o torna dependente dos interesses de quem o indicou para determinado cargo. No caso do Movimento Mudança, a própria leitura que eles apresentam da realidade política e da educação no Brasil vai de encontro aos embates que o ME combativo travou contra o processo de Reforma Universitária “fatiada” em MPs, como a do PROUNI, Reuni, Lei de Inovação Tecnológica... Todas essas medidas passaram sem o mínimo debate com a sociedade e foram empurradas goela abaixo. A realidade é inconciliável com a leitura de que esse governo substituiu a repressão pelo diálogo. Não é verdade. Basta ver de que forma o governo tem tratado as greves do funcionalismo público, buscando restringir o direito a lutar por direitos. Além do mais, como acompanhamos durante o processo de negociação entre as forças para a composição de chapas, o Movimento Mudança declarou que estaria em negociação, também, com as forças que compõem, hoje, as chapas da direita. Afinal, que organização é essa que considera montar chapa com grupos da direita do ME?

11. Quero expressar, também, a disposição em construir processos que coloquem o ME UFPB em condições de realizar os enfrentamentos necessários contra a política educacional neoliberal e as estruturas antidemocráticas da universidade. Isso não é tarefa de uma paróquia só, mas do conjunto do movimento. Um debate eleitoral fundamentado nas bandeiras históricas do ME – assistência estudantil, financiamento da educação, democracia nas instâncias deliberativas da universidade, qualidade do ensino, função social da universidade, etc – é um bom começo.

Um forte abraço,

Hector Ferreira G. S. Abdal (militante do Centro Acadêmico de Ciências Sociais “Florestan Fernandes”, do Coletivo Nacional Levante e do Partido Socialismo e Liberdade)

Ou o movimento estudantil formula um projeto e táticas de ação ou....

O movimento estudantil já teve em dias melhores! Não vou aqui entrar no mesmo discurso de que o ME precisa voltar a década de 80... Não! Nosso tempo é hoje, é agora!

O movimento estudantil, assim como todos os outros movimentos sociais, estão numa crise organizacional, o que vemos hoje são fatos espontâneos, de maneira tão rápida que poucos são os saldos políticos da luta. Essa crise organizacional é fruto, de certa forma, de vários motivos, entre eles o neoliberalismo, a reestruturação produtiva etc.

Chegando ao ponto.. o ME hoje não consegue formular um projeto de universidade. Por exemplo, nas eleições do DCE da UFPB via-se claramente as pontualidades nas cartas propostas, uma coisa tão longe, abstrata, o estudante nem lê, nem lerá!

Minimamente o ME na atualidade está conseguindo formular ações concretas e de um projeto no horizonte estratégico com o debate sobre Universidade Popular, que infelizmente não agrega.

Apesar de todas as ressalvas com relação ao SENUP (Seminário Nacional de Universidade Popular) esse era o espaço de avançar nas discussões, mas o que não ocorreu como esperava-mos (isso que me disse foi grandes companheiros, já que eu não fui, mas até pelo o que li). E ainda grupos de esquerda só fazem criticar o espaço falando que foi auto-construção da UJC, PCB e afins. Será? Como se o EIV não fosse também esse espaço pra Consulta Popular, como se a ANEL não fosse esse espaço pro PSTU, como se a UJS não fosse esse espaço pro PCdoB... enfim, isso é polêmico e não vou me deter a isso (mas eu adoro uma polêmica).


Hoje o movimento estudantil parece um bando de estudantes brincando de capismo, personalismo e de maio de 68. É festa, rocks, maconha, bebida.. (isso sempre teve, né?) mas antes tinha o debate político, hoje , pelo menos na UFPB, parece um romance de novela do cordel encantado. Onde tem os bonzinhos e o maus.
os bonzinhos, os iluminados, os mais "politizados" fingem que tão debatendo política, quando na verdade é mais um guetto do ME. Os "maus" que são acusados pelos "bons" na verdade só fazem autoproclamação, e a direita mandando todo mundo pra puta que pariu pois eles não estão nem ai mesmo, só querem grana!

Enfim, ou se revoluciona esse ME, ou ele vai continuar o que é hoje, uma grande festa da pequena-burguesia que se acha revolucionária. Ah tah Claudia, senta lá!


rs

quarta-feira, setembro 21, 2011

Por todas as mulheres....




O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) produziu este vídeo para mobilizar as mulheres brasileiras à defesa dos direitos de todas as mulheres em escolher se devem ou não levar adiante uma gravidez indesejada. Essa campanha tem por objetivo defender a autonomia das mulheres e evitar as centenas de mortes provocadas por abortos inseguros no país.
Fonte: Universidade Livre Feminista - http://vimeo.com/15358185

domingo, setembro 18, 2011

Na PB e no RJ, saúde pública é violentada!!!



Parlamentares aprovam projetos de lei de 

privatização de política social. 

Votação da ADIN contra as Organizações Sociais 

passa a ser prioridade para
 
defesa do SUS



Na CMJP, manifestantes foram impedidos/as pelos/as seguranças de assistir à plenária (foto: reprodução PBTV)

Nessa última semana, entre os dias 13 e 15 de setembro, a saúde pública foi brutalmente violentada no estado do Rio de Janeiro (RJ) e na cidade de João Pessoa (PB). Em ambos os locais, parlamentares aprovaram projetos de lei que permitem a transferência da administração do serviço público de saúde para as Organizações Sociais (OS).

Nem mesmo a mobilização de fóruns populares de saúde, sindicatos e movimentos sociais foi capaz de impedir a aprovação dos projetos. Os/as manifestantes foram vítimas de agressões e impedidos/as de acompanhar a votação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e na Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP).

“Fomos recebidos com truculência pelos seguranças e impedidos de assistir à plenária que aprovou este crime contra a saúde pública de João Pessoa”, denunciou o conselheiro do CFESS, Marcelo Sitcovsky, que participou dos protestos em frente à CMJP nos dias 13, 14 e 15 de setembro, organizado pelo Fórum Paraibano em Defesa do Sistema Único de Saúde.

No projeto aprovado pelos/as vereadores/as, não só a Saúde, mas outras políticas sociais também poderão ser geridas pela iniciativa privada, como a Assistência Social, Cultura, Educação etc. “Sabemos dos prejuízos causados pelas Organizações Sociais. Elas contratam trabalhadores sem concurso público, adquirem bens e serviços sem processo licitatório, alijam a participação da sociedade civil, já que não possibilitam o controle social, e sucateiam os serviços públicos para obtenção de lucros maiores para estas empresas”, denunciou Sitcovsky.

O conselheiro do CFESS reforçou ainda que é fundamental garantir qualidade aos serviços prestados à população, e que isso só é possível com aumento de verbas públicas e uma gestão pública das políticas sociais.

A agressão à saúde na Paraíba pode ser ainda maior, já que tramita na Assembleia Legisltativa do estado (ALPB) uma medida provisória que também passa à iniciativa privada a administração da saúde pública estatal. 

Veja a entrevista de Marcelo Sitcovsky ao PBTV, da Rede Globo

Veja vídeos da ação dos seguranças da CMJP que impediram que os/as manifestantes participassem da sessão 

O conselheiro do CFESS, Marcelo Sitcovsky, critica a aprovação do projeto que vai sucatear a saúde pública de João Pessoa (foto: reprodução PBTV)

No Rio de Janeiro, o governo “recebeu” manifestantes contrários/as à privatização da saúde com sua famosa tropa de choque da Polícia Militar. Segundo a assistente social e integrante do Fórum de Saúde do Rio, Juliana Souza Bravo de Menezes, que participou dos protestos, os policiais usaram spray de pimenta e, claro, muita violência. “A tropa de choque já estava preparada desde cedo, bem como a segurança da Assembleia, a mando do governador do RJ, Sérgio Cabral, e do presidente da Alerj, Paulo Melo. Tudo isso para evitar que a população frequentasse as galerias da Assembleia. Tentamos negociar a entrada de um número maior de trabalhadores/as do que as 20 senhas fornecidas. E como resposta, fomos brutalmente agredidos/as”, relatou Juliana.

Ainda segundo a assistente social, representantes do Fórum do RJ e da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde estavam se reunindo, há pelo menos uma semana, quando o projeto entrou na pauta da Alerj, com os/as deputados/as para mostrar os prejuízos causados pelas OS. “Mas parece que o governo do RJ e grande parte do Legislativo querem transformar a Saúde em um balcão de negócios”, completou.  

Em nota divulgada em seu site oficial, o CRESS-RJ manifestou repúdio à ação contra os/as manifestantes, “que ali exerciam o seu direito político de se organizar e de expressarem sua opinião”. “A gestão de saúde por OS representa a privatização da saúde pública, no contexto da contrareforma do Estado, uma vez que essa passa a ser gerida pela lógica do mercado, e não pela garantia dos direitos humanos”, afirmou o Conselho Regional.

Veja vídeo do tumulto causado pelos seguranças da Alerj e pela tropa de choque do RJ

No Rio, a tropa de choque foi chamada para impedir a participação popular na Alerj (foto: reprodução do You Tube)

Votação pela procedência de ADIN contra a OS é fundamental
Há anos tramita no Superior Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1.923/1998 contra a Lei 9.637/1998, que legaliza a terceirização da gestão de serviços e bens coletivos para entidades privadas, mediante o repasse de patrimônio, bens, serviços, servidores e recursos públicos. Se a ação for considerada procedente pelo Supremo, a Lei 9.637/1998 se torna inconstitucional. Com isso, a Saúde e outras políticas sociais não poderão ser geridas por OS ou quaisquer outras entidades de direito privado, como fundações.

Em 2011, a ADIN entrou na pauta do STF por duas vezes, mas em ambas as ocasiões as votações foram interrompidas por solicitação de pedidos de vista para analisar melhor a matéria. Em 31/3, o pedido foi feito pelo ministro Luiz Fux, e em 19/5, pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Até o momento, somente o relator da ADIN, Ayres Britto, e Luiz Fux votaram, apontando a procedência parcial da Ação. Entretanto, o voto de Fux foi considerado bastante desfavorável, já que o mesmo desconsiderou todos os problemas que vêm sendo relatados em relação às OS, documentados no dossiê "Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil". No material, há uma série de reportagens denunciando as fraudes que envolvem os recursos públicos, os quais resultam na violação frontal ao princípio da Moralidade na Administração Pública, pela dispensa de licitação garantida às organizações sociais; os prejuízos à população, devido à ausência de controle social sobre as OS e o sucateamento dos serviços públicos para obtenção de lucros maiores para estas empresas; e a precarização das condições de trabalho e ausência de transparência na contratação de trabalhadores/as, abrindo um precedente para o clientelismo nesta contratação, suprimindo o caráter democrático do concurso público.

Desde 2010, o CFESS integra Frente Nacional contra a Privatização da Saúde (ou Frente contra as OS), formada por entidades, fóruns populares de saúde e movimentos sociais. Por esse motivo, o Conselho Federal vem convocar a categoria, mais uma vez, a ser signatária do abaixo-assinado contra a privatização da saúde e pela procedência da ADIN.

“Apoiar esta luta significa defender a qualidade nas políticas sociais e nos serviços por elas viabilizados. E falar em qualidade significa exigir condições éticas e técnicas de trabalho e efetivo financiamento das políticas sociais”, finaliza o conselheiro do CFESS, Marcelo Sitcovsky.

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Seja um/a signatário/a a favor da saúde pública no Brasil

Visite o blog "Pela Saúde", do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, envie e-mails para os/as ministros e veja os links para outros fóruns de saúde no Brasil 

Baixe o documento Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil

Conheça no site do STF a ADIN 1.923/1998

E RELEMBRE

Para salvar a Saúde: mobilização contra a privatização do SUS ganha força

Saúde agoniza enquanto ADIN não é votada

A saúde pública vai sobreviver à espera?

Frente contra privatização do serviço público se reúne com Ministro do STF, Ayres Britto

CFESS assina carta em defesa de serviço público de qualidade e pelo controle social


Conselho Federal de Serviço Social - CFESS
Gestão Tempo de Luta e Resistência – 2011/2014
Comissão de Comunicação
 
Rafael Werkema - JP/MG - 11732
Assessor de Comunicação
comunicacao@cfess.org.br

sexta-feira, setembro 16, 2011

O QUE É REVOLUÇÃO

Florestan Fernandes (1981)


1. O que se deve entender por revolução?

A palavra revolução tem sido empregada de modo a provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de "revolução institucional", com referência ao golpe de Estado de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a continuidade da revolução democrática (a palavra correta seria contra-revolução: mas quais são os contrarevolucionários que gostam de se ver na própria pele?). Além disso, a palavra "revolução" encontra empregos correntes para designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na natureza ou na cultura (coisas que devemos deixar de lado e que os dicionários registram satisfatoriamente). No essencial, porém, há pouca confusão quanto ao seu significado central: mesmo na linguagem de senso comum, sabe-se que a palavra se aplica para designar mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade.

Daí o contraste freqüente de "mudança gradual" e "mudança revolucionária" que sublinha o teor da revolução como uma mudança que "mexe nas estruturas", que subverte a ordem social imperante na sociedade. O debate terminológico não nos interessa por si mesmo. É que o uso das palavras traduz relações de dominação. Se um golpe de Estado é descrito como "revolução", isso não acontece por acaso. Em primeiro lugar, há uma intenção: a de simular que a revolução democrática não teria sido interrompida. Portanto, os agentes do golpe de Estado estariam servindo à Nação como um todo (e não privando a Nação de uma ordem política legítima com fins estritamente egoístas e antinacionais). Em segundo lugar, há uma intimidação: uma revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela extingue ou não tolera (em suma, golpe de Estado criou uma ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na realidade, o "império da lei" abolia o direito e implantava a "força das baionetas": não há mais aparências de anarquia, porque a própria sociedade deixava de secretar suas energias democráticas). No conjunto, o golpe de Estado extraía a sua vitalidade e a sua autojustificação de argumentos que nada tinham a ver com "o consentimento" ou com "as necessidades" da Nação como um todo. Ele se voltava contra ela porque uma parte precisava anular e submeter a outra à sua vontade e discrição pela força bruta (ainda que mediada por certas instituições).

Nessa conjuntura, confundir os espíritos quanto ao significado de determinadas palavras-chave vinha a ser fundamental. É por aí que começa a inversão das relações normais de dominação. Fica mais difícil para o dominado entender o que está acontecendo e mais fácil defender os abusos e as violações cometidas pelos donos do poder. O marco de 1964 (completado pelo apogeu a que chegou o golpe em 1968-1969) ilustra muito bem a natureza da batalha que as classes trabalhadoras precisam travar no Brasil. Elas precisam libertar-se da tutela terminológica da burguesia (isto é, de relações de dominação que se definem, na área da
cultura, como se fossem parte do ar que respiramos ou "simples palavras"). Ora, em uma sociedade de classes da periferia do mundo capitalista e de nossa época, não existem "simples palavras". A revolução constitui uma realidade histórica; a contra-revolução é sempre o seu contrário (não apenas a revolução
pelo avesso: é aquilo que impede ou adultera a revolução). Se a massa dos trabalhadores quiser desempenhar tarefas práticas específicas e criadoras, ela tem de se apossar primeiro de certas palavras-chave (que não podem ser compartilhadas com outras classes, que não estão empenhadas ou que não
podem realizar aquelas tarefas sem se destruírem ou sem se prejudicarem irremediavelmente). Em seguida, deve calibrá-Ias cuidadosamente, porque o sentido daquelas palavras terá de confundir-se,
inexoravelmente, com o sentido das ações coletivas envolvidas pelas mencionadas tarefas históricas.
No nível mais imediato, de luta pela transformação da sociedade brasileira no aqui e no agora,
a palavra "revolução" recebe um significado que não depende apenas do querer coletivo das classes
trabalhadoras. Toda sociedade de classes, independentemente do seu grau de desenvolvimento
capitalista, possui certas exigências econômicas, sociais, culturais, jurídicas e políticas. Certas
"transformações estruturais" (designadas separadamente como "revoluções" pelos analistas: revolução
agrária, revolução urbana, revolução demográfica, revolução nacional, revolução democrática) indicam
as aproximações (ou os afastamentos e negações dessas aproximações) com referência a potencialidades
de expansão da ordem burguesa. Uma sociedade capitalista que não realiza nenhum tipo de reforma
agrária e na qual a revolução urbana se confunde ou com a inchação, ou com a metropolização
segmentada, terá de estar em débito com a revolução demográfica, com a revolução nacional e com a
revolução democrática. Essas transformações são concomitantes e se regulam pelo grau de diferenciação
interna do sistema de produção propriamente dito. Pode-se dizer o que se quiser a respeito de tais
sociedades capitalistas: "Nações proletárias" ou "Nações de lúmpen-burguesias" - a verdade é que elas
possuem um enorme espaço interno para as revoluções dentro da ordem. Transformações, que foram
desencadeadas em outras sociedades capitalistas avançadas ("clássicas" ou "atípicas") a partir de
iniciativas das classes altas ou das classes médias burguesas, nelas terão de transcorrer a partir de
iniciativas das classes despossuídas e trabalhadoras: os condenados da terra têm o que fazer e, se eles não
fazem, a história estaciona (isto é, o capitalismo não gera dividendos que interessem e aproveitem à
Nação como um todo). Lembremos 1964: a revolução democrática é subitamente convertida numa
revolução antidemocrática.
Nesse nível, o conceito de revolução não aparece com uma especificidade histórica proletária.
Não se trata da revolução dos "outros" e para os "outros", pois as classes trabalhadoras e subalternas
possuem um enorme interesse direto e indireto no raio de revolução da sociedade burguesa. Acontece
que tempos históricos distintos misturam-se na situação concreta. Um proletariado em formação, por
exemplo, carente de meios próprios de organização e de autonomia relativa de classe, defronta-se com
um meio histórico no qual as classes burguesas paralisam e solapam todas as transformações
concomitantes que marcam as mudanças sociais progressivas do capitalismo. Em conseqüência, esse
proletariado deixa de ter o espaço histórico de que necessita para lutar por seus interesses de classe e para
aumentar o seu poder real de classe. O desenvolvimento capitalista sofre menos que os teóricos do
passado poderiam presumir; ao contrário, ele pode ser "acelerado" além dos interesses da sociedade
como um todo e, especialmente, dos interesses das classes trabalhadoras. E estas, como prêmio, recebem
uma dose adicional de superexploração e de ultra-opressão, sem condições materiais e políticas para
remover esses males.
A moral da história é óbvia. A revolução apenas como e enquanto transformação estrutural da
sociedade capitalista representa uma fronteira da qual as classes trabalhadoras (e especialmente suas
vanguardas) não poderão fugir sem conseqüências funestas. Uma sociedade capitalista semidemocrática
é melhor que uma sociedade capitalista sem democracia alguma. Nesta, nem os sindicatos nem o
movimento operário podem se manifestar com alguma liberdade e crescer naturalmente. Por isso, a
"revolução dentro da ordem" possui um conteúdo bem distinto do que ela assumiu na órbita histórica dos
países capitalistas centrais. As classes burguesas não se propõem as tarefas históricas construtivas, que
estão na base das duas revoluções, a nacional e a democrática; e as classes trabalhadoras têm de definir
por si próprias o eixo de uma revolução burguesa que a própria burguesia não pode levar até o fundo e até
o fim, por _atÍsa de vários fatores (a persistência de estruturas coloniais e neocoloniais que afetam as
relações de produção, a distribuição e o consumo; a aliança com burguesias externas imperialistas; o
medo permanente de deslocamento, que atormenta os setores nacionais da burguesia - diante dos
deserdados da terra e do proletariado, mas, também, diante dos centros imperiais). Os que repudiam tais
tarefas históricas do proletariado por temor do oportunismo e do reformismo ignoram duas coisas.
Primeiro, que, sem uma maciça presença das massas destituídas e trabalhadoras na cena histórica, as
potencialidades nacionalistas e democráticas da ordem burguesa não se libertam e, portanto, não podem
ser mobilizadas na fase em transcurso de organização do proletariado como classe em si. Segundo, que o
envolvimento político das classes trabalhadoras e das massas populares no aprofundamento da
revolução dentro da ordem possui conseqüências socializadoras de importância estratégica. A burguesia
tem pouco que dar e cede a medo. O proletariado cresce com a consciência de que tem de tomar tudo com
as próprias mãos e, a médio prazo, aprende que deve passar tão depressa quanto possível da condição de
fiel da "democracia burguesa" para a de fator de uma democracia da maioria, isto é, uma democracia
popular ou operária.
No nível mais amplo, a noção de revolução tem de ser calibrada pelas classes trabalhadoras em
termos das relações antagônicas entre burguesia e proletariado dentro do capitalismo da era atual. A
época das revoluções burguesas já passou; os países capitalistas da periferia assistem a uma falsa
repetição da história: as revoluções burguesas em atraso constituem processos estritamente estruturais,
alimentados pela energia dos países capitalistas centrais e pelo egoísmo autodefensivo das burguesias
periféricas. Estamos na época das revoluções proletárias e pouco importa que elas só tenham aparecido
nos "elos débeis" do capitalismo. O que se configurava como um processo que iria dos países centrais
para a periferia, de fato caminhará da periferia para o centro! Por isso as burguesias dos países centrais se
organizam como verdadeiras bastilhas e promovem seu "pluralismo democrático" ou seu "socialismo
democrático" como se fossem equivalentes políticos do socialismo revolucionário e do comunismo.
Nesse nível, a linguagem e a mensagem de O Manifesto do Partido Comunista permanecem plenamente
atuais. Marx e Engels enunciaram o essencial: sob o capitalismo e dentro do capitalismo a revolução de
sentido histórico se dá contra a sociedade burguesa e o seu Estado democrático-burguês. Uma revolução
que, em sua primeira etapa, substituirá a dominação da minoria pela dominação da maioria; e, em
seguida, numa etapa mais avançada, eliminará a sociedade civil e o Estado, tornandose instrumental para
o aparecimento do comunismo e de um novo padrão de civilização.
Nesse nível, o conceito de revolução aparece saturado de sua especificidade histórica. Ele se
identifica com as tarefas maiores do proletariado e define um longo porvir de transformações
revolucionárias encadeadas. Nele, como salientaram Marx e Engels, fica claro que o proletariado possui
funções análogas ou simétricas àquelas que a burguesia preencheu na desintegração da sociedade feudal
e na construção da sociedade capitalista. Só que essas funções são mais complexas e difíceis. Para
realizá-Ias, como os dois autores indicaram, o proletariado precisa, antes de mais nada, conquistar o
poder. E, mais tarde, a partir daí, é que poderá construir sua versão de democracia e, em seguida, dedicarse
à constituição de uma sociedade igualitária e socialista. Ora, o fato de que o socialismo não evoluiu
simultaneamente em todo o orbe introduziu outras complicações nesse quadro. De um lado, as
revoluções proletárias herdaram os atrasos e as contradições do capitalismo nos "elos débeis": foi preciso
travar uma terrível luta para criar condições materiais e sociais de transição, que não se encontravam
configuradas historicamente. De outro, o cerco capitalista deformou de várias formas as revoluções
proletárias e fortaleceu, numa evolução secular, a capacidade de autodefesa e de ataque das nações
capitalistas centrais, em seus núcleos e em seus pólos estratégicos da periferia.
Não se pode nem se deve subestimar as inflexões da realidade histórica: o socialismo sofreu
uma compressão que o sistema de poder feudal jamais poderia infligir ao capitalismo nascente. Essa
constatação não altera o essencial: a revolução anticapitalista e antiburguesa é uma revolução proletária e
socialista. Ela nega a ordem existente em todos os níveis e de modo global. O que a realidade histórica
esclareceu diz respeito à duração do processo e à sua complexidade. É preciso, pois, que o conceito de
revolução seja posto em toda a firmeza de sua substância e em toda a clareza de seu sentido histórico. A
revolução em processo, que caracteriza a presença e o papel construtivo das classes trabalhadoras na
história, não é só uma revolução anticapitalista e antiburguesa. Ela é uma revolução socialista, que se
negará como tal na medida em que o socialismo se converter, por sua vez, em padrão de uma nova
civilização, culminando em seu eixo final que desemboca no comunismo. O que isto quer dizer? Que o
comunismo será um subproduto da superação do período de transição e de negação do socialismo por si
mesmo? É claro que não! Isso quer dizer que a revolução proletária não terá um eixo revolucionário
curto, que se esgote na substituição de uma classe dominante por outra (o proletariado como substituto e
equivalente da burguesia, o que esta realizou com referência à nobreza feudal). O proletariado deverá ser
ainda mais revolucionário depois da conquista do poder e da derrota final da burguesia. Essa é a
condição histórica para que a transição para o socialismo e o chamado "socialismo avançado" possuam
uma dinâmica democrática própria, de tal modo que cada avanço socialista represente um
aprofundamento comunista na negação, seja do período de transição, seja do "socialismo avançado".
Essa representação marxista já foi considerada como uma pura utopia. No entanto, ela não é uma utopia,
embora não fosse, como tal, um mal em si mesma. A burguesia não levou sua revolução até o fim e até o
fundo porque não teve a seu favor uma substância de classe revolucionária que a animasse a superar-se, a
negar-se e a transcender-se de modo inexorável e incessante. O mesmo não ocorre com o proletariado,
porque ele desiptegrará a sociedade civil e o elemento político que ela engendra e reproduz, cimentando a
vida social na igualdade, na liberdade e na fraternidade entre todos os seres humanos. Então a
Humanidade poderá contar com uma civilização na qual ((as evoluções sociais deixarão de ser
revoluções políticas", de acordo com uma célebre previsão de Marx.
2. "Quem faz" a revolução?
Há uma tendência a tornar a revolução um fato "mítico" e "heróico", ao mesmo tempo
individualizado e romântico. Várias tradições convergem no sentido de anular o papel por assim dizer de
suporte e instrumental das massas e salientar as figuras centrais, por vezes as "figuras heróicas e
decisivas". A burguesia cedeu a essas tradições e fomentou-as, a tal ponto que sua historiografia, mesmo
quando busca os fatores externos, concentra-se no "culto dos heróis" e dá relevo aos papéis criadores dos
"grandes homens". Não é o caso de se debater, agora, a questão da explicação na história e de como
entender a relação de personalidades revolucionárias com os processos de transformação do mundo. A
historiografia marxista nunca anulou a importância da personalidade nos processos históricos e jamais
praticou uma redução mecanicista, que excluísse seja o fator humano e psicológico, seja o grande homem
e os líderes exemplares da explicação causal na história. O que distingue o marxismo, a esse respeito, é a
tentativa de compreender a revolução como fenômeno sociológico de classe. Isso não significa "nivelar a
história por baixo" ou "pôr em primeiro plano o estômago", com descuido do espírito e da razão. Os
corifeus da teoria idealista da história escrevem tantas sandices que o melhor é ignorá-Ios e partir
diretamente de uma concepção objetiva do lugar que a luta de classes confere à revolução em uma
sociedade intrinsecamente antagônica. Isso não impede, antes o exige, que se evite cair no mal oposto:
um "obreirismo" rudimentar e o "redentorismo" do partido revolucionário. As dimensões da luta de
classes não são determinadas exclusivamente por uma das classes - mesmo a classe operária, ou por sua
vanguarda e o seu partido; elas constituem uma função do desenvolvimento do capitalismo e da
vitalidade que as classes em conflito demonstram no aproveitamento das oportunidades históricas. O
quanto uma classe pode crescer graças e através da revolução é demonstrado conclusivamente no belo
livro de Victor Serge sobre O Ano I da Revolução Russa, até hoje a melhor descrição marxista do
comportamento revolucionário do proletariado numa situação histórica concreta. Este livro também
resolve a equação do papel do grande homem de uma perspectiva marxista: basta que se acompanhe o
tratamento que Serge dispensa a Lenin, na evolução dos acontecimentos e do processo revolucionário,
para se ter um exemplo modelar da concepção marxista da personalidade como "fator histórico".
A estrutura de classes da sociedade capitalista delimita a natureza do drama burguês: o raio de
revolução histórico da burguesia é fechado e estreito, esgotandose rapidamente ao longo da conquista e
da consolidação do poder. Tomando-se como paralelo a França, temse aproximadamente um século entre
o paroxismo revolucionário da burguesia ascendente e a fúria reacionária do terror burguês. Entre a
convocação dos Estados Gerais e o esmagamento da Com una de Paris esgotase um raio de revolução que
era determinado, fundamentalmente, pela posição de classe da burguesia: esta tinha de optar entre uma
utopia revolucionária largamente extracapitalista, em suas origens históricas, e os ditames egoísticos da
"consciência burguesa", regulados pela reprodução ampliada do capital e pela necessidade de impedir
que a revolução oscilasse definitivamente para as mãos do proletariado. Apreciando-se as coisas desse
ângulo, o milagre capitalista não aparece na ascensão da burguesia à hegemonia social de classe e à
conquista do poder político, mas no fato histórico muito mais complexo e importante que mostra como
uma burguesia crescentemente conservadora e reacionária foi capaz de fomentar sucessivas revoluções
técnicas, dentro e através do capitalismo, inclusive absorvendo, filtrando e satisfazendo parcialmente
pressões especificamente anarquistas, sindicalistas e socialistas das massas operárias, pelas quais se
alargou e se modificou a democracia burguesa. Esse fato histórico fez com que na Europa - e mais tarde
nos Estados Unidos e no Japão - a modernização capitalista se desenvolvesse subvertendo as bases
técnicas da produção e revolucionando os dinamismos do mercado (interno e externo: eles não podem ser
separados), enquanto se intensificava a concentração da riqueza real e do poder real nas mãos de um tope
restrito.
Essa dialética explica-se pelas determinações econômicas, sociais e políticas da propriedade
privada dos meios de produção, graças à qual a burguesia se torna, a um tempo, a classe possuidora mais
poderosa e mais hipócrita da história das civilizações fundadas na estratificação social. Ela proclama
uma utopia, a do seu período de ascensão (efetivamente revolucionária), e pratica uma ideologia de
mistificação sistemática nas relações entre meios e fins (a de seu período de consolidação), indispensável
para que pudesse ser modernizadora, em um nível, e conservadora, reacionária ou ultra-reacionária, em
outro (o que começa a ocorrer com uma rapidez incrível e muito antes do desmascaramento inevitável,
produzido pela guerra sem quartel contra a Com una). Esse é o protótipo que se generaliza e que confere à
dominação burguesa sua realidade política. A sua face oculta mais profunda iria aparecer mais tarde,
através do fascismo, da "democracia forte" e da autocracia burguesa e se disseminaria com enorme
intensidade na periferia do mundo capitalista. Porém, no último quartel do século XIX, a Europa
avançada já ostentava todas as faces do desenvolvimento capitalista. A história caminhava, no Ocidente,
na direção de uma cadeia de ferro. E a lógica dessa evolução provinha da incapacidade da burguesia de
livrar-se dos "imperativos" da propriedade privada. Ela não podia ser "uma coisa ou outra". Tinha de
caminhar conciliando modernizações sucessivas a uma consciência de classe conservadora
crescentemente mais estreita, mais perigosa e mais perniciosa. No fundo, convertera-se em uma classe
que comprava com dinheiro a sua felicidade pagando as contas à vista.
A mesma estrutura de classes compelia o proletariado a um complexo movimento histórico: os
proletários surgem como uma massa dispersa e incoerente, sem união ativa e totalmente subordinada aos
interesses econômicos e aos objetivos políticos da burguesia; graças ao desenvolvimento industrial, o
proletariado cresce em número, concentra-se cada vez mais, forma sindicatos e uniões permanentes,
pelas quais se organiza, se bate com a burguesia em escala local e nacional, e aprende a atuar em
conjunto, tomando consciência de seus interesses econômicos e de seus objetivos políticos; por fim, em
função do próprio avanço das contradições da sociedade capitalista, quando se configura "o processo de
dissolução da classe dominante" e, na verdade, de toda a ordem social, "a luta de classes se aproxima da
hora decisiva" e o proletariado passa a preencher em toda a plenitude suas tarefas de classe
revolucionária, "aquela que tem o futuro em suas mãos". Esse resumo, mais ou menos livre, de alguns
trechos de O Maníftsto do Partido Comunista, põe em relevo três estágios fundamentais e distintos. O
fato histórico central vem a ser a constituição do proletariado em classe (como classe em si) e o seu
desenvolvimento como classe independente. Isso não se dá sem o desenvolvimento concomitante das
forças produtivas e da própria burguesia. No entanto, somente no primeiro estágio os proletários ficam à
mercê da burguesia, engrossando suas forças sociais e políticas. No segundo estágio, à medida que se
desenvolve como classe independente, o proletariado liberta-se da tutela política burguesa e impõe-se
como "partido político" (ou seja, como classe capaz de lutar organizadamente pelos salários, mas,
também, por melhores condições de trabalho e de existência, por maior autonomia social e pelo
alargamento político da ordem burguesa). Neste estágio, as reivindicações operárias de caráter
sindicalista e socialista definem o lado proletário dos direitos civis e políticos, incorporados pela força da
luta de classes à legalidade burguesa e ao funcionamento do sistema político representativo. No terceiro
estágio, finalmente, o potencial revolucionário do proletariado emerge e expandese livremente, já que
ele deve comandar a luta de classes e o processo global de desintegração da "antiga sociedade" e de
constituição incipiente da sociedade socialista. "Todos os movimentos históricos precedentes foram
movimentos minoritários ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento
consciente e independente da imensa maioria, em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada
inferior da nossa sociedade, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos
superpostos que constituem a sociedade oficial." Ao realizar sua missão, que "é a de destruir todas as
garantias e seguranças da propriedade individual", o proletariado inaugura uma nova época de grandes
transformações históricas.
Essa descrição possui um grande mérito teórico. Ela assinala como o desenvolvimento do
capitalismo se enlaça ao desenvolvimento concomitante das duas classes fundamentais da sociedade
capitalista e a um agravamento crescente da luta de classes, pela qual o antagonismo entre o capital e o
trabalho se manifesta como fermento histórico. "Esboçando em linhas gerais as fases do
desenvolvimento do proletariado, descrevemos a guerra civil mais ou menos oculta, existente na
sociedade atual, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e a derrubada violenta da
burguesia estabelece a dominação do proletariado." Temos, pois, uma guerra civil latente e uma eclosão
revolucionária aberta. As transformações seguem as linhas dos equilíbrios e desequilíbrios de forças nas
relações antagônicas da burguesia com o proletariado. Em suma, quem faz a revolução é a grande massa
proletária e quem lhe dá sentido é a grande massa proletária. Não se trata de uma categoria social como
"povo" - mas da parte proletária do povo e daqueles que, não sendo proletários, identificam-se
politicamente com o proletariado na destruição das formas burguesas de propriedade e de apropriação
social. Em suma, a maioria descobrindo por seus próprios meios que a ordem burguesa não é a única
possível e tentando, também por seus próprios meios, a conquista do poder e de uma nova forma de
democracia, a democracia proletária. A nova época inicia-se, portanto, mediante uma revolução através
da qual o proletariado, convertido em classe dominante, "destrói violentamente" as antigas relações de
produção e, com elas, "as condições dos antagonismos de classes e as próprias classes em geral", abrindo
caminho para extinguir, assim, "sua própria dominação como classe". Utopia e ideologia caminham
juntas, já que ambas extraem sua realidade histórica de uma condição de classe revolucionária
instrumental para a revolução, mas condenada ao desaparecimento pela concretização paulatina da
própria revolução. Isso permite a Marx e Engels um vaticínio ousado: "Em lugar da antiga sociedade
burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, haverá uma associação na qual o livre
desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos". .
A descrição possui, adicionalmente, um mérito prático. Ela propõe a revolução do
proletariado dentro de um raio de ação revolucionária de classe que não se esgota no âmbito do
capitalismo e da sociedade burguesa, já que o seu termo fornecido pela extinção do proletariado como
classe - e dos antagonismos de classes e das classes em geral. Enquanto a guerra civil élatente, a
transformação revolucionária se equaciona dentro da ordem, como um processo de alargamento e
aperfeiçoamento da sociedade burguesa pela ação coletiva do proletariado; quando a guerra civil se torna
aberta, a transformação revolucionária se equaciona contra a ordem, envolvendo primeiro a conquista do
poder e, mais tarde, a desagregação da antiga sociedade e a formação de uma sociedade sem classes,
destituída de dominação do homem pelo homem e de elemento político (portanto, de uma ordem sem
sociedade civil e sem Estado).
O que essa descrição implica, no plano prático? O reconhecimento, pelos revolucionários de
ótica comunista, de que as situações revolucionárias não se criam ao sabor da vontade (ou, como diria
Lenin, não se produzem por encomenda). Situações revolucionárias encobertas e explícitas formam uma
seqüência em cadeia. O talento inventivo dos revolucionários se mostra na medida.em que eles são
capazes de atinar com as exigências e com as possibilidades revolucionárias de cada situação. Um
diagnóstico errado conduz a sacrifícios inúteis; uma oportunidade real desperdiçada reflete-se numa
perda do movimento revolucionário em cadeia (afeta, pois, o presente e o futuro). Além disso, o teor
revolucionário do movimento de classes se determina pelas potencialidades favoráveis e desfavoráveis
da situação concreta. Por isso, pode-se prescindir de fórmulas dogmáticas e de líderes messiânicos. A
firmeza da ação revolucionária de classe dependerá, assim, de formas de solidariedade de classe, de
consciência revolucionária de classe e de comportamento revolucionário de classe: se o proletariado não
estiver preparado para enfrentar suas tarefas revolucionárias concretas, não poderá levar a revolução até
o fim e até o fundo, no contexto social imediato e a longo prazo. Os proletários não são marionetes e
tampouco desdobram os painéis de uma história que se prefigura de modo inflexível. Na cena histórica, a
luta de classes gradua o componente humano e psicológico de toda a evolução. Erros e acertos repontam
aqui e ali, favorecendo ora a burguesia, ora o proletariado. A classe que não souber aproveitar as
oportunidades terá de pagar um alto preço, pois, se a burguesia conseguir vergar o "arco histórico" do
proletariado, este oscilará para uma prolongada penumbra histórica (como aconteceu com o proletariado
europeu principalmente durante e depois da I Guerra Mundial); e, ao revés, se o proletariado conseguir se
antecipar ao curso da história, ele poderádeslocar a burguesia de suas posições e precipitar a sua própria
revolução social (como ocorreu na Rússia nas duas primeiras décadas deste século). O que quer dizer que
descrever as condições da revolução em termos de luta de classes não equivale a "ignorar" o elemento
humano na história. Ao contrário, significa buscar as linhas de determinações que fluem, através das
classes e dos antagonismos de classes, na objetivação das condições nas quais os seres humanos
constroem coletivamente a sua história. Aliás, jáem A Sagrada Família Marx e Engels haviam salientado
esse fato. "A história não faz nada, 'não possui uma riqueza imensa', (não dá combates'! Acima de tudo, é
o homem, o homem real e vivo, que faz tudo isso e realiza combates; estejamos seguros que não é a
história que se serve do homem como de um meio para realizar - como se ela fosse um personagem
particular - seus próprios fins; ela não é mais que a atividade do homem que persegue seus objetivos".
O homem real e vivo está nos dois pólos da luta de classes, nos dois lados da "guerra civil mais
ou menos oculta" e da guerra civil que "explode numa revolução aberta", sob a forma concreta que os
antagonismos entre capital e trabalho assumem nos conflitos da burguesia com o proletariado.
Revolução e contra-revolução constituem, por conseqüência, duas faces de uma mesma realidade. Sob a
guerra civil latente, a pressão autodefensiva da burguesia pode ser contida nos limites da "legalidade";
por sua vez, o contra-ataque proletário fica circunscrito à defesa de sua autonomia de classe e de sua
participação coletiva no sistema de poder burguês. Em outras palavras, a burguesia afasta-se das tarefas
históricas impostas por sua revolução de classe, mas o proletariado não. Ele força e violenta os
dinamismos da sociedade capitalista, obrigando os setores estratégicos das classes burguesas a retomar
pé na transformação revolucionária da ordem social competitiva. Onde isso não ocorreu ou, então, onde
isso ocorreu de modo muito fraco e descontínuo, a democracia burguesa sempre se revelou muito débil e
facilmente propensa às contrações contra-revolucionárias dos regimes ditatoriais. Sob a guerra civil
aberta, a pressão autodefensiva da burguesia torna-se virulenta e se coloca acima de qualquer
"legalidade"; por sua vez, o proletariado bate-se diretamente pela conquista do poder ou, pelo menos,
pela instauração de uma dualidade de poder que exprima claramente a legalidade que a revolução opõe à
ilegalidade da contra-revolução. O campo da luta de classes adquire uma transparência completa e
converte-se automaticamente em um campo de luta armada, pela qual a revolução e a contra-revolução
metamorfoseiam a guerra civil a frio ou/e a quente em um prolongamento da política por outros meios. A
vitória de uma ou de outra classe depende da relação da revolução e da contra-revolução com as forças
sociais que outras classes podem colocar à disposição da transformação revolucionária ou da defesa
contra-revolucionária da ordem.
Tudo isso torna decisivo o equacionamento de estratégias revolucionárias mais ou menos
compatibilizadas com as exigências e as possibilidades das situações concretas. Em "A Falência da II
Internacional" (Oeuvres, voI. 21, 1914-1915), Lenin trata dos indícios de uma situação revolucionária e
das probabilidades da eclosão revolucionária: "Para um marxista, está fora de dúvida que a revolução é
impossível sem uma situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária leva à revolução.
Quais são, de uma maneira geral, os indícios de uma situação revolucionária? Estamos certos de não nos
enganarmos indicando os três indícios principais seguintes: 1) impossibilidade para as classes
dominantes de manter sua dominação sob uma forma inalterada; crise do 'vértice' , crise da política da
classe dominante, o que cria uma fissura pela qual os descontentes e a indignação das classes oprimidas
se abrem um caminho. Para que a revolução estoure não é suficiente, habitualmente, que 'a base não
deseje mais' viver como antes, mas é ainda necessário que 'o cume não o possa mais'; 2) agravamento,
mais do que é comum, da miséria e do desespero das classes oprimidas; 3) intensificação acentuada,
pelas razões indicadas acima, da atividade das massas, que se deixam pilhar tranqüilamente nos períodos
'pacíficos' mas que, no período tempestuoso, são empurradas, seja pela crise no seu conjunto, seja pelo
próprio (vértice', para uma ação histórica independente". "Sem essas transformações objetivas,
independentes da vontade destes ou daqueles grupos e partidos, mas ainda de tais ou quais classes, a
revolução é, em regra geral, impossível. É o conjunto dessas transformações objetivas que constitui uma
situação revolucionária. Conheceu-se essa situação em 1905 na Rússia e em todas as épocas de
revoluções no Ocidente; mas ela também existiu nos anos 60 do último século na Alemanha, do mesmo
modo que em 1859-1861 e 1879-1880 na Rússia, embora não tenham ocorrido revoluções em tais
momentos. Por quê? Porque a revolução não surge de toda situação revolucionária, mas somente no caso
em que, a todas as transformações objetivas enumeradas acima, se acrescenta uma transformação
subjetiva, a saber: a capacidade, no que concerne à classe revolucionária, de conduzir ações
revolucionárias de massa bastante vigorosas para destruir completamente (ou parcialmente) o antigo
governo, que não cairá jamais, mesmo em épocas de crises, se não for 'compelido a cair"'. Em A Doenfa
Infantil do Comunismo, Lenin retoma o assunto, estabelecendo ênfases sintomáticas: "A lei fundamental
da revolução, confirmada por todas as revoluções e especialmente pelas três revoluções russas do século
:xx, ei-Ia aqui: para que a revolução tenha lugar, não é suficiente que as massas exploradas e oprimidas
tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem transformações. Para que a
revolução tenha lugar, é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes. É
somente quando (os de baixo' não querem mais e (os de cima' não podem mais continuar a viver da antiga
maneira, é somente então que a revolução pode triunfar. Essa verdade se exprime em outras palavras: a
revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando explorados e exploradores). Assim, pois, para
que uma revolução tenha lugar, é preciso: primeiramente conseguir que a maioria dos operários (ou pelo
menos, que a maioria dos operários conscientes, ponderados, politicamente ativos) tenha compreendido
perfeitamente a necessidade da revolução e esteja disposta a morrer por ela; é preciso também que as
classes dirigentes atravessem uma crise governamental que envolva na vida política até as massas mais
retardatárias (o indício de toda revolução verdadeira é uma rápida elevação ao décuplo, ou mesmo ao
cêntuplo, do número de homens aptos para a luta política, entre a massa laboriosa e oprimida, até a
apática), a qual enfraqueça o governo e tome possível aos revolucionários a sua pronta substituição".
Como parte do cerco capitalista contra o movimento socialista revolucionário, suscitou-se
uma polêmica obstinada sobre o aparecimento de um partido proletário revolucionário que substituiu a
classe por uma vanguarda política e conferiu todo o poder de decisão ou de direção a pequenas elites de
revolucionários profissionais. Esse assunto nos interessa aqui porque é necessário deixar claro se o
proletariado como classe tem ou não tarefas revolucionárias efetivas. É óbvio que a polêmica possui
origens espúrias, definindo-se como uma manobra engenhosa para lançar confusão e enfraquecer o
movimento político do proletariado. Depois das experiências históricas da Comuna de Paris e,
principalmente, em função da dura repressão que a burguesia desencadeou sobre o proletariado na
Europa (para não se falar nas áreas mais ou menos atrasadas do mundo capitalista e de regimes como o
que prevalecia na Rússia, nos quais a debilidade da burguesia fazia contraponto à onipotência da
autocracia), ficou claro que as tarefas revolucionárias impunham ao proletariado uma centralização mais
eficiente e produtiva de seu potencial revolucionário. Isso não quer dizer que a constituição do partido
proletário revolucionário equivalia à formação de uma elite "exterior" à massa, em típica relação de
dominação com ela (como se o partido socialista revolucionário reproduzisse a estrutura do Estado
capitalista e, em particular, de suas Forças Armadas). A contrapropaganda foi, aí, longe demais, e os
"socialistas" que aceitaram seus argumentos revelaram apenas sua pobreza de espírito. Já em O
Manifesto Marx e Engels assinalaram qual era o papel dos comunistas em face dos proletários, como "a
fração mais resoluta e avançada dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais",
com a vantagem, sobre o proletariado, de "uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins
gerais do movimento proletário". "O fim imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os outros
partidos operários: constituição do proletariado em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista
do poder político pelo proletariado." Claro, sintético e brilhante! Na verdade, a existência de uma classe
revolucionária não constituía uma "invenção" deles; e sem um proletariado consciente e organizado a
revolução proletária nunca passaria de uma miragem. Qualquer partido revolucionário do proletariado
não poderia, pois, prescindir do proletariado como classe e tampouco poderia pretender mais do que ser
instrumental para os três objetivos centrais mencionados em O Manifesto. A seguinte passagem de
Lenin, extraída de um texto escrito por ele em 1920, é esclarecedora e definitiva (cf. Oeuvres) vol. 31, pp.
80-81): "A vanguarda do proletariado é conquistada ideologicamente. É o principal. De outro modo,
mesmo dar um primeiro passo na direção da vitória será impossível. Porém, daí à vitória ainda há uma
grande distância. Não se pode vencer somente com a vanguarda. Lançar somente a vanguarda na batalha
decisiva, enquanto toda a classe, enquanto as grandes massas não tenham tomado seja uma atitude de
apoio direto à vanguarda, seja pelo menos uma neutralidade benévola, o que as torna completamente
incapazes de enfrentar seu adversário, seria tolice, e mesmo um crime. Ora, para que verdadeiramente
toda a classe, para que verdadeiramente as grandes massas de trabalhadores e oprimidos do Capital
cheguem a tal posição, a propaganda, apenas, a agitação apenas não é suficiente. Para isso, é preciso que
essas massas façam sua própria experiência política. Tal é a lei fundamental de todas as grandes
revoluções".
3. É possível "impedir" ou "atrasar" a revolução?
A revolução social do proletariado não constitui uma fatalidade do desenvolvimento
capitalista. Se fosse assim, o movimento revolucionário seria dispensável; e, de outro lado, o
sindicalismo, o socialismo, o anarquismo e o comunismo não teriam razão de ser. É preciso voltar ao
Manifesto: se há algum elemento "exterior" na ação dos comunistas, esse elemento provém da
necessidade de levar ao proletariado "uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais
do movimento proletário". Em uma dada situação, poderá ser necessário fortalecer e acelerar a
"constituição do proletariado em classe"; em outra situação, poderá ser necessário solapar e se possível
abalar "a supremacia burguesa"; enfim, onde os proletários contem com as condições indispensáveis de
organização como classe independente e possam compelir a burguesia a aceitar sua atividade política e a
tolerar sua presença revolucionária, a necessidade central poderá ser a "conquista do poder político".
Esses fins podem mesclar-se, a partir de condições históricas típicas de uma situação revolucionária.
Contudo, o que é central nessa descrição? É óbvio que é a luta de classes. A luta de classes se manifesta
desde o início, desde o "ponto zero" desse movimento histórico, no qual o proletariado não reúne as
condições materiais e sociais de uma classe e o objetivo revolucionário larvar vem a ser a constituição da
classe. Em termos relativos, o elenco de objetivos mencionado não vai do mais simples ao mais
complexo e difícil. Constituir-se e expandir-se como classe independente é uma façanha tão difícil
quanto lutar contra a supremacia burguesa, para conquistar espaço histórico e político, mais ou menos
dentro da ordem, e travar a luta direta pelo poder, o controle da sociedade e o comando do Estado.
Segundo o próprio Lenin, é depois de derrubar a burguesia e de construir uma democracia proletária que
se torna ainda mais difícil defender a revolução social e conduzi-Ia para diante. Aí é que os proletários,
com seus aliados, precisam evidenciar mais firmeza, tenacidade e capacidade coletiva de sacrifício.
Os que acham que a revolução é uma aventura, que acreditam que se consegue a revolução
"por encomenda", não pensam assim. Para eles, tudo é simples: basta provocar a burguesia e tomar-lhe o
poder. Ora, acontece que, quanto mais desenvolvido for o sistema de produção capitalista, maior será a
facilidade que as classes possuidoras e dominantes encontrarão em se fortalecer através da luta de
classes. Essa regra se evidenciou claramente já ao longo do século XIX (e de maneira muito clara com a
derrota da Com una). Ao contrastar o poder da burguesia ao poder da nobreza feudal, Marx e Engels
assinalaram as razões ou a natureza das dificuldades específicas que os proletários teriam de enfrentar e
de vencer. Só depois de conquistar o poder teria o proletariado probabilidades de alterar sua relação com
a sociedade capitalista e de usar o poder político para levar até o fim a destruição da ordem existente ou de
encetar a fundo a construção de uma nova ordem social. Enquanto combatesse dentro da ordem
capitalista e através de meios legais, qualquer que fosse sua capacidade de recorrer à violência, o
proletariado poderia, no máximo, redefinir sua relação com a revolução burguesa, reacendendo os seus
estopins, para ampliar sua autonomia e organização, como e enquanto classe, e serrar os dentes ou
amarrar os braços das classes dirigentes. Continuando com sua hegemonia social e política, essas classes
poderiam enfrentar a maré montante, seja fazendo concessões e ampliando os direitos civis, sociais e
políticos do proletariado dentro da ordem, seja aproveitando as condições favoráveis para reduzir o
ímpeto da pressão operária e, se possível, neutralizáIa. Em outras palavras, a luta de classes impõe
ziguezagues aos dois lados e, em termos estratégicos, a burguesia sempre dispõe de vantagens que não
podem nem devem ser subestimadas. A Com una de Paris permitiu uma demonstração conclusiva. A
burguesia pode aproveitar todas as vantagens de uma guerra civil a quente, inclusive um forte apoio
externo, de outros países capitalistas, facilmente mobilizável em virtude do caráter mundial do mercado
capitalista e do interesse mundial que liga as várias burguesias no patrocínio à mão armada de seus
interesses vitais. Os pródromos da I Grande Guerra desvendaram um painel ainda mais sombrio. A
rapidez com que um rico movimento socialista foi convertido ao socialpatriotismo revela, até a medula, o
terrível poder de corrupção que o controle da economia, da sociedade e do Estado coloca nas mãos das
burguesias dominantes nos países capitalistas mais adiantados. Elas não precisam recorrer à violência
exemplar sempre que desejem autodefender-se, autoproteger-se e contra-atacar. Basta incorporar um
setor mais amplo da vanguarda operária e das burocracias sindicais ou partidárias do proletariado às
classes médias, para convertê-Io em burgueses e em cavaleiros andantes da democracia burguesa. A
violência aplicada a uma Rosa Luxemburgo ou a um Kar! Liebknecht, por exemplo, fica reservada para
as ocasiões extremas, e a perseguição do movimento proletário sem nenhum quartel, como se procedeu
sob o nazismo, por sua vez, é algo a que se recorre quando a contra-revolução vitoriosa concede todos os
trunfos às classes dominantes. Em contraposição, o que os operários e os camponeses são capazes de
fazer, se chegam a dispor de recursos estratégicos análogos, é demonstrado pela revolução bolchevique.
Todas as forças lançadas contra o Estado bolchevique, a partir de dentro e a partir de fora da Rússia,
foram batidas e destroçadas.
Se se procede a uma análise rigorosa, que leve em conta as evoluções ocorridas nas sociedades
capitalistas centrais, descobre-se que a burguesia não só aprendeu a conviver com a luta de classes - ela
foi mais longe e vergou o próprio movimento socialista, primeiro, e o movimento comunista, em seguida,
forçando-os a definir como seu eixo político a forma burguesa de democracia (isto é, forçou-os a renegar
a luta de classes e os meios violentos, "não democráticos", de conquista do poder). Isso não implica que a
revolução proletária tenha sido proscrita, que se possa dizer dela, de uma perspectiva burguesa, que "o
perigo passou". Mas implica, claramente, em um avanço considerável da burguesia, em escala nacional e
mundial, na utilização da luta de classes em proveito da defesa do capitalismo. Não se trata, apenas, de
uma aprendizagem que tenha proporcionado vantagens só na "luta ideológica", porém de algo
substancial: a burguesia aprendeu a usar globalmente as técnicas que lhe são apropriadas de luta de
classes e ousou incorporar essas técnicas a uma gigantesca rede institucional, da empresa ao sindicato
patronal, do Estado às organizações capitalistas continentais e de âmbito mundial. Enquanto o
movimento socialista e o movimento comunista optaram por opções "táticas" e "defensivas", a burguesia
avançou estrategicamente, em nível financeiro, estatal e militar, e procedeu a uma verdadeira revolução
das técnicas da contra-revolução. Inclusive, abriu novos espaços para si própria, explorando as funções
de legitimação do Estado para amarrar as classes trabalhadoras à segurança da ordem e soldar os
sindicatos ou os partidos operários aos destinos da democracia. Não me cabe, aqui, ir ao fundo do
assunto e tampouco perguntar quais foram os erros tremendos que sindicalistas, socialistas, anarquistas e
comunistas cometeram, em escala mundial, para serem relegados à condição de massa de manobra da
burguesia em um momento histórico no qual o proletariado das sociedades capitalistas centrais possui
todas as condições de classe em si e para si. O que entra em linha de conta, tão-somente, são concessões
traidoras e suicidas. Do abandono do internacionalismo proletário passou-se ao socialpatriotismo e,
deste, à renegação do aprofundamento da luta de classes e da revolução proletária, como se a ordem
social competitiva pudesse chegar a um estágio de confraternização de classes sociais antagônicas. Se
isso não configura uma vitória - não apenas circunstancial, mas prolongada e histórica - da burguesia, as
palavras perderam o seu sentido! O movimento histórico do proletariado vergou exatamente nos países
onde ele tinha as melhores condições para dinamizar a luta de classes de forma revolucionária.
Desse ângulo, fica claro que a marcha da luta de classes pode oscilar e que tais oscilações se
traduziram, politicamente, no declínio mais ou menos prolongado do potencial da classe operária de
bater-se pela "conquista do poder". Se ela sucumbe no plano prévio de enfrentamento com a "supremacia
burguesa", incorporando inclusive a ideologia de classe da burguesia e sua forma de democracia, ela tem
de abater-se e de sucumbir ao poder do Estado. É fácil voltar aos grandes planos evolutivos e dizer: isso
não quer dizer nada, porque o proletariado poderá perder todas as batalhas, mas não perderá a guerra.
Ora, como ganhar a guerra sem aceitar "todas as batalhas"? Nesse ínterim, o que tem prevalecido é uma
contra-revolução macia e a frio, que drena as forças proletárias mais estuantes para o "exército da ordem"
e perfilha os proletariados mais fortes, organizados e promissores às palavras-chave da democracia
burguesa, convertida no alfa e no ômega do sindicalismo e do socialismo militantes. Por fim, numa época
de crise de civilização, que é uma crise da civilização burguesa, descobre-se que o "MUNDO LIVRE" é o
mundo da civilização burguesa. Safa!
As "promessas do proletariado" na década de vinte - e mais tarde, seguidamente, desde o
advento do fascismo e da nova guerra mundial, não se concretizaram porque as classes trabalhadoras
foram batidas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Culpar o consumo de massas, recorrer às
guerras, à corrupção parcial ou global de vanguardas operárias e da aristocracia operária, à omissão da
União Soviética (?!) etc., como bodes expiatórios, não muda a realidade das coisas. De um lado, as
classes burguesas, ameaçadas de eliminação e de extinção, fizeram o que estava na lógica da situação
revolucionária que fizessem. Revitalizaram até onde foi possível o pólo burguês da luta de classes e
mergulharam a fundo na contra-revolução, beneficiando-se, ao longo do processo, das novas revoluções
tecnológicas e dos recursos que elas trouxeram ao fortalecimento do capitalismo, à renovação da
opressão e ao aperfeiçoamento da repressão. Comprovaram que o poder burguês não pode ser derrotado
de modo tão fácil quanto o poder feudal e que o movimento socialista revolucionário precisa recalibrarse
e reaparelhar-se para revolucionar suas técnicas de revolução. De outro lado, o pólo proletário da luta
de classes entrou em declínio e sofreu um colapso prolongado. Belas páginas de enfrentamento viril
ocorreram aqui e ali; e sacrifícios imensos foram feitos, sem conseqüência, à vitória da causa
revolucionária do proletariado. Todavia, nem a ótica socialista nem a ótica comunista responderam às
exigências da situação. De concessão em concessão, de miséria em miséria, suas forças militantes
perderam a oportunidade histórica e viram-se condenadas, para salvar o "espaço histórico do
proletariado", a renegar os valores fundamentais do socialismo revolucionário e toda a estratégia
revolucionária do proletariado na luta de classes.
Estamos, pois, em uma época na qual se deve ler e reler O Manifêsto do Partido Comunista.
Ele não é um catecismo e o mundo histórico para o qual ele foi calibrado não existe mais. No entanto, é
preciso lê-Io e relê-Io a fundo por outra razão: trata-se de como recuperar a verdadeira ótica do
socialismo revolucionário e do comunismo. A luta de classes não constitui um artigo de fé. Ela é uma
realidade e só poderá desaparecer se o capitalismo for destruído. Por maior que seja a parcela do "bolo"
reservada à satisfação, seja da aristocracia operária, seja das classes trabalhadoras como um todo, a
ordem capitalista nunca poderá se alterar de modo a subverter a relação básica entre capital e trabalho. O
próprio capitalista só tem interesse no "amortecimento" e no "solapamento" da luta de classes enquanto
puder manter integralmente a forma capitalista de propriedade privada e de exploração do trabalho. O
capitalismo reformado é uma balela e os que acreditam nele como "uma forma de revolução
democrática", capaz inclusive de superar o socialismo proletário, nunca tiveram quaisquer elos efetivos
com as posições proletárias na luta de classes. A volta ao Manifesto será, pois, uma maneira de ressoldar
os liames do movimento socialista com o proletariado e com a revolução anticapitalista.
Não faltam, certamente, análises e convicções que mostrarão o "caráter utópico" desse
renascimento de uma autêntica consciência proletária da transformação do mundo. Se até Herbert
Marcuse, um modelo de integridade, chegou a escrever que desapareceram as condições para a
manifestação e o florescimento fermentativo dos conflitos de classes! Insiste-se no crescimento das
classes médias, no estreitamente do setor proletário ou na predominância do trabalho intelectual para
ressaltar que, sob a grande indústria ultramoderna, a sociedade de massas despolitiza a consciência e o
comportamento ativo das classes oprimidas, como se, finalmente, as classes possuidoras e dominantes
tivessem descoberto o seu paraíso, graças à civilização industrial recente. No mínimo (ou, quem sabe, no
máximo) as "grandes esperanças" da Humanidade estariam nos confins da periferia, entre os mais pobres
e deserdados da Terra! ... O núcleo da civilização burguesa estaria feçhado para essas esperanças, uma
"doença do século XIX", e imune a qualquer revolução proletária como processo interno de construção
de uma nova civilização. Esse pessimismo radical apenas mostra até onde foi a pressão burguesa, depois
de um século de subversão contra-revolucionária do movimento socialista e do pensamento socialista.
Depois das versões iniciais de revisionismo, passa-se de Bernstein, do socialpatriotismo e do socialismo
reformista mais ou menos íntegro para uma defesa da ordem calcada na idéia de que a revolução
proletária tornou-se, ou simplesmente impraticável, ou totalmente improvável, como um contra-senso
político. Os que não gostam do capitalismo precisam aprender a conviver com ele, a torná-Io "mais
humano", através da dissidência inteligente e dos movimentos dotados de centros múltiplos de defesa
comunitária da "qualidade da vida". Ora, o capitalismo é o maior coveiro da qualidade da vida. Por onde
ele passou com vitalidade, nos países do centro e da periferia, superdesenvolvidos, subdesenvolvidos ou
não desenvolvidos, o efeito foi sempre o mesmo. A qualidade da vida não passa de uma miragem e os
múltiplos movimentos que propagam as suas bandeiras apenas demonstram a impotência dos seres
humanos que pretendem conciliar capitalismo e razão. Nem é preciso a guerra, aberta ou mascarada, para
deixar patente que a única defesa correta da qualidade da vida constitui uma função do desmantelamento
da civilização industrial capitalista; ou seja, ou a qualidade da vida se processa através do socialismo
revolucionário, ou o movimento histórico em sua defesa nunca irá além de uma quimera.
A revitalização dos ideais revolucionários contidos no Manifesto, não obstante, não pode
ocorrer "como se estivéssemos" no século XIX. Isso é óbvio e os marxistas que lograram vencer várias
revoluções comprovaram que a luta de classes é suscetível de várias adaptações. O essencial é que ela não
seja extinta ou paralisada, em nome de mistificações, como a que a encerra no universo legal e pacifico de
defesa da forma burguesa de democracia. A via democrática compatível com a luta de classes é a que se
cria graças ao enfrentamento das classes subalternas e oprimidas com as classes dirigentes e opressoras.
De fato, seria ilusório pensar ou supor que as classes subalternas e oprimidas pudessem se organizar para
levar a luta de classes a um patamar revolucionário, seja seguindo à risca o modelo burguês de
democracia, seja prescindindo de uma forma concreta de democracia real interna em seu movimento
histórico. A democracia não é só um valor supremo ou um fim maior. Ela também é um meio essencial; e,
no caso das rebeliões dos destituídos e oprimidos sob o capitalismo, um meio essencial sine qua non: a
ordem capitalista não é negada somente depois da conquista do poder. O deslocamento da supremacia
burguesa e a necessidade da conquista do poder exigem uma democratização prévia extensa e profunda,
de natureza proletária, das organizações operárias de autodefesa e de ataque. O que entra em jogo,
portanto, não é ou democracia ou revolução proletária. Essa alternativa é falsa e desde que o proletariado
tenha condições para se lançar ativamente à dinamização da luta de classes, ele põe em equação histórica
uma forma política de democracia que as classes burguesas não podem endossar e realizar (e não
poderiam mesmo que não estivessem vivendo uma época de contra-revolução prolongada).
Essa conclusão mostra que não são os proletários e seus aliados que têm interesse em despojarse
das condições mais ou menos vantajosas em que podem travar a luta de classes sob o capitalismo
monopolista e imperialista da era atual. Tal despojamento é imposto por meios coercitivos ou suasórios
pela violência burguesa: o Estado democrático existente tem de destruir o movimento operário ou, pelo
menos, impedir que ele lute por seus objetivos históricos centrais, porque a democracia burguesa não é
bastante forte para conter os antagonismos gerados pela produção capitalista e pelo desenvolvimento do
capitalismo. Essa forma política de democracia não comporta a contra violência dos proletários e
oprimidos, porque esta extinguiria as bases econômicas, sociais e políticas da dominação burguesa, isto
é, ela não pode conferir liberdade igual a todas as classes sem se desintegrar. Por isso, é impossível
riformar o capitalismo de uma forma proletária. Para reformar o capitalismo de uma forma proletária
seria preciso eliminar todas as causas da desigualdade econômica, social e política, que existem e se
reproduzem necessariamente sob o capitalismo, o que equivale a dizer: engendrar na sociedade e na
civilização capitalistas existentes a forma histórica que a sociedade e a civilização tenderão a assumir
graças e através do socialismo. As mistificações dos "socialistas democráticos" são evidentes. A
democracia burguesa de nossos dias é uma democracia armada e armada exatamente contra isso. A
"democracia forte" possui as mesmas causas que o fascismo e busca os mesmos fins. Ela nasce do temor
da burguesia diante da revolução proletária e pretende paralisar a história. Se tudo isso fosse compatível,
não com a forma burguesa de democracia, mas com a forma política que a democracia tende a assumir
com a erupção e a ascensão das classes subalternas e oprimidas na história, o mundo moderno, nascido da
revolução industrial e das revoluções técnicas sucessivas, que enriqueceram o capitalismo sem
modificá-Io em sua substância, seria muito diferente do que ele é. A Humanidade poderia alcançar uma
nova época de civilização sem passar pelo socialismo e pelo comunismo! ... Em outras palavras, o
sindicalismo, o anarquismo, o socialismo e o comunismo já estariam mofando nos porões da história,
pois os proletários e seus aliados poderiam construir o mundo da igualdade, da liberdade e da
fraternidade sem ter de recorrer à luta de classes e sem lançar mão da contraviolência para asseguraremse
certos mínimos que a democracia liberal, por si mesma, não confere a todos de modo universal.
4. Como "fortalecer a revolução" e "levá-Ia até o fim"?
Como foi visto acima, os proletários podem relacionar-se com duas revoluções distintas:
1°) com a revolução burguesa, inicialmente como força tutelada e cauda política da burguesia; 2°) com a
revolução proletária, inicialmente criando as condições que a tornam possível (o que se dá dentro da
ordem burguesa e graças a meios que são típicos da existência do "trabalho livre") e, mais tarde, na luta
pela conquista da hegemonia social e do poder político. A literatura socialista tem negligenciado a
relação do proletariado com a primeira revolução (o único grande teórico marxista moderno que dedicou
atenção séria ao assunto foi Lenin), embora, no plano prático, principalmente nos países capitalistas
"atrasados" ou "subdesenvolvidos" vários partidos de esquerda, e particularmente os partidos
comunistas, tenham conferido à revolução burguesa o caráter de objetivo central. A falta de maior rigor
teórico levou, assim, a erros políticos estratégicos. Tudo isso é tão verdadeiro que, nos países nos quais a
revolução proletária venceu, os partidos comunistas ou as forças revolucionárias modificaram em tempo
a estratégia. Deixaram de separar a burguesia nacional do imperialismo; reconheceram que as classes
burguesas internas não fariam frente às suas tarefas revolucionárias; entenderam que as crises de poder
comportavam a coexistência histórica de dois padrões exclusivos de revolução social; e deram a devida
prioridade à revolução proletária, percebendo que as massas a apoiariam com entusiasmo. Esses avanços
por vezes foram mais ou menos lentos e complicados, pois era preciso pôr à prova as classes burguesas e
ver o que, dentro delas, constituía uma força revolucionária real. Onde toda esta evolução não se
concretizou, manteve-se a "ilusão constitucional e democrática", nas piores condições possíveis, ficando
os proletários e as massas camponesas à mercê dos apetites de burguesias débeis e totalmente
desinteressadas em aprofundar sua própria revolução, pois isso permitiria abrir espaço político para as
massas destituídas e subalternas, bem como acarretaria transformações históricas de conseqüências
incontroláveis. Aqui só interessa, de fato, a relação do proletariado com a sua revolução.
É fácil detectar o que se deve discutir: basta que se atente para o movimento repressivo das
"forças da ordem". Estas se voltam, com igual furor, contra as condições de organização e de
desenvolvimento independente dos proletários como e enquanto classe; contra os sindicatos e os partidos
proletários ou identificados com o proletariado, que desenrolem (ou pareçam desenrolar) uma
propaganda política revolucionária. O movimento repressivo ataca, portanto, nos dois níveis centrais a
posição proletária na luta de classes. Qualquer ganho no primeiro nível oferece à burguesia a vantagem
de uma debilitação estrutural e prolongada das classes destituídas e subalternas. Estas são confinadas à
"apatia", ou seja, não encontram na ordem capitalista condições para a própria constituição e
fortalecimento como classe independente. Por aí se verifica o quanto a "apatia das massas" é um produto
político secretado pela sociedade capitalista e manipulado deliberadamente pelas classes dirigentes.
Qualquer ganho no segundo nível permite à burguesia reduzir o alcance e os ritmos históricos da luta de
classes, porque se quebra, de uma forma ou de outra, a espinha dorsal do movimento proletário - a sua
vanguarda de classe e política. É preciso que se entenda que existe uma relação dialética entre os três
objetivos principais da luta de classes (conforme foi mencionado acima, através da citação e comentário
do Manifesto do Partido Comunista). A intervenção no nível mais dinâmico e fluido das atividades
sindicais e partidárias produz ganhos reais quanto ao grau de consciência revolucionária do proletariado
e de sua solidariedade política ativa. O que quer dizer que a intervenção, nesta área, visa diretamente
impedir ou solapar os riscos que a atividade revolucionária do proletariado possa acarretar para a
"supremacia burguesa" (isto é, para a dominação de classe da burguesia) e eliminar ou reduzir, tão
drasticamente quanto possível, os conflitos de classes que possam engendrar crises muito profundas e
aproximar as classes destituídas e oprimidas da conquista do poder.
Uma coisa deve ser salientada em discussões atuais. Não estamos mais no "ambiente
pioneiro" dos primeiros processos de industrialização. Nem a via inglesa nem a viafrancesa podem mais
ser tomadas como modelos: a mudança social espontânea não produz mais os mesmos efeitos. E isso não
só porque a burguesia já aprendeu a receita e pode impedir no nascedouro muitas transformações
importantes para as classes trabalhadoras. Mas, também e principalmente, porque existe um forte
componente universal de pressão contra-revolucionária nas reações burguesas autodefensivas: esmagar
enquanto é tempo vem a ser a receita primária, mas eficaz, que tem sido posta em prática nos tempos
atuais. Esse esmagamento sistemático produz um proletariado anêmico e que tem fraca base estrutural
para movimentar a luta de classes. Torna-se um "inimigo débil", fácil de ser encurralado ou, como se diz,
"fácil de contentar". E o esmagamento se faz a partir de muitas tenazes, que visam pulverizar ou
fragmentar as classes trabalhadoras, no campo e nas cidades. Essas tenazes vão da manipulação das leis,
da polícia militar e dos tribunais de trabalho aos quadros de dirigentes sindicais e partidários
(ideologicamente perfilhados à burguesia e politicamente presos às compensações da ordem), ao
controle estrito (ideológico e político) dos sindicatos e partidos operários e à atuação do aparelho estatal.
No fundo, é "natural" para a burguesia ser e afirmar-se como uma classe: ela dispõe da ordem legal e nega
a condição de classe como um "fator de distúrbio", de "insegurança" ou de "desunidade". Com isso, a
condição de sua existência como classe tende a converter-se na condição de eliminação, alinhamento e
capitulação passiva das outras classes. Tais alterações históricas mostram que os sindicalistas, os
socialistas, os anarquistas e os comunistas precisam devotar uma atenção mais séria e concentrada às
novas formas de mudança social deliberada, que precisam ser postas em prática no presente, se se
pretender realmente galvanizar o movimento de constituição do proletariado como classe independente
e intensificar o seu desenvolvimento como tal. A burguesia tomou a dianteira em muitas esferas, através
dos movimentos em que se envolvem o trabalho social e o serviço social como "fator de equilíbrio da
ordem" e de consolidação da "autonomia comunitária". PropaIam-se os objetivos da cultura cívica
generalizada, da mobilização popular e da participação ativa dos carentes na solução de seus problemas.
Mas deixa-se na penumbra o fato de que os "carentes" não têm como equacionar os seus problemas e
resolvê-Ios no seio de uma sociedade capitalista. A saída seria a de deixar de ser "carente" através da
proletarização e da luta de classes, forçando-se o revolucionamento da ordem democrático-burguesa até
seus limites e a destruição revolucionária dessa ordem, dependendo da situação histórica concreta. Para
isso, o movimento sindical e os partidos proletários têm de libertar-se de certas vias tradicionais, que
privilegiam a mudança social espontânea, o crescimento gradual e o aburguesamento da luta de classes.
A burguesia põe em prática uma estratégia de luta global. Os proletários devem fazer o mesmo, pois não
têm a seu favor os efeitos indiretos da revolução nacional e da revolução democrática do período em que
as utopias burguesas possuíam alguma consistência histórica.
Tal estratégia global é muito difícil de ser explorada e concretizada em níveis de intensidade
crescentes por proletariados jovens de países da periferia do mundo capitalista, nos quais a contrarevolução
burguesa é mais dura e por vezes ditatorial. Pelo menos a fábrica, o sindicato, o local de
existência da família e uma parcela da cidade, com alguma forma de organização partidária e de pressão
direta sobre o Estado, podem ser mobilizados de forma permanente. A constituição do proletariado como
classe independente abrange, hoje, toda essa irradiação estrutural e dinâmica. Ao contrário do que
ocorria quando os proletários europeus não constituíam uma classe e estavam no vir-a-ser da classe, hoje
impõe-se um mínimo de poder real como ponto de partida. Não o poder do sindicato ou o poder do
partido, como sucedâneos ou poder mediado, mas o poder intrínseco à classe, análogo ao que serve à
burguesia para armar, manter e reproduzir sua dominação de classe e seu controle direto e indireto sobre o
Estado. A violência da repressão, inerente à contra-revolução burguesa prolongada, exige essa forma
elementar de contrapoder, sobre a qual terá de se sustentar o crescimento orgânico do proletariado como
classe independente em escala nacional. Esse movimento básico tem naturalmente de encontrar apoio
nos sindicatos e nos partidos operários. Mas estes não podem fomentá-lo e dirigi-lo, porque também
dependem da sua existência para ganhar autonomia, crescer e incorporar-se a uma dinâmica mais
avançada e madura de luta de classes. O que quer dizer que o raio de ação direta prévio à organização e ao
desenvolvimento autônomos da classe trabalhadora ampliou-se e complicou-se. De uma perspectiva
antropológica e sociológica, pode-se dizer que aí está, nos dias que correm, o ponto zero da evolução das
classes trabalhadoras. Só depois que essa atividade direta produzir certos frutos e um patamar de
amadurecimento médio, a classe pode deslanchar sem que seja permanentemente pulverizada e
esmagada pela pressão burguesa "espontânea", "legal" e "organizada". O contrapoder operário, nessa
evolução, se diferenciará e crescerá, convertendo-se por fim, quando a classe assumir os contornos
morfológicos e dinâmicos de uma classe em si (no sentido de Marx e de Engels), na natureza de um poder
real, suscetível de operar como um contrapeso ao poder burguês e de conferir aos proletários e suas
organizações a base social e política para movimentar livremente a luta de classes em todas as direções
estratégicas (que vão dos embates contra a supremacia burguesa às pugnas pela conquista do poder).
É preciso entender: não se trata de "subestimar" sindicatos e partidos operários. Ao contrário,
trata-se de estabelecer um patamar histórico a partir do qual eles poderão funcionar para os trabalhadores,
não para a ordem existente. Sem a existência de um proletariado constituído como classe independente, não
haverá sindicatos e partidos operários independentes (e se eles o forem, isso não alterará ou alterará muito
pouco a situação, já que os interesses de classe da burguesia estarão sempre presentes para atrofiar as classes
trabalhadoras, ou seja, para atrofiar os sindicatos e os partidos operários). No entanto, as diversas formas de
união ativa e de organização do proletariado são essenciais não só para a luta de classes, mas,
principalmente, para que a classe em si possa evoluir e afirmar-se como classe em si e para si (isto é, tornarse
uma classe com tarefas revolucionárias). Os sindicatos e os partidos operários ainda são as organizações
mais ativas e eficientes, em escala nacional, na luta de classes do proletariado. Não obstante, eles só contam
com uma cena histórica apropriada quando a luta de classes propõe, ainda que defensivamente, a redução da
supremacia burguesa por parte das classes destituídas e subalternas. A partir daí, juntam-se duas coisas
decisivas: os proletários secretam uma vanguarda própria e esta pode lançar-se na luta de classes sem todas
as inibições burguesas; de outro lado, o exemplo dessa vanguarda arrasta à luta de classes o grosso do
proletariado e comove outros setores de classes, como os camponeses pobres e alguns segmentos
dissidentes das classes médias. O marco político de luta se alarga e se aprofunda - e a massa que se mobiliza
contra a ordem burguesa deixa de ser tão-somente uma massa proletária.
É nesse nível histórico do desenvolvimento da luta de classes que algumas organizações
operárias, o sindicato e o partido, principalmente, ganham relevo ímpar, seja no plano econômico e
social, seja no plano político. A marcha para a constituição da classe em si deverá estar bastante avançada
para exigir uma clarificação revolucionária da consciência proletária e para
justificar técnicas especificamente ofensivas de fricção e de combate políticos. O sindicato
possui um âmbito de ação que permite revolucionar simultaneamente a relação do operário com o
trabalho, a empresa e a dominação econômica da burguesia, direta ou por via do Estado. As greves
constituem o caminho por excelência da aprendizagem política inicial e o primeiro patamar no qual a
classe em formação ou em desenvolvimento independente demonstra a sua vitalidade e a sua capacidade
de passar da "guerra civil oculta" para a "guerra civil aberta". Os teóricos do sindicalismo revolucionário
exageraram o papel criador da greve (sob a forma de greve geral). Não obstante, a greve geral permite
romper as barreiras do economismo, da greve puramente reivindicativa e contida dentro da ordem, e
constitui um terreno fértil de educação do proletariado para os alvos políticos mais importantes da luta de
classes. Nem sempre ela pode ser um chamamento para a insurreição, pois isso depende de uma crise de
poder relativamente geral e profunda, mas ela sempre provoca alterações decisivas, desde as que dizem
respeito àdisciplina operária, ao emprego maciço de técnicas elaboradas de agitação e de propaganda, de
recrutamento e promoção de quadros combativos etc., até as que dizem respeito à própria superação do
sindicalismo pelo transbordamento da atividade grevista, à criação de vínculos de solidariedade dentro
da classe trabalhadora como um todo e com outras classes assalariadas, à ativação dos partidos operários
e, por fim, à reeducação da burguesia ou, pelo menos, ao redimensionamento das "atitudes autoritárias" e
dos comportamentos egoísticos dos estratos dirigentes das classes dominantes.
O grau dentro do qual os partidos operários aproveitam (ou deixam de aproveitar) toda essa
fermentação criadora depende da fluidez dos sindicatos diante da atividade dos partidos operários e,
principalmente, da própria identificação revolucionária dos partidos operários diante da luta econômica,
social e política para abalar ou reduzir a supremacia burguesa e para vincular sempre a luta de classes à
conquista de poder pelo proletariado. A formação de modelos mais ou menos rígidos prejudicou tanto os
sindicatos quanto os partidos; aqueles privilegiaram demais a luta reivindicativa, o reformismo gradual e
as "conquistas democráticas", pelo fascínio de exemplos europeus e estadunidense; os últimos, por sua
vez, "autonomizaram" demais a centralização de comandos políticos tidos por revolucionários (mas sem
relação evidente com situações revolucionárias concretas, ao contrário!), graças a uma cópia errada do
bolchevismo na sua fase de apogeu. Porém, foram os partidos que sofreram com maior violência a
repressão da ordem e, por isso, eles refletiram de modo mais concentrado a necessidade de autoprotegerse
e de atacar com cuidado. Nessa evolução, o exemplo soviético deixou de ter qualquer valor e os
partidos operários mais congruentes foram levados, ou à acomodação passiva com a burguesia, ou à
prioridade indiscutível do partido sobre a classe. Nessas circunstâncias, o socialismo e o comunismo,
particularmente, deixaram de ser um concomitante estrutural e dinâmico do crescimento do proletariado
como classe. Os partidos voltaram-se para o proletariado, mas sua ótica não era nem socialista nem
comunista: em vez de buscarem, por todos os meios, favorecer a constituição e o desenvolvimento
independente do proletariado, tenderam a converter a classe proletária numa espécie de presa política e
de massa de manobra. Com isso, resolviam seus problemas práticos, de relacionamento com a ordem e de
resposta à intimidação das classes possuidoras e seus círculos dirigentes. Por curioso que pareça, essa
técnica adaptativa foi produtiva sob alguns aspectos, pois retirou vários segmentos das classes
trabalhadoras da apatia forçada e do isolamento político.
Sob uma estratégia global de luta de classes, impõese alterar essa relação do partido operário
com a classe trabalhadora e com a sociedade. A contra-revolução prolongada atinge cada vez mais fundo
a consciência proletária e a solidariedade ativa do proletariado na luta de classes. A pressão se faz no
sentido da neutralização, da "mobilização democrática" e "pacífica". Ora, só os partidos operários
possuem condições de propagar o socialismo e o comunismo no interior das classes destituídas e
oprimidas. Não basta o crescimento do proletariado, em números e em privilégios relativos, e o
fortalecimento do sindicalismo como "corporação" (está aí o exemplo estadunidense para o mostrar!). É
preciso que a expansão das classes trabalhadoras seja acompanhada da proletarização política
revolucionária, isto é, engendre um movimento político que mude a relação dos proletários com a ordem
e sedimente a luta de classes, dimensionando-a à conversão da revolução dentro da ordem em uma
revolução contra a ordem. Esse produto não nasce (nem poderia nascer) de qualquer "espontaneísmo"
operário. Ele precisa ser visado de modo explícito, pois a luta de classes precisa ser orientada em sua
direção de forma por assim dizer planejada. Em um momento em que a burguesia pretende eliminar todas
as outras filosiftas políticas, impondo à sociedade (e portanto aos trabalhadores em geral) a "filosofia da
livre empresa", o grau de saturação socialista e comunista da consciência proletária e do comportamento
político do proletariado constitui a única garantia efetiva de que a luta de classes corresponderá, do lado
proletário, aos ideais de extinção do capitalismo e de eliminação das classes. Acresce que a dominação
burguesa, sob o capitalismo monopolista da era atual, possui dois pólos desiguais, sendo que o pólo
externo e imperialista possui um poder de pressão contra-revolucionária muito mais forte. Em vez do
frenesi por puras palavras de ordem contra o imperialismo, é necessário educar politicamente os
proletários para distinguir a sua revolução da revolução burguesa e para querer algo coletivamente: a
transformação socialista da sociedade. O socialismo não transforma o mundo: são os proletários
identificados com o socialismo revolucionário que o fazem!
Parece claro que a vitória do socialismo não simplificou nem facilitou por enquanto a
trajetória da revolução proletária nos países capitalistas, tanto no centro quanto na periferia. Uma
reflexão comparativa sugere que as recomendações práticas do Manifesto do Partido Comunista
continuam atuais, pelo menos na periferia e em países em desenvolvimento industrial (onde os
proletários mal estão surgindo ou lutam com dificuldades entranhadas de passar da primeira para a
segunda fase da constituição do proletariado como classe). Na situação histórica atual, porém, não só o
consumo de massa e a classificação pelo emprego (num exército de deserdados) alteram o contexto da
constituição do proletariado. As pressões externas da sociedade atuam de modo camuflado para
identificar os destituídos e os oprimidos com as ilusões democráticas e constitucionais, para envolvê-Ios
na trama da dominação burguesa e da lealdade ao Estado burguês. O aburguesamento dos oprimidos e
dos deserdados constitui uma força atuante e multifacetária, que precisa ser combatida frontalmente. E
isso tem de ser feito através da proletarização da consciência das massas, muitas vezes sem contar com
uma base material e social de classe suficientemente sólida. A contra-revolução não deixa tempo à
revolução. Ou os proletários são ganhos para a luta contra a ordem ou a ordem se reproduz graças a uma
violência ultra-refinada e concentrada, que a contra-revolução manipula com eficácia. Esse dilema é tão
complexo que preferi mencioná-Io no fim (e não no início deste pequeno capítulo). Não há como se
evadir ao dilema. Tampouco é possível alterar a ordem natural das coisas, a marcha da constituição da
classe, a evolução da luta de classes e a natureza dos papéis revolucionários do proletariado. Pode-se
pensar, alternativamente, numa mudança de estratégia política. Incentivar os próprios proletários a sentir
a necessidade de antecipar a demonstração (ainda que somente negativa) de seu contrapoder e
reexaminar o modo pelo qual a ótica socialista e a ótica comunista têm sido usadas na saturação do
horizonte cultural (para não falar de novo e diretamente da consciência revolucionária) do proletariado.
Entretanto, é aqui que reside o ponto de estrangulamento. Os partidos socialistas avançaram, em sua
grande maioria, em direção a uma defesa do "socialismo democrático" que colide com a substância
socialista da revolução proletária. Eles se tornam, crescentemente, o setor ultra-radical da burguesia. Por
sua vez, a ótica comunista voltou-se demais para as funções revolucionárias do partido e deixou um
imenso vazio histórico nas suas relações dialéticas com o proletariado e com a dinamização proletária da
luta de classes (mantendo-se em suspenso o que pode suceder com a socialdemocratização de alguns
partidos comunistas contemporâneos) .
Certas circunstâncias variáveis de país a país poderão permitir uma coexistência ativa de todos
os setores da esquerda. Mas será uma confraternização tática e transitória. O momento de uma unificação
construtiva e permanente ainda parece longínquo e está dependendo do modo pelo qual os países em
transição para o socialismo enfrentarem o estágio ulterior de implantação do comunismo. Nesse
intervalo histórico, a burguesia ganhará uma vantagem decisiva. Além de dividir os que deviam facilitar
a concentração política das forças da revolução, pela lógica das opções e das alianças, se beneficiará com
o apoio tácito ou a retração das parcelas das forças da revolução que resvalaram para posições
substancialmente contra-revolucionárias. A principal perda, nessa evolução, é facilmente localizável: a
difusão do socialismo e do comunismo sofre cisuras e abalos no seio das classes trabalhadoras. À
tentativa de esmagamento do proletariado como classe, sempre presente na ótica burguesa e agora mais
ativa graças à contra-revolução prolongada, soma-se uma negligência cega dentro das esquerdas quanto
à qualidade da revolução proletária. Começa-se e depois se verá, essa norma movimentou alguns
avanços no "elo débil"; mas não pode ser convertida em norma geral ou em princípio unificador da
revolução proletária. O desenraizamento do proletário se alicerça em suas condições de trabalho e de
existência. Todavia, há uma distância muito grande entre um proletariado "idealmente" desenraizado e
um proletariado revolucionário. A eficácia do cerco capitalista, não só das revoluções proletárias
vitoriosas, mas também de todas as revoluções proletárias possíveis, se funda no conhecimento dessa
distância e no aproveitamento de tal conhecimento no "controle da mudança social revolucionária".
Temos, no conjunto, um quadro global que deve ser enfatizado. A contra-revolução burguesa
atreve-se a ir mais longe (e precisa fazê-Io, para resguardar-se de um risco mortal); a revolução socialista
marca passo, avançando com prudência e em oscilações cujos fatores determinantes se encontram nas
próprias debilidades conjunturais do capitalismo mundial. O que quer dizer que é a evolução natural da
sociedade de classes que pontilha o gradiente das revoluções proletárias. Onde surge uma situação
revolucionária, surge também a oportunidade histórica para acelerar a rebelião das classes subalternas e
oprimidas, dinamizar a luta de classes e jogar os partidos revolucionários na crista da onda. Esse quadro
de conjunto já não faz jus ao poder relativo dos "países socialistas". E ele não oferece muitas perspectivas
a países que já contam com um regime de classes relativamente diferenciado e avançado. Por isso
mesmo, chegou o momento para pensar se em uma estratégia global, que rede fina pelo menos a relação
de partidos socialistas revolucionários e de partidos comunistas com a constituição do proletariado como
classe, o deslocamento ou a aniquilação da supremacia burguesa e a conquista do poder político pelo
proletariado. Seria preciso passar-se do "aproveitamento de oportunidades históricas" para a criação de
oportunidades históricas. Numa evolução deste tipo, a própria aceleração do movimento político do
proletariado seria um fator de radicalização crescente da revolução. O socialismo e o comunismo não são
"promessas de uma geração", como gostam de pronunciar-se alguns acadêmicos estadunidenses. Eles
constituem a alternativa que os proletários possuem à ordem capitalista existente. Desde que eles
descubram isso e se devotem com firmeza, coletivamente, ao propósito de converter a alternativa em
realidade, o capitalismo das grandes corporações e do imperialismo onipresente estará condenado.
5. Revolução nacional ou revolução proletária?
A grande maioria dos países de origem colonial sofreu um desenvolvimento capitalista
deformado e perverso. Muitos não lograram ter um desenvolvimento agrícola entrosado com o
desenvolvimento urbano interno e poucos conseguiram um patamar de desenvolvimento industrial
capaz de alimentar a formação de um proletariado industrial relativamente denso. Como conseqüência,
não conheceram as reformas típicas da revolução burguesa, descrita por muitos historiadores como
revolução agrícola, revolução urbana, revolução industrial, revolução nacional e revolução democrática.
Essas cinco transformações se encadearam entre si - o exemplo "clássico" mais citado é o da Inglaterra;
mas também se consideram como talos da França e dos Estados Unidos (neste, as seqüelas da origem
colonial iriam se manifestar principalmente na concentração regional do desenvolvimento, na
segregação, discriminação e preconceitos sociais, étnicos e nacionais e no fechamento do sistema
democrático a duas opções controladas pelas elites das classes dominantes). Outros países de burguesia
mais ou menos débeis e articuladas a aristocracias poderosas ou a burocracias influentes conduziram a
transformação capitalista a níveis igualmente altos, compensando o poder econômico, social e político
da burguesia pela centralização política, como aconteceu, de formas distintas, na Alemanha e no Japão e
produziram grandes manifestações dos tempos modernos da civilização industrial capitalista. Os povos
de origem colonial ou não partilharam dessa evolução do capitalismo, ficando à margem das verdadeiras
vantagens dessa civilização, ou participaram dela como colônias, semicolônias e nações dependentes, o
que gerou várias formas de desenvolvimento capitalista controlado de fora e voltado para fora, no
sentido de que as estruturas e os dinamismos de suas economias e de suas sociedades estavam sempre
nucleados a centros externos, que exerciam ou pelo menos compartilhavam do comando da exploração
capitalista. Alguns desses países de origem colonial conheceram o não-desenvolvimento, outros o
subdesenvolvimento, e todos tiveram enormes parcelas da riqueza nacional transferidas para o exterior,
alimentando o esplendor do flores cimento do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos (ou no Japão).
A revolução burguesa constituiu um problema para esses países. O sistema de produção não
era bastante diferenciado e dinâmico para servir de base a uma diferenciação pronunciada do regime de
classes. Suas burguesias ou eram "burguesias compradoras" ou eram burguesias demasiado fracas para
arcar sozinhas com o peso econômico, a responsabilidade social e os riscos políticos inerentes à
revolução burguesa. Em vários deles a tentativa de "acelerar" a transformação capitalista pôs a
descoberto as debilidades das classes burguesas internas e a oposição do imperialismo, isto é, a
resistência severa das classes burguesas externas em permitir modelos de desenvolvimento capitalista de
tipo independente (isto é, que escapassem ao colonialismo, ao neocolonialismo e à dependência em
sentido restrito ou específico). Em conseqüência, movimentos revolucionários que se solidarizavam
com as burguesias "nacionais" se descartaram delas e realizaram vários tipos de revolução que
escapavam, simultaneamente e em grau variável, do controle imperialista e do modelo de
desenvolvimento capitalista. Algumas das principais revolu{ões proletárias de nossa época têm essa
origem e a opção pelo socialismo se deu exatamente para enfrentar e resolver os problemas e os dilemas
sociais que o capitalismo colonial, o capitalismo neocolonial e o capitalismo dependente não se colocam
(nem podem se colocar).
Essa evolução conduziu os países capitalistas centrais a uma alteração estrutural nas suas
relações com a parte da periferia com maiores potencialidades de desenvolvimento capitalista: eles
forjaram uma transformação capitalista na qual a burguesia internacional desempenhava uma função
equivalente à da aristocracia e à da burocracia nas vias ((alemã" e (Japonesa". Ficava faltando um Estado
fortemente centralizado e "absoluto", o que se conseguiu recorrendo-se à militarização das estruturas
políticas estatais e a uma articulação política entre o setor militar, o setor empresarial e as classes
burguesas externas (estas entendidas como uma composição dos interesses da dominação externa, que
hoje se chama de imperialismo, e que envolvem as grandes corporações multinacionais, os Estados
capitalistas hegemônicos e sua superpotência, e todas as classes, nos referidos países, que tinham razões
para defender as vantagens proporcionadas pela apropriação e o rateio do excedente econômico dos
países capitalistas dependentes). Por conseguinte, as ditaduras "salvadoras" e "modernizadoras" não
camuflavam, apenas, um arraqjo do tipo que as "burguesias compradoras" costumavam e costumam
fazer. Elas exprimiam a constituição de um Estado burguês que não era democrático, mas sim
autocrático, e que devia tirar a crônica crise do poder burguês na periferia de seu perigoso ponto morto.
Desse modo, revoluções burguesas em atraso ganharam a cena histórica, mas elas surgiam destituídas da
maioria das funções e tarefas revolucionárias ou reformistas que cercam os "casos clássicos" e suas
"versões atípicas". Tudo se passava como se o objetivo centraI se restringisse, em médio prazo, em criar
para a burguesia interna e para as burguesias externas um modo de aprofundar, com segurança, a
transformação capitalista na esfera econômica, transferindo para um futuro incerto o atendimento de
outras transformações que não poderiam ser realizadas de modo concomitante.
Esse resumo não é completo nem poderia ser. Ele apenas situa alguns fatos crus, essenciais
para um debate atual da orientação que deve ser imprimida à estratégia da luta de classes na periferia, em
países que contam com desenvolvimento industrial de certo porte. Em nome do "combate ao
imperialismo" ou da "democratização interna" (ou de ambas as coisas), devem as classes destituídas e
oprimidas dar apoio direto aos "setores nacionalistas da burguesia", batendo-se assim ao lado das "forças
mais avançadas" das classes dominantes pelo apnjundamento da revolução burguesa? Tal debate não é
novo, no Brasil e em quase todos os países da América Latina; e ele empolgou a vida política brasileira
através do chamado desenvolvimentismo. Não pretendo fazer as idéias caminharem para trás. Por isso,
acho desnecessário criticar os erros que foram cometidos no passado recente (esse erros deveriam ser
analisados pelos partidos e grupos orgânicos que os cometeram, na hipótese inverossímil de que não
queiram recair neles). Para mim, o ponto central do debate está numa escolha que não pode ser feita por
socialistas de posição revolucionária e por comunistas: revolução nacional ou revolução proletária? Ela
não pode ser feita porque ambos estão intrinsecamente comprometidos com a revolução proletária. A
única saída racionalizadora seria a de saber se "taticamente" seria vantajoso apoiar a revolução nacional,
como um expediente para forçar a burguesia a certas concessões, mesmo sob a forma de reformas mais
ou menos mitigadas e um fortalecimento indireto do "Estado de direito"; e para "aumentar as
contradições" do desenvolvimento capitalista, abrindo cunhas entre um setor mais progressista da
burguesia interna e outro mais retrógrado, e entre ambos e o imperialismo. Essa saída também constitui
um expediente para as "forças da esquerda", na medida em que estas deixam de cumprir suas tarefas
políticas específicas e, em vez de enfrentarem corajosamente sua debilidade, buscam no biombo da
revolução nacional uma forma equívoca e evasiva de ilusão constitucional.
Na verdade, o que se pôs em prática foi um típico comportamento de cauda da burguesia,
porém destituído de lógica política proletária. Em dadas circunstâncias, nas quais os proletários não
podem ousar ou nas quais o máximo que podem pretender é a condição de cauda de uma classe social
hegemônica, não há mal em travar batalhas por ganhos muito pequenos. Ora, essa não era a situação que
se estabeleceu no Brasil em seguida à II Grande Guerra. Se se pusesse em primeiro plano a luta pela
consolidação do proletariado como e enquanto classe, a área de conflito real com a burguesia seria
pequena e a força da causa proletária muito maior. Haveria uma acumulação de forças através do
desenvolvimento da classe e, como conseqüência, a formação concomitante de um espaço histórico, que
tenderia a crescer através do próprio uso (isto é, pela manifestação dos conflitos de classe). Assim, seria
possível formular o apoio à burguesia em termos propriamente proletários: não dos interesses de
determinadas facções da burguesia, mas de defesa combativa do aprofundamento de certos níveis da
revolução burguesa. A reforma agrária, a reforma do sistema de saúde e do sistema de educação, o caráter
da revolução nacional e a democratização dos direitos civis e políticos estavam entre tais níveis. Como
ensina o Manifesto do Partido Comunista, a linha tática teria de definir-se mediante exigências
socialistas: é muito difícil para um proletariado em formação entender alianças táticas se as
reivindicações não forem feitas através de uma linguagem proletária e sem qualquer subterfúgio. É óbvio
que muitas reivindicações podem ser formuladas através de várias linguagens e que o radicalismo
burguês, se existisse aqui um radicalismo burguês autêntico, permitiria apresentar reivindicações
análogas quase sem variação de forma. Não obstante, o que as classes dominantes deixam crescer como
problemas e dilemas sociais e se descuidam de resolver através de dinamismos da ordem, é suscetível de
receber uma atenção combativa das classes trabalhadoras e de constituir reivindicações de conteúdo
socialista e para atendimento imediato. Tais exigências, se fosse levado em conta o que a omissão das
classes dominantes e de seus setores dirigentes significava para os ritmos da revolução burguesa, teriam
de ser toleradas e várias delas, provavelmente, poderiam ser atendidas. Uma tática dessa natureza, além
de não lançar confusão nos grupos de vanguarda e nas massas populares, favoreceria um isolamento
político crescente das facções mais antidemocráticas e reacionárias da burguesia e, quando menos,
ajudaria a quebrar o monolitismo das classes dirigentes. O próprio imperialismo teria uma base menor de
manobra, pois teria de se defrontar com uma burguesia que levaria em conta a sua relação pelo menos
com parte das classes trabalhadoras.
O que exige reflexão, contudo, são os custos políticos de uma manobra desse gênero. Para que
ela pudesse concretizar-se sem leviandades seria necessário investir muito tempo em produção
intelectual, em propaganda, em difusão da palavra de ordem e em mobilização de aderentes e
simpatizantes. Dada a situação histórica, seria essa uma escolha avisada e prudente? Alternativamente,
não seria melhor investir tanto talento, energias e esforços no aprofundamento em duasfrentes da luta de
classes? Isso não levaria a ignorar a revolução burguesa e, ao contrário, implicaria em uma análise muito
instrutiva das debilidades orgânicas e históricas das classes dominantes e do que se ocultava por trás de
seu pro-imperialismo crônico. Tomando-se em conta casos similares, portanto de países de origem
colonial e de economia capitalista dependente, tal análise mostraria o que o controle global das classes
possuidoras no Brasil exigia delas: que elas só aprofundassem a revolução burguesa em função de seus
interesses de classe, o que excluía de seu horizonte de ação política organizada e coletiva o expurgo do
particularismo, do egoísmo e da cegueira que as levou a congelar a descolonização; que mantivessem a
democracia como fórmula ritual e um expediente de concentração do poder político estatal nas mãos dos
setores dirigentes da burguesia; que procrastinassem a revolução nacional, que deslocaria o grosso dos
recursos da Nação das funções diretamente capitalistas no Estado para funções de interesse geral; e, por
fim, no conjunto, que procurassem com afinco no imperialismo os recursos e os meios que permitissem
compensar suas debilidades estruturais e históricas, sob a miragem de que, com suficiente apoio externo,
seria possível "queimar etapas" pela aceleração do desenvolvimento capitalista e pela modernização
intensiva. Se um painel desses se desdobrasse aos olhos dos dirigentes dos partidos de esquerda e se ele se
traduzisse em medidas práticas de sentido proletário, é óbvio que a mobilização não se faria para
fomentar slogans, mas para levar as pequenas forças organizadas das classes trabalhadoras e das massas
populares a uma luta política coerente do pouco que restava (ou poderia restar) à revolução dentro da
ordem (uma maneira correta de descrever o modo pelo qual os proletários e seus partidos podem
empenharse no alongamento e no aprofundamento da revolução burguesa) .
Mesmo que se tome uma posição firme e exigente diante do assunto, é claro que um partido
proletário não pode se situar diante da revolução nacional como se ela fosse a ante câmara da revolução
proletária (como se se pudesse passar de uma a outra, de tal modo que a consumação da revolução
nacional dentro do capitalismo fosse uma etapa necessária e prévia da revolução proletária). O que
fortalece a burguesia e consolida o capitalismo automaticamente torna mais remota e difícil a revolução
proletária. Por essa razão, a revolução dentro da ordem não é um objetivo intrínseco ao movimento
proletário. O proletariado não poderia pretender desempenhar as tarefas revolucionárias da burguesia e
funcionar como um fator de compensação histórica. Isso seria pueril. A revolução dentro da ordem é
meramente instrumental e conjuntural para o proletariado, ligando-se à necessidade histórica de proteger
e acelerar a constituição da classe como classe em si, capaz de tomar em suas mãos o seu
desenvolvimento independente. A partir de certo nível, o proletariado força a mudança de qualidade da
"guerra civil oculta", exige que as reivindicações socialistas mudem de teor, pondo em cheque a
supremacia burguesa e o poder político da burguesia. O que quer dizer que, desse nível em diante, o
proletariado terá de hostilizar todas as criações do capitalismo; sua relação com a revolução burguesa
mudará de qualidade, porque então passará a importar-se em como passar da "guerra civil oculta" para a
"guerra civil aberta", ou seja, a derrubada da ordem e a constituição de uma democracia proletária. Tudo
isto é elementar, mas não há mal em repisar o que é elementar! Se a burguesia não dispôs de força
econômica ou de ânimo político para atingir os fins tão centrais para ela de levar a revolução nacional até
o fim e até o fundo (em termos capitalistas, é óbvio), nem por isso seria essencial pretender abrir por aí
uma frente de luta com o imperialismo. Fustigar e desgastar a burguesia de tal forma que ela não pudesse
manter-se pró-imperialista seria uma maneira mais inteligente (embora indireta) de combater o
imperialismo. Seria um modo de roubar a este último os aliados dóceis na periferia e de diluir a base
social, econômica e política da incorporação dos espaços periféricos aos espaços centrais. Com uma
vantagem evidente: esse tipo de ação revelaria se realmente havia, dentro da burguesia, aliados
autênticos (não supostos) para tal evolução política...
Como o problema da revolução nacional como prioridade de certos partidos proletários volta à
cena política, é preciso completar o circuito destas digressões. Numa situação em que as "forças da
ordem" empunham abertamente a bandeira da contra-revolução prolongada (tanto nacional quanto
mundialmente), seria curioso situar a revolução nacional como uma "frente de luta comum" entre
burgueses e proletários. Está comprovado que as burguesias dos países capitalistas dependentes
privilegiam a aceleração do desenvolvimento capitalista; elas não privilegiam o desenvolvimento
capitalista independente. Depois dos estudos de Baran, é transparente que essa opção histórica traduz
uma prioridade - e não uma prioridade qualquer, uma prioridade estratégica para as burguesias da
periferia e do centro. Elas estão dizendo aos proletários urbanos e rurais dos países periféricos: danemse!
Isto é o que vocês podem obter do capitalismo, nem mais nem menos... Todo o resto sobre "aberturas
democráticas", "centros nacionais de decisão", "desconcentração da renda" etc., é pura retórica. A
realidade está posta na contra-revolução prolongada, de amplitude mundial. Ela não se casa com os
papéis e as funções que a revolução nacional teve, no passado, nas primeiras versões da revolução
burguesa. Hoje, o desenvolvimento do capitalismo não passa pela revolução nacional. Por uma razão
simples: onde a revolução nacional constituir uma necessidade histórica (e ela aparece como tal
reiteradamente, quase universalmente na periferia), ela terá de opor-se ao capitalismo. As revoluções
nacionais que se atrasaram são revoluções nacionais que não puderam desatar-se e completar-se dentro e
através do capitalismo. Agora, têm de voltar-se contra ele. Isso define a relação recíproca da burguesia
com o proletariado no plano mundial: a revolução nacional já não é instrumental para o desenvolvimento
capitalista (como diriam os sociólogos estadunidenses, ela se tornou disfuncional para ele) e, por
conseguinte, para que a revolução nacional ganhe viabilidade em muitos países periféricos, é preciso que
as revoluções proletárias quebrem as amarras de seu estancamento ou paralisação. Os partidos
proletários que não dispõem de condições históricas para caminhar nessa direção precisam escolher com
cuidado os temas de sua luta política atual.
As condições históricas para caminhar nessa direção não são tão simples a ponto de poderem
ser criadas ou fomentadas artificial e superficialmente. No contexto latino-americano, o melhor
exemplo, a respeito, é Cuba. Para que o nacionalismo possa assumir uma forma revolucionária e
libertária, é preciso que a descolonização não tenha desaparecido na memória viva de todas as classes e
que, pelo menos nas classes destituídas e oprimidas, exista uma forte propensão coletiva de buscar,
através da revolução nacional, a instauração da democracia, a redenção dos humildes e o
desenvolvimento equilibrado e independente. A derrota do centro imperial opressor constitui um
objetivo central, mas externo. O essencial é liberar a nação como um todo e eliminar dentro dela todas as
seqüelas da sociedade colonial, que foram reconstituídas e fortalecidas sob a "sociedade nacional", pelo
capitalismo neocolonial. O programa do "Movimento 26 de Julho" respondia de modo íntegro e
completo a essa lógica política revolucionária, sem qualquervassalagem a padrões burgueses europeus
obsoletos. Posteriormente, no poder, os guerrilheiros congraçaram todas as classes à concretização
desse nacionalismo revolucionário e libertário. A burguesia imperialista estadunidense repudiou, como
teria de fazê-Io, a oportunidade; a burguesia nacional cindiu-se, mas o grosso sabotou e combateu como
pôde o governo revolucionário, até ser expulsa da coligação governamental e converter-se em vítima
necessária; os proletários das cidades e do campo apoiaram em massa e entusiasticamente a revolução
desde el poder, servindo de pião à rápida sucessão do estágio capitalista ao estágio socialista do governo
revolucionário. Temos aí um exemplo de uma situação revolucionária que gera uma revolução. O
importante é que ela atingiu o seu primeiro apogeu sob palavras de ordem revolucionárias que serviam à
burguesia e aos proletários e no âmbito de uma transformação revolucionária que se fundava na nação e
não na classe (esta se mobilizou e se dinamizou revolucionariamente graças à comoção provocada pela
guerrilha, às vitórias sucessivas dos guerrilheiros e à conquista do poder pelos revolucionários). A
questão que se coloca: quantos países da América Latina poderiam contar com uma situação
revolucionária análoga? Em quantos países surgiria um grupo de revolucionários com o mesmo talento
político, a mesma ousadia e a mesma prudência? Em quantos países da América Latina, em suma, seria
possível casar a situação revolucionária com a revolução nas condições atuais? Este questionamento não
visa afirmar que "Cuba não se repetirá". Essa resposta é parte do temor dos Estados Unidos e de
burguesias nacionais reacionárias diante de um processo que terá, necessariamente, de repetir-se,
embora sem seguir obrigatoriamente o que alguns chamam de "a via cubana".
Atingimos, com esta conclusão, o que tem de ser enfrentado e resolvido pelos que pensam com
a lógica da revolução. O próprio êxito do castrismo e da Revolução Cubana impõe que seja redefinido o
caminho da revolução proletária. A contra-insurgência está organizada, a partir dos Estados Unidos, para
impedir que a revolução se reproduza da forma como ela ocorreu em Cuba. De outro lado, as burguesias
nacionais latino-americanas prepararam-se para enfrentar militar e politicamente a repetição de tal
eventualidade. Por fim, da década de 1950 à de 1980 o proletariado cresceu quantitativa e
organizativamente em muitos países e seus aliados naturais, os camponeses, saíram ou estão saindo da
"apatia condicionada", imposta de cima para baixo pelas classes dominantes. Não existem, por enquanto,
situações revolucionárias a não ser em alguns países, e mesmo neles é duvidoso que delas resultem
revoluções com êxito se os partidos proletários não se dedicarem à preparação do proletariado para
passar da era das contra-revoluções encadeadas para uma era de luta de classes aberta, organizada e
firme. Chegou o momento de dizer adeus a pseudopalavras de ordem revolucionárias. Quase no fim do
século xx, é preciso escolher entre a socialdemocratização da esquerda e a paciente e laboriosa
construção das vias históricas da revolução proletária na América Latina. Os que pensam que isso é
impossível esquecem que as contra-revoluções fermentam ódios coletivos e armazenam as energias
revolucionárias das classes trabalhadoras e das massas populares. Foi assim na Rússia, foi assim na
China, foi assim em Cuba. O nosso caminho poderá ser mais difícil. Ele, porém, não é inviável.
A idéia de que, na era atual, os conflitos deixaram de possuir uma base de classe fermentativa e
revolucionária não deve nos levar ao desespero. A negação da ordem é uma função intrínseca à existência
do trabalho livre e à reprodução do capital. Os que vendem o trabalho terão, mais cedo ou mais tarde, de
se organizar para travar a última luta contra a propriedade privada e a apropriação capitalista. Por aí, a
menos que as classes possuidoras e dominantes se lancem à destruição do capitalismo, os conflitos de
classe não poderão desaparecer. Eles poderão ser contidos, por algum tempo; e quiçá reprimidos, de
forma prolongada. É isso que a contra-revolução defensiva está realizando, em escala mundial. Mas a
civilização industrial se destruirá a si própria se o estágio da propriedade privada e da expropriação
capitalista do trabalho não for ultrapassado, preservando-se os avanços que ela logrou obter na esfera da
ciência e da tecnologia. São os que vendem o trabalho e são expropriados que podem impedir essa
estagnação, que seria involutiva, sob alguns aspectos, e regressiva, em outros (pois hoje se coloca
abertamente o preço que isso significará para muitas "minorias", nos países mais avançados, e para as
"nações proletárias" em seu todo). O capitalismo monopolista e imperialista dispõe de recursos terríveis
e inesgotáveis para levar adiante a opressão e a repressão, ou seja, realizando a defesa violenta do status
quo dentro de limites que ainda são desconhecidos. Ele não pode impedir para sempre a rebelião interior,
que terá de crescer como a semente sob a, neve, em último caso, e tampouco poderá obstar
indefinidamente o nifluxo histórico - a influência constritiva dos países em transição para o socialismo,
que terão a seu favor, no futuro, quando a implantação do comunismo quebrar a geleira forjada pela
miopia {{democrática", a força inexorável dos grandes processos históricos. Nesse ínterim, mesmo nos
momentos de maior desânimo e incerteza, cabe aos socialistas revolucionários e aos comunistas
trabalhar, mesmo na mais dura e cruel incompreensão e clandestinidade, a favor do curso da história e do
advento de um novo padrão de civilização. Se a rota certa estivesse realmente fechada para sempre, o
mundo capitalista não se mobilizaria de tal modo e com tal furor para cof!iurar as revoluções proletárias.
A contra-revolução capitalista prolongada demonstra, enfim, que o Manifesto ainda está em dia com as
correntes históricas, embora fosse preferível dizer, atualmente: PROLETÁRIOS DE TODOS OS
PAÍSES, O MUNDO VOS PERTENCE. IDE À REVOLUÇÃO MUNDIAL!
6. Como "lutar pela revolução proletária" no Brasil?
O Brasil contou, ao longo de sua constituição e evolução, com várias situações
revolucionárias. Todas foram resolvidas dentro dos quadros da ordem e com a vitória patente das forças
sociais conservadoras, que sabem avançar nos momentos de maior risco, para em seguida travar o
processo de fermentação social e converter a transformação revolucionária em uma composição política.
Esse padrão histórico de controle calculado da mudança social revolucionária não é fortuito nem um
traço de inteligência das elites, preparadas para enfrentar suas "responsabilidades políticas". Ele é um
produto do congelamento do processo de descolonização, pelo qual uma imensa parte do país ficou
excluída, permanentemente, até os dias que correm, das formas sociais organizadas e institucionalizadas
dos direitos civis e políticos mesmo em cidades médias e grandes, de áreas desenvolvidas. A
proletarização, quando surgiu como processo histórico recente, vinculado à lenta generalização do
trabalho livre, foi condenada a ter repercussões maiores apenas em âmbito local ou regional, cabendo a
algumas cidades de grande porte a função de servir como amaciadores e câmaras de compensação,
contendo assim os conflitos de classes dentro de seus muros e segregando o proletariado em formação e
expansão física do resto da "população pobre". Tornou-se fácil, assim, concentrar socialmente o poder de
controle policial-militar, jurídico e político sobre a sociedade e afunilar os ganhos produzidos pelos
vários surtos sucessivos do desenvolvimento capitalista. A composição das classes possuidoras e
dominantes alterou-se continuamente, mantendo-se, porém, uma mentalidade de elite dirigente
organicamente senhorial e colonial. Os dinamismos gerados pelo capitalismo e suas transformações
podiam, portanto, ser postos a serviço dessa mentalidade, provocando efeitos devastadores sobre a
constituição e o desenvolvimento do regime de classes e da ordem social competitiva correspondente. O
Estado de direito tornava-se uma presa fácil de setores dirigentes das classes dominantes, empenhados
em "impedir a anarquia da sociedade", em tratar todos os problemas sociais "como casos de polícia" e em
refazer as técnicas pelas quais a apatia provocada e o "fatalismo" conformista podiam ser produzidos na
escala das exigências da situação. No passado remoto e recente, a norma era: o escravo é o inimigo
público da ordem; nos tempos modernos, a norma tornou-se: o colono, o camponês e o operário são o
inimigo público da ordem. Portanto, uma forma ultraviolenta de despotismo aberto superpôs-se à
constituição do regime de classes e preservou um padrão neocolonial de sociedade civil, pelo qual a
democracia é uma necessidade e uma regalia dos que são gente. Quando chegamos perto de enterrar de
uma vez essa herança senhorial, os estratos civis e militares dirigentes das classes dominantes recorreram
a uma contra-revolução prolongada, reconstruindo pela força bruta o mundo de seus sonhos.
Esse também era o mundo dos sonhos das "nações capitalistas amigas", numa fase em que o
capitalismo financeiro leva suas formas de produção, de mercado e de consumo para as "nações
estratégicas" da periferia. Não é o caso de retomar, aqui, uma análise que já fiz em outros trabalhos. O que
interessa são as implicações dos processos econômicos, sociais e políticos relacionados com essa
transformação recente, pela qual o Brasil se viu incorporado às estruturas e aos dinamismos das
economias capitalistas centrais e ao seu sistema de poder. Os últimos vinte e cinco anos compreendem
uma ampla transferência de capitais, tecnologia avançada e quadros empresariais técnicos e dirigentes,
pela qual a economia e a sociedade brasileiras foram multinacionalizadas, através de uma cooperação
organizada entre capitalistas, militares e burocratas brasileiros com a burguesia mundial e seus centros de
poder. O Estado burguês converteu-se numa ditadura civilmilitar e promoveu a centralização de poder
que iria garantir a base econômica, a estabilidade política e a segurança dos investimentos na escala
requerida pelo imenso "negócio da China" em que se tornou a internacionalização dos recursos materiais
e humanos do Brasil. O que interessa ressaltar nesse quadro global? Primeiro, a relação siamesa entre a
burguesia nacional e a burguesia externa, que não são mais divididas e opostas entre si quando o
capitalismo atinge o seu apogeu imperialista e a divisão mundial do trabalho deixa de operar como um
fator de especialização econômica. Segundo, a universalidade de processos de autodefesa agressiva do
capitalismo, que vai do centro para a periferia e exacerba-se nesta, onde o regime de classes não pode
funcionar com flexibilidade suficiente para preservar certos fluxos democráticos da República burguesa.
Terceiro, a drenagem de recursos materiais e de riqueza da periferia por meio de mecanismos mais
complexos, implantados diretamente nas estruturas mais dinâmicas e produtivas das economias
periféricas estratégicas, e a institucionalização de uma taxa de exploração da mais-valia muito mais alta,
criando para o proletariado um sério dilema econômico (na verdade, sob certos aspectos, o proletariado
dessas economias assimila-se às "minorias" raciais, étnicas e nacionais dos países centrais quanto à
expropriação econômica). Quarto, um agravamento súbito mas persistente de tendências crônicas do
desenvolvimento desigual e combinado, pois a modernização intensiva e a industrialização maciça são
"internacionalizadas", isto é, voltam-se para as estruturas e os dinamismos das economias capitalistas
centrais e suas posições de interesses na economia mundial, o que faz com que seu impacto sobre o
crescimento do mercado interno, a ampliação da oferta de trabalho e o aprofundamento da revolução
burguesa fora da esfera econômica seja amortecido ou deteriorado, conferindo à situação de
dependência, sob muitos aspectos, a qualidade de equivalente funcional da relação neocolonial (só que
estabelecida com referência a dois núcleos de poder externos conjugados: a grande corporação
internacional e os Estados capitalistas centrais). Quinto, graças àdiferenciação do sistema de produção, à
industrialização maciça e ao crescimento súbito das forças produtivas, o regime de classes passa por três
transformações concomitantes: aumenta em números e em diferenciação mais pronunciada das classes;
entra, num período de tempo muito curto, na fase na qual os proletários se constituem como classe em si e
começam a lutar por seu desenvolvimento independente como classe; deixa de operar segregadamente,
como parte do universo urbano-industrial, atingindo com fluidez os que estão proletarizados e os que
aguardam a proletarização em um imenso reservatório de trabalho, que constitui um exército de reserva
sui generis, o que representa o início da quebra do isolamento entre os operários e o resto da população
pobre, e maior fluidez, em escala nacional, dos conflitos de classe movidos pelo proletariado.
Esse quadro global ressalta que a vitalização da revolução burguesa em atraso trouxe muitas
vantagens econômicas para a burguesia interna e também acarretou um aumento acentuado de sua força
relativa como classe. Ela pode dispor, agora, de um sistema de produção mais avançado e conta com um
potencial de defesa e de agressão que precisa ser medido não aqui, mas na órbita imperial. Todavia, os
proletários e a massa da população pobre também tiveram algumas vantagens relativas. As mais
importantes relacionam-se com a diferenciação do regime de classes, com o aparecimento de uma
vanguarda operária e sindical mais organizada e mais disposta a dinamizar a luta de classes em termos
proletários, e à incapacidade das classes do minantes (internas e externas, isto é, nacionais e estrangeiras)
de ultrapassar a crise do poder burguês. Esta última conseqüência é deveras relevante. As classes
burguesas lutam acirradamente, hoje, para remover a exacerbação ditatorial da situação contrarevolucionária,
porém quase sem êxito. O mais que conseguem é disfarçar o complexo institucional
introduzido na República burguesa pela ditadura de classe e tentar diluÍ10 em um sistema
"constitucional" e "representativo" adaptado à difêsa do Estado, isto é, pronto para conter e reprimir ((os
de baixo". O que isso significa? Certamente que a crise do poder burguês está presente e oscilante. As
classes burguesas não podem fIXar livremente suas vantagens econômicas e tampouco podem
estabelecer os limites sociais e políticos ou graduar os ritmos da revolução nacional e da revolução
democrática. Estas oscilaram para baixo e, se não estão sob controle dos proletários e do resto da
população pobre, não podem ser determinadas independentemente do que estes setores da sociedade
estfjam mal dispostos a tolerar. Por conseguinte, a ditadura gerada pela crise do poder burguês não pôde
sanar seus males de origem e nos deparamos com algo verdadeiramente extraordinário: uma situação
histórica que possui duas vertentes, uma contra-revolucionária e outra revolucionária. As forças
burguesas oscilaram para a primeira vertente e não lograram, através dela, quebrar o impasse do poder
burguês. Contudo, não se arriscam a fazer uma marcha a ré, por temerem os riscos inerentes a tal
recomposição e por conhecerem que são débeis demais para desencadear aquelas transformações sociais
e políticas da revolução burguesa que foram sufocadas ou restringidas drasticamente. Por sua vez, as
forças proletárias e radical-populares não dispõem de meios parasoltar as amarras da vertente
revolucionária e os únicos grupos organizados que lutam a seu lado temem, por interesses de classe ou
por inibição política, ir além do aprofundamento da revolução burguesa. Por isso, menos se batem contra
a ditadura, que seria o caminho direto para levar a crise do pode burguês até o fundo, que por uma
reconversão ao Estado de direito, sonhando com uma Assembléia Constituinte que - quem sabe? - para
uns traria a revolução nacional e a revolução democrática de volta à cena histórica, cimentando os
destinos da burguesia em bases sólidas; para outros poderia ser o embrião da presença crescente dos de
baixo no controle popular do Estado burguês, abrindo perspectivas para um socialismo a partir do poder.
Nos dois extremos, à direita e à esquerda, prevalece uma interpretação cataclísmica diante de
uma situação histórica tão peculiar. Uma, a "direita", se imobiliza porque não confia na massa do povo e
se predispõe a defender soluções rígidas, que levariam a contra-revolução ao fascismo. A outra, a
"esquerda", não avança na defesa ativa das próprias posições porque dá à possibilidade do advento do
fascismo o caráter de um fato inexorável. Teme, como se diz, "provocar o leão com vara curta" e prefere,
por isso, colaborar com certos setores da burguesia em plena vigência de uma ditadura sustentada no
poder civil e militar das classes burguesas e no que estas podem fazer para bloquear o desgaste de uma
situação contra-revolucionária que elas criaram com as próprias mãos. É neste impasse que se precisaria
concentrar a análise. No momento atual, passar de uma contra-revolução em desgaste e de uma ditadura
questionada mesmo por seus próceres para o fascismo seria não uma prova de desespero, mas uma prova
de força. De onde tirar a base econômica e social de poder real para realizar tal proeza? Possui a
articulação de forças capitalistas, que ainda sustentam a República burguesa autocrática, necessidade ou
interesse em aumentar a pressão da caldeira? Ou, quando menos, possuem os setores decisivos da
burguesia financeira e tecnocrática, cujo peso maior está nas grandes empresas e nas empresas
"multinacionais", alguma vantagem em se lançar em tal aventura simplesmente para tolher uma
recomposição do poder burguês? É evidente que os dados de fato estão sendo falseados por um espírito
de docilidade que nasce de um pânico simulado. O risco que as esquerdas enfrentam, atualmente, não é o
de um fascismo iminente, é o de uma saída pelo centro das forças sociais da burguesia. Esta não pode,
mesmo que queira, colher as maçãs com uma mão e cortar a macieira com a outra. A revolução burguesa
foi de fato aprofundada na esfera econômica. Agora, ela terá de ser aprofundada em outras esferas, na
social, na cultural e na política, queiram ou não as elites dirigentes das classes dominantes e seja ou não
da conveniência de determinados segmentos capitalistas, nacionais e estrangeiros. O que as classes
dominantes podem fazer é ganhar tempo, reduzir os ritmos e a intensidade da transformação da ordem
social competitiva. Devem começar uma aprendizagem, que as classes burguesas realizaram em outras
partes com maior rapidez, sobre o sentido de palavras e de práticas como "consentimento", "anuência",
"tolerância" "liberdade", "cooperação", "consensos" etc.; e deixar de sabotar ou de travar mudanças
revolucionárias dentro da ordem que elas combateram com tanta tenacidade até hoje. É esta perspectiva
política que deve preocupar os que atacam o capitalismo e não as burguesias, os que não querem só o
"aperfeiçoamento da ordem", mas a destruição da ordem existente. Isto quer dizer que os socialistas
revolucionários e os comunistas têm de realizar uma gravitação que os coloque adiante (e não atrás) das
transformações histórico-sociais em processo e da relação que as forças burguesas mais avançadas
procurarão desenvolver com a sociedade global através delas. Só assim eles poderão evitar o ')ogo do
adversário" e, o que é mais decisivo, agir com uma racionalidade revolucionária proletária, que, além de
sóbria e ponderada, precisa ser firme e persistente.
O que está em questão é, pois, algo muito complexo. Até há pouco tempo, partidos que se
tinham como socialistas revolucionários e comunistas podiam imaginar-se como uma vanguarda
proletária. O proletariado, em constituição incipiente, não possuía uma autêntica vanguarda de classe e a
existência de palavras de ordem "revolucionárias", de teor inconformista, reformista ou socialista,
dependia da simulação de uma vanguarda política atuante. Nos últimos trinta anos (e especialmente
depois de uma industrialização maciça com uma tecnologia avançada e intensiva no uso do capital), a
formação da classe se adiantou muito e os que defendem posições típicas do socialismo revolucionário e
do comunismo precisam colocar-se na situação de classe dos proletários e caminhar por dentro da classe
para fazer parte de sua vanguarda. Trata-se de uma proletarização de partidos que antes só podiam ser
operários de nome, embora fossem revolucionários de fato e de direito, por defenderem e propagarem
doutrinas revolucionárias e por correrem todos os riscos que isso acarretava. A primeira conseqüência
dessa transformação, que os socialistas revolucionários e os comunistas não podem ignorar ou repelir
(isso significaria uma marginalização no processo histórico), aparece no emprego correto da ótica do
socialismo revolucionário e do comunismo. A lua-de-mel com a burguesia, com o nacionalismo burguês,
com o radicalismo burguês ou com o que se queira está acabada, chegou a seu termo! Não se trata de sair
dando coices, chifradas ou marradas, de ficar na ilusão ingênua do "quanto pior melhor". Mas de
estabelecer, çomo parte da vanguarda da classe operária, como esta deve manejar a luta de classes com
objetivos políticos bem marcados, de curto, médio e longo prazos, e para impedir que os antagonismos
existentes sóproduzam dividendos políticos para as classes dominantes. Desse ângulo, os socialistas
revolucionários e os comunistas estarão cumprindo tarefas revolucionárias essenciais. Procurarão pôr
sua experiência e sua visão dos processos a serviço dos proletários, favorecendo a sua socialização
política revolucionária no diaa-dia da luta de classes, a constituição de quadros treinados e o crescimento
seletivo da própria vanguarda da classe. Em suma, estarão convertendo os seus partidos em partidos
proletários por sua composição, por sua orientação e por sua prática cotidiana. Ao mesmo tempo,
procurarão reeducar-se e ressocializar-se: seria funesto que não ocorresse uma proletarização da
consciência social dos revolucionários militantes e dos partidos revolucionários. Aí a dialética de quem
educa quem? possui duas mãos. Mesmo que o revolucionário possua uma origem operária e uma ampla
experiência proletária prévia, ele precisa ser moldado pela classe - não a classe por ele! Caso contrário, a
partir de certo ponto, o proletariado caminhará numa direção e o que deveria ser o partido da revolução
proletária caminhará em outra, cavando-se um fosso fatal entre ambos. Além disso, se tal condição não se
realizar, o partido proletário não poderá colocar-se momentaneamente contra a classe, se as
circunstâncias o exigirem, sem perder sua confiança e sem comprometer sua base social de poder real,
que lhe permite agir tática e estrategicamente como a vanguarda política da vanguarda da classe na luta
pela revolução.
Estas reflexões respondem a certas exigências imediatas. Seria preciso levar em conta,
também, o que alguns entendem serem "os caminhos da revolução proletária". Todas as revoluções
proletárias deste século, com a exceção da revolução cubana, tiveram um período de incubação de vinte a
trinta anos (ou mais) e foram favorecidas, na fase de apogeu, por comoções de âmbito mundial do
capitalismo. Seria uma típica manifestação de extremismo infantil pretender aproveitar nem uma coisa
nem outra da situação histórica brasileira para precipitar a vertente revolucionária sem qualquer
consolidação prévia das posições revolucionárias do proletariado. Se um acontecimento imprevisto
desencadeasse aquela vertente, os partidos revolucionários fugiriam à sua responsabilidade se não
procurassem aproveitá-Ia, indo na medida do possível à luta pelo poder. Contudo, apesar da crise atual,
enfrentada em escala mundial pelo capitalismo, esse se ainda não se configurou como uma possibilidade
à vista. O que resta, pois, é encarar francamente a rota mais difícil, em função das responsabilidades que
um partido revolucionário do proletariado deve enfrentar nas condições presentes da sociedade
brasileira. Esse partido, queira ou não, terá de delimitar suas atividades concretas tendo em vista a
natureza e o volume das tarefas políticas que o proletariado poderá desempenhar, em curto e em médio
prazos, em seus confrontos políticos com as classes dominantes. Por princípio, sua estratégia será a de
converter a "guerra civil oculta" em "guerra civil aberta", tão depressa quanto isso for possível. Na
prática, porém, deverá combinar várias táticas de luta, que unam entre si as reivindicações concretas e os
pequenos combates com o fortalecimento de uma consciência de classe revolucionária e uma disposição
de luta inabalável. Este ponto não pode ser subestimado. Um proletariado de formação tão recente e tão
heterogênea já ganha uma grande vitória quando defende a solidariedade proletária acima de qualquer
outra coisa, como sucedeu na greve do ano passado no ABC. É algo mais delicado e difícil formar uma
consciência proletária revolucionária e uma firme disposição de luta, mantêIas acesa sob o sutil cerco
capitalista, que congrega todas as instituições-chave da sociedade, e impedir que elas não se deteriorem
no dia-a-dia dos embates imediatistas e durante o tempo de espera. O partido revolucionário terá de
desempenhar essa função criadora, ligando entre si a estratégia global do movimento proletário com as
múltiplas táticas aparentemente exclusivas ou dispersivas vinculadas ao emprego, à sitUação de
trabalho, aos comitês de fábrica ou de greve, à proliferação de conselhos operários e populares, às
reuniões nos sindicatos e nas comunidades locais, à agitação em meios não proletários, e assim por
diante. O espírito revolucionário e o objetivo revolucionário precedem o aparecimento da situação
revolucionária e são eles que decidem se o "elemento subjetivo" estará presente quando surgir a
oportunidade. É claro que a re lação de forças é decisiva, mas a oportunidade pode ser perdida se a classe
e o partido não estiverem prontos para agarrar a oportunidade pelo cabelo.
Qualquer que seja a impaciência dos revolucionários ou de uma vanguarda de classe proletária
extremamente consciente, eles podem preparar-se para a revolução, mas não podem forjar ao bel-prazer
a situação histórica revolucionária. Esta transcende a vontade dos agentes e depende de uma evolução
extremamente complexa. Por essa razão, Lenin afirmou que não se faz revolução por encomenda. Ao que
parece, a evolução da revolução proletária no Brasil parece subordinar-se a numerosos fatores que não
permitem vaticinar um caminho nem muito fácil nem muito rápido para a revolução. Em vista das
condições continentais da sociedade brasileira, do modo em que se manifesta na atualidade o
desenvolvimento desigual e combinado, do tamanho da população e da diferenciação regional da
economia, da variação regional do regime de classes e em diversas zonas de uma mesma região, das
circularidades que pesam sobre a revolução burguesa e seu forte resíduo reacionário, do estado
permanente de "guerra fria" dos países capitalistas e de sua superpotência, ativado por seu temor de uma
"desestabilização" iminente, de uma nação periférica tão estratégica para eles, da necessidade inexorável
de passar de um baixo para um alto potencial político de mobilização da luta de classes pelos proletários e
seus aliados, da necessidade também inexorável de modificar e aperfeiçoar os principais meios de luta
organizada do proletariado - os sindicatos e os partidos - e de infundir-Ihes um mínimo de capacidade de
atuação conjunta e de irredutibilidade revolucionária, de produzir novos conhecimentos teóricos sobre
as vias concretas da revolução proletária no Brasil e prognósticos seguros sobre a alteração das relações
de forças, dadas certas variações de conjuntura e de médio prazo, internas e externas, da descoberta das
técnicas revolucionárias que permitirão, nas condições brasileiras, acelerar a evolução da situação
histórica revolucionária etc., a previsão mais otimista terá de levar em conta mais ou menos duas
décadas, isso se as forças da esquerda deixarem de digladiar-se entre si e tomarem uma atitude mais
madura quanto a quem é o inimigo principal, a quem devem combater em primeiro lugar. Portanto, um
partido empenhado em programar as suas atividades como um meio de luta do proletariado deve
preparar-se para uma fase relativamente longa de "guerra civil oculta" (embora duas décadas
aproximadamente não sejam nada na duração histórica), o que permite um cálculo político de que terá
tempo (mais ou menos a metade do tempo indicado) para realizar sua aprendizagem, acumular forças e
ganhar base social, produzir conhecimentos teóricos de agitação, propaganda e de luta (inclusive à mão
armada), paraestarpronto e com probabilidades de aproveitar a situação revolucionária, se ela aparecer,
ou de ajudar a criá-Ia, a partir de uma fase mais avançada da "guerra civil oculta", se a história exigir
empurrões decisivos e o proletariado, um parteiro.
Tal cálculo político é feito com base na "experiência anterior", ou seja, levando em conta
evoluções transcorridas em determinados países, vistas através da dinâmica da sociedade de classes no
Brasil e na América Latina. Ainda não se possui uma experiência (ou probabilidade de previsão) diversa.
Assim, é impossível antecipar-se qual vai ser o poder de desagregação dos países em transição para o
socialismo depois que eles encontrarem as bases para uma coexistência internacional homogênea e
cooperativa - e, principalmente, depois que eles atravessarem a fase dura da transição, que assustou os
setores não revolucionários do proletariado no Ocidente e as classes médias, em particular. Hoje o "cerco
capitalista" tem força relativa suficiente para desgastar os regimes socialistas em formação e em
expansão, para criar tensões entre esses regimes e, inclusive, para deformar seriamente o
desenvolvimento socialista, aumentando desproporcionalmente os investimentos não produtivos e
diminuindo sensivelmente os ritmos da construção do socialismo. Ora, é provável que em médio prazo
(aproximadamente, um quartel de século ou, no máximo, meio século) essa relação será invertida a favor
dos regimes socialistas. O desgaste caminhará, então, no sentido inverso. Pode-se pensar que à atual
rigidez autodefensiva do capitalismo se seguirá uma curta fase de exacerbação da contra-revolução e, em
seguida, por falta de base social para converter a defesa ativa em ataque e em capacidade de autosustentação,
a pulverização. O modo pelo qual os Estados Unidos reagiram à derrota no Vietnã fornece
pistas psicossociais e políticas conclusivas. O desmoronamento, lento no início e rápido logo depois, será
praticamente inevitável. Se esse for o caso, a revolução proletária no Brasil se beneficiará de fatores
externos que ainda se constituem nas correntes da história mundial do presente. Contudo, é preciso
responder às exigências da situação histórica atual, fornecer ao proletariado neste momento, em que ele
ergue coletivamente a sua cabeça, novas possibilidades de travar suas pequenas e grandes batalhas. Por
isso, deve-se seguir a rota batida, ainda que as esperanças possam ser maiores que as nossas realidades.
Um partido desse porte terá de perder a obsessão pela legalidade. O essencial não é a
legalidade, mas o produto da atividade de tal partido na realização das tarefas revolucionárias do
proletariado. Ele deve, naturalmente, bater-se pela legalidade, mas essa nunca poderia nem deveria ser
sua preocupação primordial e principal. Os seus membros em particular - os seus quadros - terão de
entender que a opção pelo partido constitui uma ruptura com a ordem (esta não deve consumar-se só com
a vitória da revolução, mas muito antes: todo militante tem de saber que, ao inscrever-se em um partido
desses, rompe praticamente com a ordem e perde todas as suas garantias ou compensações). Isso não
quer dizer que devam forjar um clima de prérevolução neurótico. Ao contrário, devem estar prontos para
defender o direito à revolução, usado pela burguesia e, mais tarde, proscrito por ela. A imposição da
"ilegalidade" às atividades revolucionárias e de subversão violenta da ordem foi um dos primeiros atos
do terrorismo burguês na Europa. Essa forma de opressão precisa ser combatida, porém não à custa das
próprias tarefas históricas e políticas de um partido proletário que se pretenda revolucionário. Ele deve,
no mínimo, estar permanentemente preparado para realizar aquelas tarefas em duas frentes simultâneas,
a legal, se existir, e a "ilegal", se não houver outro remédio. O grande dilema desta situação está em duas
tendências que ela engendra. A "concessão da legalidade" constitui uma autorização para funcionar nos
limites da ordem e para ser punido nas "transgressões". Ela implica uma tendência à domesticação
política e à socialdemocratização, que deve ser repelida (ou o partido só serárevolucionário na intenção e
de nome). A outra está na redução drástica do espaço político para a ação revolucionária. Essa tendência
vai tão longe que às vezes até a educação das bases e dos quadros no conhecimento da teoria socialista
revolucionária e do comunismo, bem como dos clássicos da teoria revolucionária, é negligenciada ou
evitada, largada, por assim dizer, pelo partido ao azar das circunstâncias. Essa tendência tem de ser
combatida com persistência e cuidado, ao mesmo tempo que se deve procurar as formas viáveis (elas
sempre existem, por perigosas ou difíceis que sejam!) de compensação clandestina dessa desvantagem.
Com esta formulação, irão dizer-me, o que se descreve é o grande partido revolucionário de
massas, uma "repetição" e um "sonho". Ora, o grande partido também é o pequeno partido dos
revolucionários "profissionais". E ele nunca é tão grande, quanto ao número de militantes, uma proporção
pequena da vanguarda operária. A sua irradiação e o seu potencial de luta política é de massas. Não poderia
ser diferente. Porém, o seu núcleo organizado permanente tem de ser o de um partido que possa
desenvolver simultaneamente tarefas políticas revolucionárias de curto, médio e longo prazos, dentro da
ordem e contra ela, e que precisa prever o desdobramento da luta política "por outros meios". Estar
preparado para passar da "guerra civil oculta" para a "guerra civil aberta" é algo que exige mais que
verborragia revolucionária e obreirismo compensatório. Se é preciso "repetir" os exemplos do que ocorreu
na Rússia ou na China (e quem poderá dizer que o exemplo do Vietnã está fora de cogitação?), paciência!
Deve-se, apenas, fazer o possível para "repetir" com igual valor. Não há outra saída no Brasil, dadas as
proporções da nação e das tarefas políticas a serem executadas. Quanto ao "sonho", o que se deve dizer é
que sem sonhos políticos realistas não existem nem pensamento revolucionário nem ação revolucionária.
Os que "não sonham" estão engajados na defesa passiva da ordem capitalista ou na contra-revolução
prolongada. Na verdade, estes não podem sonhar, pois só têm pesadelos... Falando sério, a dimensão
utópica do socialismo revolucionário e do comunismo suplanta todos os sonhos e fantasias que se possa ter,
dormindo ou acordado. Um partido que não souber converter em realidade essa dimensão utópica jamais
poderá propor-se àcondição de vanguarda política do proletariado e de meio válido da revolução proletária.
Outro questionamento que se costuma fazer consiste em perguntar: por que pensar em um
caminho tão difícil e prolongado, quando se tem pela frente uma burguesia débil, como alguns dizem,
"lumpemproletária"? Não seria exagero erguer contra ela um partido revolucionário preparado para os
mais duros e ásperos combates? Penso que este assunto não envolve uma questão de opinião, envolve
uma questão de fato! Em alguns países mais desenvolvidos da América Latina, essa burguesia mostrouse
capaz pelo menos de praticar muito bem a sua autodefesa e de procurar uma sólida proteção no
imperialismo. Uma classe dominante com posições de interesse internacionalizadas não pode ser medida
nacionalmente mas na escala mundial, para a qual ela avançou historicamente através da incorporação e
da contra-revolução prolongada. Portanto, devese levar em conta a via cubana, a via chilena e a via
nicara
güense, pois nelas e através delas pode-se aprender muitas coisas, inclusive porque um país das
proporções, do desenvolvimento relativo e com uma burguesia tão hábil em defender seu monopólio do
poder, como o Brasil, necessita de um partido proletário de porte para ir à revolução anticapitalista e
antiimperialista. O mais importante para nós, na via cubana, não está na guerrilha, mas no modo pelo qual
os guerrilheiros conquistaram o apoio dos camponeses e dos proletários agrícolas para a revolução. Um
partido revolucionário de grande porte terá de chegar ao exército do povo e à guerrilha quando a guerra
civil tornar-se uma guerra civil a quente, de escala nacional. Dar prioridade à guerrilha seria quando menos
infantil, desde que as revoluções proletárias não se repetem enquanto história, mas em suas estruturas, no
que elas possuem em comum graças à luta de classes. Ignorou-se esse lado, porque não se pensou a sério na
revolução. Ainda no fim deste século (e quanto mais hoje) a conquista e o apoio dos camponeses e dos
semicamponeses espalhados por todo o país é crucial. Sem eles, uma revolução proletária não teria
viabilidade, porque as forças nacionais e externas da contra-revolução fragmentariam o país e poderiam,
bem conduzidas, isolar os focos revolucionários vitoriosos, não dando tempo para que a própria revolução
chegasse à conquista do poder e ao escalonamento das batalhas decisivas. Quanto à via chilena - ao lado de
outras coisas que não vêm ao caso debater aqui - é preciso reconhecer que ela não era má em si mesma. O
que ela foi é prematura. Ela exigia um avanço e um peso maiores dos regimes socialistas no equilíbrio
mundial do poder. Somente isto poderia impedir que os capitalistas não ousassem e, se ousassem, ousariam
para ser batidos militar e politicamente. Como essa condição histórica não se realizava, a burguesia
nacional e as nações capitalistas centrais, com a superpotência à frente, aproveitaram os erros cometidos
como se apenas colhessem frutos maduros. A via nicaragüense, por sua vez, comprovou a sua eficácia.
Mas ela cai na categoria de experiência anterior, só que sem possuir as vantagens relativas que favoreceram
os guerrilheiros cubanos. A sua importância está na demonstração de que hoje há um espaço comum a ser
explorado por todas as forças sociais que combatem as iniqüidades das ditaduras de classe e do
imperialismo na América Latina. E que esse espaço conduz a uma redefinição histórica da relação da
burguesia radicalizada e da esquerda unificada com a transformação da ordem. Não é axiomático que se
possa montar no Brasil tal saída e que ela seria o ponto de referência obrigatório do pensamento
revolucionário. Ao revés, o que a experiência da Nicarágua prova é que a ausência de um partido
revolucionário proletário, solidamente apoiado nas massas, constitui uma vantagem para os setores
revolucionários que se limitam a defender a reforma do capitalismo e gera um tempo de espera que
éaltamente favorável às manobras diretas e indiretas do imperialismo, quando ele se manifesta dentro da
área com ânimo colonial, como fazem os Estados Unidos. Ainda aqui, evidencia-se o drama latinoamericano
crônico: as situações revolucionárias configuram-se sem que existam forças organizadas para
conduzir à revolução. A única exceção, até hoje, é a de Cuba. Para impedir essa cronicidade, tão vantajosa à
contra-revolução capitalista, devemos lutar para que o proletariado tenha pelo menos as mesmas
possibilidades de aproveitar as oportunidades históricas que a burguesia. Por essa razão, cumpre estudar
essas revoluções, vitoriosas ou frustradas, mas para aprender e ir além - não para manter o pensamento e a
ação revolucionária dentro de círculos que não se abrem para o nosso futuro, pois dizem respeito a uma
órbita histórica que não coincide com a órbita histórica do desenvolvimento do capitalismo dependente, do
regime de classes e do Estado burguês no Brasil.
Indicações para leitura
Este pequeno livro não pretende ser um equivalente doutrinário sintético do ABC do
Comunismo. É uma tentativa de colocar em termos elementares as bases de uma reflexão política sobre a
revolução proletária concebida como uma atividade coletiva do proletariado.
Uma bibliografia, neste caso, deveria abranger tudo o que ftCou ignorado, o que criaria um
fardo negativo ou demasiado pesado para o leitor comum. No decorrer da exposição foi mencionado um
ou outro livro, uma ou outra leitura. Recomendaria ao leitor que aproveitasse as pistas indicadas,
especialmente que lesse o livro de Victor Serge e completasse esta experiência com o estudo do livro de
L. Trotski sobre a Revolução Russa.
Dentro da linha expositiva adotada, faria fincapé nas obras de Kar! Marx: e Friedrich Engels.
O leitor poderia tomar a coletânea publicada por Edições Sociais, sob o título de TEXTOS (São Paulo,
1975, 1976 e 1977) e lançar-se avidamente sobre alguns trabalhos. Um primeiro grupo de leituras deveria
abranger o Manifesto do Partido Comunista (vol. 3, pp. 7-51), a "Mensagem do Comitê Central à Liga
dos Comunistas" (idem, pp. 83-92) e o ensaio clássico de Engels, intitulado Do Socialismo Utópico ao
Socialismo Cientffico (vol. 1, pp. 5-60). O segundo grupo de leituras deveria ser dedicado a um exercício
que faz falta mesmo a marxistas treinados, seja como "profissionais da revolução", seja como teóricos do
"modo de produção": os ensaios devotados à explicação das revoluções do século XIX. Seria bom
começar comA Guerra Civil na Fran{a (vol. 1, pp. 155-219), passar por As Lutas de Classes na Fran{a
de 1848 a 1850 (vol. 3, pp. 93-198) e por O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (idem, pp. 199-285),
completando pelo famoso estudo de F. Engels As Guerras Camponesas na Alemanha (São Paulo,
Editorial Grijalbo, 1977). Essa soma de leituras permitirá chegar à "natureza íntima" da revolução
proletária - como ela nasce, se desenvolve e poderá atingir seu apogeu na sociedade capitalista. Com a
vantagem de tomar-se, em profundidade, a relação do proletariado tanto com a revolução burguesa em
ascensão, quanto com o "terrorismo burguês" e a reação do capital.
Para ampliar o horizonte político do leitor e saturá10 com os temas que dizem respeito à crítica
marxista do "oportunismo", do "gradualismo" e do "reformismo" e, ao mesmo tempo, às vias concretas
da revolução, indicaria cinco leituras fundamentais. Primeiro, um brilhante ensaio de Rosa Luxemburgo,
contido em RefOrma ou Revolu{ão? (São Paulo, Editora Flama, 1946, pp. 9-96) e o pequeno livro
doutrinário de Kar! Kautski, O Caminho do Poder (São Paulo, Editora HUCITEC, 1979). Trata-se do
verdadeiro debate marxista: o que deve prevalecer - a conciliação ou a luta de classes, voltada para a
conquista do poder pelas classes trabalhadoras? Segundo, pelo menos três obras importantes de Lenin,
Que Fazer? (São Paulo, Editora HUCITEC 1978), A Revolu{ão Proletária e o Renegado Kautski (São
Paulo, Gráfico-Editora Unitas Ltda., 1934) e ADoença Infantil do Esquerdismo no Comunismo (Vitória,
1946). Estas leituras permitem ir dos "casos clássicos" para os "elos débeis" e salientam a necessidade de
não dogmatizar a via revolucionária. O capitalismo e o imperialismo geram o "desenvolvimento
desigual" e "combinado", ou seja, uma via difícil que torna a necessidade do socialismo ainda mais
imperiosa na "parte atrasada" do mundo capitalista. Terceiro, embora tenha ficado de lado a questão da
"técnica revolucionária", seria útil pelo menos introduzir uma leitura sobre o assunto. O pequeno livro de
Victor Serge, Lo que todo revolucionario debe saber sobre la represión (México, Ediciones .Era, 1972; a
edição original é de 1925) parece muito apropriado. Os que pensam que "a revolução se tornou
impossível" por causa da repressão terão de mudar de idéia. Toda revolução precisa criar seu espaço
político próprio, o que é um desafio especial no que respeita à revolução proletária, que só se desencadeia
e deslancha após a conquista do poder (e não antes). Por isso, enfrentar e vencer o terrorismo de Estado
nunca é fácil, esteja-se na Rússia tsarista ou em países da América Latina da época atual.
O "grande debate", para muitos, está na inviabilidade da revolução proletária sob o
capitalismo financeiro e imperialista. Parece, a muitos, que o Estado capitalista abre-se para baixo e
resolve pelo menos os problemas e as necessidades centrais da massa da população trabalhadora. Além
disso, esse capitalismo teria criado um Estado democrático que permitiria uma cultura cívica acessível
não só à participação operária mas, ainda, a um amplo controle do poder político estatal pela "maioria". A
vasta gama de assuntos pode ser apreciada em André Gorz, Estratégia Operária e Neocapitalismo (Rio
de Janeiro, Zahar Editores, 1968, esp. pp. 9-25) e, de uma forma mais refinadamente doutrinária, em N
orberto Bobbio e outros, O Marxismo e o Estado (Rio de Janeiro, Graal, 1979) e em Eurocomunismo e
Estado, de Santiago Carrillo (Rio de Janeiro - São Paulo, D IFEL, 1978). No livro organizado em função
de Bobbio aparece, aqui e ali, uma defesa coerente da "tradição" marxista. No entanto, convém tomar
uma posição de luta intransigente, que defenda uma postura verdadeiramente revolucionária dentro do
marxismo. Dois livros respondem, de forma diferente, a essa necessidade: Étienne Balibar, Sobre La
Dictadura dei Proletariado (México, Siglo Veintiuno Editores, 1977) e Ernest MandeI, Crítica do
Eurocomunismo (Lisboa, Antídoto, 1978). Os dois livros são igualmente esclarecedores. O primeiro
revitaliza a versão marxista-Ieninista da revolução; o segundo realiza uma excursão complexa sobre as
várias vias da socialdemocratização do comunismo. Por isso, tornam-se tão importantes para os que não
vêem outra saída para a crise do capitalismo que a indicada por Marx e Engels no Maniftsto.
Quanto à América Latina e ao Brasil, apresento uma extensa bibliografia em A Revolução
Burguesa no Brasil (Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975). Há evidente interesse, por exemplo, em se
aproveitar ensaios como os de Manuel Castells, Ruy Mauro Marini ou Carlos Altamirano sobre a
revolução chilena. Todavia, até o presente, apenas Cuba logrou romper o rosário das pseudo-revoluções e
das revoluções "interrompidas" das classes dominantes. Por isso, o caso da Revolução Cubana merece
atenção especial do leitor. Como ponto de partida, poderia usar o meu pequeno livro Da Guerrilha ao
Socialismo: A Revolução Cubana (São Paulo, T. A. Queiroz, Editor, 1979). O capítulo lII, especialmente,
oferece uma boa base factual e interpretativa para a comparação de Cuba com outros países da América
Latina e para se entender como os guerrilheiros foram beneficiados e souberam aproveitar uma situação
revolucionária que se constituiu e se agravou ao longo de uma larga evolução histórica. A bibliografia
concatenada no fim do livro deve ser aproveitada seletivamente pelo leitor. Como se trata de uma
combinação singular de situação revolucionária e revolução, recomendo insistentemente a todos os que
queiram aprofundar seu conhecimento sobre as revoluções proletárias de nossa época que leiam com
cuidado (e que releiam) as principais obras sobre a Revolução Cubana.

sexta-feira, setembro 30, 2011

Somos todas Anaydes



Se somos Anaydes
já sabemos nosso estigma
E se somos mulheres
na pequena Paraíba,
sentimos o peso desse sexo.

Coragem é nossa lida.
Batom Vermelho, saia curta.
Labuta que não tem fim!

Punho esquerdo fechado.
Para luta!
Mão direita estendida...
Para o amor!

Se é dor que sentiremos
bravamente enfrentamos.
Nosso sexo, nosso gênero
nos define, nos inquieta
à resistir...

Se somos todas Anaydes,
que venha a revolução!
A verdadeira, a nossa.

Se corpos ficarem
estendidos no chão
só importa se estarão
sangrando...
ou gemendo de tesão.

Priscilla Marx

Sobre os socialistas!

‎"Os socialistas não são, como muitos insistem, equivalentes dos dinossauros em busca de nova glaciação. Ao contrário, detêm os meios de análise dos processos que estão em efervescência e, ao mesmo tempo, lutam pelas alternativas que restam à humanidade em virtude da incapacidade do capitalismo de responder positivamente às exigências mínimas do viver coletivo com dignidade"

Florestan Fernandes

quarta-feira, setembro 28, 2011

ESTA LUTA NÃO É FÁCIL



Esta luta não é fácil,
Mas tem que acontecer:
A mulher organizada
Tem que chegar ao poder!

Vamos juntas, companheiras,
Vamos botar pra valer:
Vamos quebrar as correntes
Do machismo e do poder!

Sem a mulher neste mundo
Seria triste de mais:
Não nascia gente nova
E o mundo não tinha paz.

A mulher nasceu pra ser
Pelo homem bem amada,
Ser amiga e companheira
Não pra ser discriminada!

Somos gente, somos força
Temos que ter igualdade –
Ao lado dos homens fortes
Transformar a sociedade!

Vamos conquistar o espaço
Que tem no mundo pra nós,
Chefiar os sindicatos
E na política ter voz!

(Nazaré Flor, 2002; 29)

Dia 28 de setembro: Dia Latino Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto e Descriminalização das Mulheres. A ENESSO na luta em defesa do direito das Mulheres!

Dia 28 de setembro: Dia Latino Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto e Descriminalização das Mulheres. A ENESSO na luta em defesa do direito das Mulheres!
Mulheres no Brasil estão sendo condenadas, perseguidas e humilhadas por recorrerem à prática do aborto. Nossa legislação sobre isso data do século passado, de 1940, e criminaliza e condena quem praticou/pratica o aborto, ou quem foi cúmplice, direcionando assim as mulheres para o caminho da clandestinidade já que não é pelo fato do aborto ser criminalizado que ele não acontece na sociedade. Assim, a criminalização condena às mulheres ao caminho da clandestinidade, e as associam a graves riscos para as suas vidas, sua saúde física e psicológica.
Porém, esse caminho da clandestinidade não é igual para todas, as que possuem recursos financeiros para pagar clínicas que possam realizar o aborto tem condições de fazê-lo sem graves riscos a sua vida, mas quando consideramos que o grande contingente a recorrer a esta prática de interrupção da gravidez tratam-se de mulheres pobres, negras e jovens, temos de considerar que os meios são em sua grande maioria precários e inseguros. Assim, podemos considerar que as consequências graves de uma interrupção de gravidez para as mulheres, têm raça, classe e geração bem delimitadas.
Grupos ultraconservadores e fundamentalistas religiosos são os que mais se posicionam publicamente e, influenciam o conjunto da sociedade a serem contra a legalização do aborto e a descriminalização das mulheres. E porquê?
Porque historicamente a religião e o patriarcado cercearam, e impediram a liberdade de autonomia e autodeterminação das mulheres sobre a sua própria vida, sobre o seu corpo e seus afetos. E que a estas, colocaram a maternidade como um instinto e obrigação para a realização do ser mulher.
A partir desse fundamento moral religioso e patriarcal que influencia o conjunto da sociedade, as leis e o Estado, o que tem-se é a punição e a prisão das mulheres, ao invés de sua garantia de direitos e de sua proteção como cidadãs. Nenhuma mulher faz aborto porque gosta. Um aborto acontece porque, naquele momento é a única saída frente a uma gravidez indesejada. As mulheres que desejam evitar a gravidez devem ter garantido o planejamento reprodutivo, e as que necessitam interromper uma gravidez indesejada deve ser assegurado o atendimento ao aborto legal e seguro no sistema público de saúde.
As mulheres têm o direito de decidir se querem ou não ser mães. A maternidade deve ser uma opção, e não uma obrigação e muito menos um castigo. As mulheres são seres humanos e devem ter o direito de tomar decisões sobre sua vida e sua autonomia.
A Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESSO, o Conjunto CFESS/CRESS (Conselho Nacional e Regionais de Serviço Social), e o movimento de mulheres entendem que é inaceitável a morte de mulheres por aborto. O Estado tem que proporcionar todas as condições para que a mulher que decide pelo aborto possa fazê-lo no serviço público com segurança, lembrando que o aborto já é legalizado no Brasil em casos de estupro, risco de morte da mãe, e anencefalia do feto.
A Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESSO encampa essa luta de se ter educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar, aborto legal para não morrer.  Por termos o referencial na liberdade como valor ético central e na emancipação humana por um mundo onde sejamos socialmente iguais e substancialmente livres, reforçamos e defendemos que nenhuma mulher deve ser presa, maltratada, humilhada ou perseguida por ter feito aborto!
Por um mundo em que todas as Mulheres, e os seres humanos sejam autodeterminados e possam exercer a sua liberdade de fato!
Aborto: as mulheres decidem, a sociedade respeita, o estado garante!
Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – ENESSO
Gestão 2011/2012

segunda-feira, setembro 26, 2011

Tese mostra como falta de mão de obra afeta o crescimento do Brasil.


Tese mostra como falta de mão de obra afeta o crescimento do Brasil


Estudo inédito revela gargalos na área da educação profissional

CARMO GALLO NETTO
Pesquisa inédita que traça um diagnóstico da política e do sistema de educação profissional brasileiro comprova que a economia enfrenta efetivamente uma crise de mão de obra qualificada que pode inviabilizar nos próximos anos a chegada do Brasil à posição de quinta econômica do planeta, como vem sendo vaticinado pelos últimos governos. Os dados mostram que além da ausência de uma política educacional adequada, os investimentos em educação formal e profissional são incompatíveis com as pretensões de um sistema econômico que aspira às primeiras posições na economia mundial. O estudo deu origem à tese de doutorado de Carlos Antonio Gomes apresentada ao Departamento de Ciências Sociais na Educação da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e foi orientado pelo professor Waldir José de Quadros, do Instituto de Economia (IE).
Motivou-o as queixas oriundas do sistema produtivo, que o autor ouvia desde 2000, referentes à grande escassez de mão de obra qualificada que dificulta a competitividade do país no mercado internacional.
Já no mestrado iniciado em 2006, o pesquisador abordou as deficiências do sistema educacional em todos os níveis, desde o ensino básico até inclusive as universidades. No doutorado, focou a educação profissional, mais especificamente orientada para o trabalho. “Desde o início dos meus estudos, ponderei que se no Brasil os níveis de investimentos na formação profissional são tão baixos mais cedo ou mais tarde, quando a economia voltasse a crescer, ocorreria um desequilíbrio entre a oferta e a procura por mão de obra” lembra.
 
Segundo ele, o trabalho constitui o primeiro diagnóstico desse tipo de educação porque até então se faziam apenas estudos de casos nas empresas ou análises bibliográficas. Pondera que o estudo tornou-se viável porque, em 2007, na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), que é realizada a cada cinco anos, o IBGE incluiu pela primeira vez a coleta de informações sobre a educação profissional, da qual resultou uma extensa publicação de dados que demandavam análise: “Essa foi a minha referência inicial e principal” diz.
Constatou então que em 2007 a população economicamente ativa (PEA) – aquela que trabalha ou busca por emprego – era constituída por quase 100 milhões de pessoas. Desse contingente, o sistema de educação profissional matriculava anualmente apenas 3,9%. Em relação à população em idade ativa (PIA), essa porcentagem cai para 2,51% enquanto os 27 países da União Européia (UE) conseguem matricular em média quase 10%, o que evidencia a defasagem brasileira.
Gomes constata que, com o crescimento da economia brasileira, os empregos virtuosos, atrelados aos melhores salários, estão aparecendo e com eles as chances de mobilidade social, que acaba relativamente restringida pela falta de mão de obra qualificada que o sistema de educação profissional não consegue resolver.
Fontes
Predominantemente documental, a pesquisa utiliza para comparações bancos de dados europeus como os da Comissão Européia para a Educação e Cultura da UE e do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop) que atestam a importância atribuída a essa formação no continente. Ele consultou ainda relatórios da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Sistema Nacional de Emprego (Sine), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), do Ministério da Educação (MEC), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (Ipea).
Analisou também documentos produzidos por quatro das onze instituições que constituem o Sistema S, ligadas ao patronato – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Agrícola (Senar) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) – que formam, respectivamente, mão de obra para indústria, comércio, agricultura e transportes. Deparou-se então com a grande dificuldade dessas instituições em se adaptarem às mudanças econômicas e tecnológicas, pois oferecem ainda os mesmos cursos do final do século passado. Constata que elas perderam o caráter sistêmico que detinham do século passado, apresentam redução proporcional de matrículas ano a ano e queda progressiva na qualidade de ensino. Vê isso como consequência da ausência de visão estratégica e da falta de percepção das modificações econômicas e dos meios de produção que se revelam cada vez mais sofisticados.
Enquanto a estrutura de financiamento público – o Sistema S e as instituições públicas – ofertam apenas cerca de 40% vagas, as escolas privadas proliferam oferecendo em geral uma educação de baixa qualidade. Para o pesquisador, o modelo mais bem desenhado está em São Paulo com o Centro Paula Souza, que detém uma estrutura maior que a Rede Federal gerenciada pelo Ministério da Educação. E enfatiza: “Esse é um modelo para o Brasil. O sistema privado tem em geral qualidade ruim, embora existam nichos de excelência como o Centro Salesiano, que constitui um estado da arte na formação profissional e consegue conjugar excelência e preços acessíveis”.
Carências
A carência de mão de obra qualificada é evidenciada por meio de dados divulgados por instituições como a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro em pesquisa em 2009; a Confederação Nacional da Indústria em trabalhos divulgados em 2007 e 2011; a Fundação Dom Cabral e o Observatório Nacional do Software.  O autor considera que a crise de mão de obra qualificada seria inexorável em decorrência das deficiências do sistema educacional produzirem incompatibilidades com os atuais níveis de crescimento econômico.
Apesar de o governo alimentar a crença de que em breve o país atingirá a posição de quinta maior economia do mundo, existem, segundo o autor, gargalos como os transportes, logística, saúde, habitação, educação que impedirão o salto pretendido. “O meu trabalho mostra que, dentre tantos gargalos apontados pelos estudiosos, a falta de mão de obra qualificada constitui provavelmente a questão mais crucial. Para chegar à posição pretendida, além de commodities, o Brasil precisa exportar bens manufaturados e para tanto necessita de uma indústria sofisticada que agregue valor às mercadorias e cuja implantação depende de políticas estratégicas e de mão de obra altamente qualificada”, afirma.
Para o pesquisador, o tema da educação profissional foi relegado durante muito tempo pela universidade brasileira: “Acho que está na hora de a academia se interessar mais por um problema que é social. É importante discutir como a sociedade produz a riqueza e como ela está atrelada à qualidade humana. No Brasil, a formação profissional é olhada com certo preconceito pela academia, o que não ocorre nos países dinâmicos”.
Para que a União aumentasse as suas despesas educacionais, alerta ele, seria necessário que ela diminuísse o pagamento dos serviços de juros e amortizações da sua dívida que, em 2010, representou 44,93% do seu orçamento. Como isso afetaria os interesses do capital financeiro, há muita pressão por parte dos grandes bancos para que o governo não eleve as despesas com educação, diz ele, que acrescenta: “Essas pressões, às vezes, se revelam dissimuladas quando essas instituições financeiras patrocinam pesquisas duvidosas que levam à conclusão que o Brasil estaria vivendo um excesso de qualificação ou uma ‘inflação de diplomas’ e não carência de mão de obra qualificada”.
Conclusões
A constatação mais importante do trabalho é a de que a economia do século XXI mudou e é totalmente diferente da praticada no século anterior. Os países preocupados com o crescimento consideram o conhecimento essencial e estão investindo nele. Em vista do panorama descortinado no estudo, Gomes considera pouco provável que o Brasil dê o salto pretendido principalmente por não possuir uma política estratégica para a educação formal e em particular para a educação profissional. Para ele, esse provavelmente será o grande gargalo que impedirá o avanço do país na economia internacional.
As empresas buscam cada vez mais profissionais qualificados e os trabalhadores sentem necessidade da qualificação exigida pelo mercado. A ausência do Estado abre espaço para a iniciativa privada, que cresce muito, mas em geral com pouca qualidade.  Para o pesquisador, até o inegável processo de mobilidade social que vem acontecendo poderia ser acelerado se houvesse um sistema que habilitasse os trabalhadores com baixa qualificação para preencher as vagas virtuosas, de melhor remuneração.  Alem disso, as deficiências apontadas afetarão a exploração de petróleo na camada do pré-sal, a reativação da indústria naval e o projeto em andamento de revitalização das Forças Armadas.
“Espero que o Brasil, como se ouve dizer, deixe de ser o país que não perde oportunidade de perder oportunidade. A minha tese faz um alerta: vamos ver se desta vez fugimos a este comportamento, porque já são muitos os países que iniciaram ou se preocupam com reformulações no sistema educacional e todos eles serão nossos competidores”. 
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Publicação
Tese: “A qualificação resignada. A má formação da força de trabalho como um problema estrutural do desenvolvimento brasileiro”.
Autor: Carlos Antonio Gomes
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Autor sugere mais investimentos
Carlos Antonio Gomes diz que não há como o Estado promover uma reforma na formação profissional sem uma profunda reestruturação do sistema educacional, o que o leva a algumas sugestões: elevar as despesas públicas para a educação formal e profissional a 15% do orçamento do Estado, considerando a somatória de recursos da União, dos estados e das prefeituras; garantir que no máximo em uma década 80% da população em idade ativa conclua o ensino médio; erradicar o analfabetismo; tornar atrativas as carreiras docentes em todos os níveis de ensino de forma a atrair talentos; tornar o sistema público educacional em todos os níveis inclusivo e qualitativo; manter sistemas avaliativos capazes de mensurar a qualidade da educação.
Particularmente em relação à educação profissional, ele defende o estabelecimento de um porcentual mínimo do orçamento destinado a ela pela União e estados; a elaboração de um quadro brasileiro das qualificações; a exigência da conclusão do ensino médio como requisito para ingresso na educação profissional; e a priorização da educação tecnológica.

 
Fonte: http://www.unicamp.br/

sábado, setembro 24, 2011

Alguns pontos para a reflexão sobre o cenário das eleições para o DCE UFPB e o movimento estudantil em nossa universidade

Escrevo esse conjunto de considerações como uma forma de

contribuir para os debates que se colocam, de forma ainda 


incipiente, sobre os rumos da nossa entidade representativa.

1. De forma bastante genérica, os direcionamentos presentes no conteúdo das cartas-programa que as chapas devem apresentar expressam um determinado horizonte político, uma idéia pré-concebida do papel e das tarefas que o movimento estudantil deve cumprir. Se, por um lado, a disputa é essencialmente ideológica, por outro, precisamos dar respostas às contradições que se apresentam no cotidiano estudantil de forma mais concreta. Nesse caso, o nosso esforço deve ser o de traçar, a partir das mais diversas possibilidades de intervenção, as relações existentes entre a realidade parcial (que muitas vezes se apresenta de forma individualizada) e o contexto sócio-político mais amplo no qual estamos inseridos enquanto estudantes. Isso, em primeiro lugar, é o que deve animar a militância de esquerda no ME: a crítica implacável da sociedade capitalista e do papel que ocupa a educação nessa sociedade, bem como apontar um projeto alternativo, em que a educação seja tratada como um direito e a sua orientação não seja a do mercado, mas a dos interesses das maiorias sociais.

2. Reconhecendo o momento das eleições como possibilidade de um diálogo amplificado com a comunidade estudantil e compreendendo o DCE como articulador privilegiado das pautas de luta do movimento geral, coletivos e militantes se organizam em chapas para a disputa da entidade. Nesse sentido, é legítimo que cada coletivo de militantes possa debater entre si e em conjunto com os demais coletivos, se assim desejarem, a fim de conformar alianças e definir uma plataforma comum.

3. Para o pleito de 2011, estão inscritas quatro chapas. Entre elas, duas apresentam um perfil de esquerda e tem entre os seus membros estudantes comprometidos com a defesa da educação pública: “O novo pede passagem – por um DCE livre” (ANEL + ind.) e “Cantamos, gritar só não basta” (MLevante+Mudança+UJR+ind.). Outras duas apresentam o que há de mais conservador no movimento estudantil: pequenas constelações de estudantes financiados por caciques políticos locais e movidos pelo interesse de controlar o montante de recursos provenientes das carteiras de estudante. A chapa “Juntos somos mais”, especificamente, representa uma possibilidade real de a direita retomar o controle do DCE. A existência de uma direita organizada e articulada em diversos cursos e centros acadêmicos é um elemento que deve pesar em qualquer avaliação e definição da tática eleitoral.

4. Qualquer avaliação da gestão “Viramundo” – que representou uma aliança pontual contra a direita - deve ser capaz de ultrapassar o falso entendimento de que o principal fator que causou a estagnação política e o descrédito da gestão tenha sido o peso negativo da força X ou Y. Para uma avaliação serena e menos enviesada, proponho admitir que os companheiros que estiveram livres do processo de confecção das CIEs (me refiro especificamente aos membros da Viramundo em JP, uma vez que os companheiros do LN e BN representaram o “saldo positivo” da gestão) não foram capazes de imprimir um ritmo de militância e nem de criar espaços atrativos de diálogo com os coletivos / CAs/DAs. Quando isso aconteceu, não tivemos pernas pra dar continuidade ao diálogo e nem a necessária firmeza na consolidação desses espaços.

5. Obviamente, o caráter de uns poucos bons militantes abnegados não seria capaz de resolver todos os problemas que acumulamos enquanto movimento. Existe – isso não apenas na UFPB – uma forte tendência à fragmentação das lutas e um descrédito generalizado nas saídas coletivas para as questões que enfrentamos na contemporaneidade. Soma-se a isso o fato de que toda uma nova geração de estudantes não tenha vivenciado experiências que os colocassem de frente com os seus pares de outros cursos na perspectiva de construir o que chamamos de movimento geral, a não ser em questões muito pontuais. Há uma ausência de referencial para a maior parte dos estudantes, uma vez que as instâncias “oficiais” do movimento estudantil, como o conselho de entidades, são frágeis. Basta observar que, ao contrário do que acontece em outras universidades, com o conselho de entidades servindo como espaço de reflexão e articulação política entre os CAs/DAs/Coletivos e militantes, na UFPB, o conselho existe apenas para formalizar processos burocráticos. Para estarmos à altura dos desafios colocados, precisamos ser capazes de resgatar nossa capacidade de reflexão e engajamento coletivo: é necessária uma nova cultura de movimento estudantil.

6. Enquanto fiz parte, com valoros@s companheir@s, do Movimento Levante, defendi uma proposta no sentido de reeditar e ampliar a chapa “Viramundo” para o conjunto dos coletivos que mantiveram bom diálogo com a gestão ou alguma de suas forças. Minha defesa partia do entendimento de que, apesar de diferenças significativas (especialmente entre os coletivos mais bem representados na gestão e no movimento – ML e ANEL) em momentos importantes, como durante o movimento #contraoaumentoJP, as divergências poderiam ser dirimidas através do debate político fraterno. A cisão definitiva provocada durante o COEBE do dia 10/6 – e o conjunto de versões que povoam o imaginário do ME - causou uma dispersão danosa ao conjunto do movimento estudantil. Levanta muros entre militantes, enquanto o que devíamos fazer era um esforço no sentido de construir pontes. Avalio que a condução dessa política – materializada numa carta de denúncia contra o estudante Carlisson, militante do PSTU e da ANEL, assinada pelo ML/UJR/Mudança - foi equivocada e uma das principais causas – ao lado de alguns desentendimentos ao longo da gestão (não apenas envolvendo a ANEL, mas envolvendo também posicionamentos do Mudança) - do cenário que temos hoje, criando uma situação praticamente irreversível a curto prazo: o prazo das eleições. Não vou me alongar nesse assunto, mas considero que era imprescindível uma conversa anterior com a ANEL na presença de Carlisson, além da instauração de um procedimento que fosse capaz de averiguar uma denúncia desse porte. Nenhuma dessas condições foi satisfeita e eu considero que há certa razoabilidade em não agir pela fé num caso de tamanha seriedade. Vale lembrar que o PSTU apresentou uma proposta para que as denúncias fossem averiguadas por uma comissão de entidades que se dispusessem a fazê-lo, sem ter recebido resposta alguma.

7. Outro ponto importante para a reflexão foi a ausência de um critério que representasse de forma mais fiel a correlação de forças do ME na escolha da comissão gestora. A aliança pontual firmada entre o ML e a direita para essa composição momentânea manda uma mensagem de pragmatismo ao conjunto do movimento. O critério de composição por representação dos centros e dos campi da UFPB possibilitaria maior legitimação da comissão gestora e uma transparência maior do processo de emissão das CIEs. A exclusão de uma parcela expressiva do ME é uma das causas para que um dos alvos quase que naturais dessa campanha sejam os membros da comissão gestora e os coletivos aos quais pertencem. Em última instância, a descrédito da entidade frente aos estudantes e sociedade enfraquece todas as forças comprometidas com a luta social dentro da universidade pública e fortalece o discurso da gerencial da direita. Dar uma maior publicidade aos trabalhos da comissão, apresentando documentos e notas públicas (não apenas na internet, mas nos muros da universidade), poderia ter alterado significativamente os embates em torno da entrega ou não-entrega das CIEs.

8. Algumas iniciativas apontam elementos fundamentais para a superação do atual estado de fragmentação, descrédito e imobilismo. O chamado de algumas entidades para a conformação de um comitê estadual da campanha pelos 10% do PIB pra educação apresenta uma possibilidade real de articular, em torno de pautas bastante concretas, um bom número de estudantes. A realização, por parte de alguns coletivos, do “1º Festival Interdisciplinar de Arte, Sociedade e Cultura” dá continuidade à uma tradição do ME nacional e também do ME UFPB em pensar a arte como um instrumento da emancipação humana. Dessa forma, dialogamos com outras linguagens e expandimos o horizonte de nossa intervenção. Essas duas iniciativas podem e devem ser tomadas como exemplo, mas precisamos ampliar a representatividade. Se quisermos fazer diferença na UFPB e disputar os rumos dessa universidade, não podemos nos conformar com o pouco que somos. Precisamos ser muitos mais a criticar, formular, organizar.

9. No início desse semestre, os rumores de uma greve docente deixaram muitos de cabelo em pé. Para o movimento estudantil, a possibilidade de deflagração desse movimento colocou a necessidade de estabelecer, novamente, o diálogo entre as partes então divorciadas. Não apenas entre @s que compuseram a gestão, mas entre tod@s @s que acompanham a confusão que chamamos de movimento geral. Dessa forma, surgiu (e já foi praticamente suspenso, com o fim da movimentação docente e o início do período eleitoral) o “Fórum Estudantil em Defesa da UFPB pública e de qualidade”. De forma geral, chegamos ao entendimento de que era necessário estabelecer uma pauta conjunta de professores, TAEs e estudantes. Um embrião para a disputa de projetos para a universidade pública brasileira. Acredito que, em conjunto com alguns professores que se mostraram dispostos e técnico-administrativos, esse Fórum deva ser resgatado e estar entre as nossas prioridades. A crise na educação veio para ficar e precisamos estar preparados para enfrentá-la assim que bater à nossa porta com maior intensidade (outra vez).

10. Feitas essas considerações, quero declarar que não apoio nenhuma das chapas que concorrem à direção do DCE UFPB nesse ano de 2011, apesar de considerar o processo eleitoral legítimo e visualizar companheir@s de luta em duas chapas. Não apóio “O novo pede passagem”, pois considero a chapa representativa apenas de uma força, tendo como tarefa principal a consolidação e a propaganda da ANEL na UFPB. Não apóio a “Cantamos” porque, embora eu tenha identificação com muit@s companheir@s que a compõem, não estive inserido no processo de construção de seu programa e acho que a inclusão do Movimento Mudança na chapa hoje é, além de desnecessária, prejudicial à construção de uma política independente frente ao DCE. Qualquer pessoa lúcida é capaz de compreender que a vinculação direta de um militante ao governo através de uma nomeação política o torna dependente dos interesses de quem o indicou para determinado cargo. No caso do Movimento Mudança, a própria leitura que eles apresentam da realidade política e da educação no Brasil vai de encontro aos embates que o ME combativo travou contra o processo de Reforma Universitária “fatiada” em MPs, como a do PROUNI, Reuni, Lei de Inovação Tecnológica... Todas essas medidas passaram sem o mínimo debate com a sociedade e foram empurradas goela abaixo. A realidade é inconciliável com a leitura de que esse governo substituiu a repressão pelo diálogo. Não é verdade. Basta ver de que forma o governo tem tratado as greves do funcionalismo público, buscando restringir o direito a lutar por direitos. Além do mais, como acompanhamos durante o processo de negociação entre as forças para a composição de chapas, o Movimento Mudança declarou que estaria em negociação, também, com as forças que compõem, hoje, as chapas da direita. Afinal, que organização é essa que considera montar chapa com grupos da direita do ME?

11. Quero expressar, também, a disposição em construir processos que coloquem o ME UFPB em condições de realizar os enfrentamentos necessários contra a política educacional neoliberal e as estruturas antidemocráticas da universidade. Isso não é tarefa de uma paróquia só, mas do conjunto do movimento. Um debate eleitoral fundamentado nas bandeiras históricas do ME – assistência estudantil, financiamento da educação, democracia nas instâncias deliberativas da universidade, qualidade do ensino, função social da universidade, etc – é um bom começo.

Um forte abraço,

Hector Ferreira G. S. Abdal (militante do Centro Acadêmico de Ciências Sociais “Florestan Fernandes”, do Coletivo Nacional Levante e do Partido Socialismo e Liberdade)

Ou o movimento estudantil formula um projeto e táticas de ação ou....

O movimento estudantil já teve em dias melhores! Não vou aqui entrar no mesmo discurso de que o ME precisa voltar a década de 80... Não! Nosso tempo é hoje, é agora!

O movimento estudantil, assim como todos os outros movimentos sociais, estão numa crise organizacional, o que vemos hoje são fatos espontâneos, de maneira tão rápida que poucos são os saldos políticos da luta. Essa crise organizacional é fruto, de certa forma, de vários motivos, entre eles o neoliberalismo, a reestruturação produtiva etc.

Chegando ao ponto.. o ME hoje não consegue formular um projeto de universidade. Por exemplo, nas eleições do DCE da UFPB via-se claramente as pontualidades nas cartas propostas, uma coisa tão longe, abstrata, o estudante nem lê, nem lerá!

Minimamente o ME na atualidade está conseguindo formular ações concretas e de um projeto no horizonte estratégico com o debate sobre Universidade Popular, que infelizmente não agrega.

Apesar de todas as ressalvas com relação ao SENUP (Seminário Nacional de Universidade Popular) esse era o espaço de avançar nas discussões, mas o que não ocorreu como esperava-mos (isso que me disse foi grandes companheiros, já que eu não fui, mas até pelo o que li). E ainda grupos de esquerda só fazem criticar o espaço falando que foi auto-construção da UJC, PCB e afins. Será? Como se o EIV não fosse também esse espaço pra Consulta Popular, como se a ANEL não fosse esse espaço pro PSTU, como se a UJS não fosse esse espaço pro PCdoB... enfim, isso é polêmico e não vou me deter a isso (mas eu adoro uma polêmica).


Hoje o movimento estudantil parece um bando de estudantes brincando de capismo, personalismo e de maio de 68. É festa, rocks, maconha, bebida.. (isso sempre teve, né?) mas antes tinha o debate político, hoje , pelo menos na UFPB, parece um romance de novela do cordel encantado. Onde tem os bonzinhos e o maus.
os bonzinhos, os iluminados, os mais "politizados" fingem que tão debatendo política, quando na verdade é mais um guetto do ME. Os "maus" que são acusados pelos "bons" na verdade só fazem autoproclamação, e a direita mandando todo mundo pra puta que pariu pois eles não estão nem ai mesmo, só querem grana!

Enfim, ou se revoluciona esse ME, ou ele vai continuar o que é hoje, uma grande festa da pequena-burguesia que se acha revolucionária. Ah tah Claudia, senta lá!


rs

quarta-feira, setembro 21, 2011

Por todas as mulheres....




O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) produziu este vídeo para mobilizar as mulheres brasileiras à defesa dos direitos de todas as mulheres em escolher se devem ou não levar adiante uma gravidez indesejada. Essa campanha tem por objetivo defender a autonomia das mulheres e evitar as centenas de mortes provocadas por abortos inseguros no país.
Fonte: Universidade Livre Feminista - http://vimeo.com/15358185

domingo, setembro 18, 2011

Na PB e no RJ, saúde pública é violentada!!!



Parlamentares aprovam projetos de lei de 

privatização de política social. 

Votação da ADIN contra as Organizações Sociais 

passa a ser prioridade para
 
defesa do SUS



Na CMJP, manifestantes foram impedidos/as pelos/as seguranças de assistir à plenária (foto: reprodução PBTV)

Nessa última semana, entre os dias 13 e 15 de setembro, a saúde pública foi brutalmente violentada no estado do Rio de Janeiro (RJ) e na cidade de João Pessoa (PB). Em ambos os locais, parlamentares aprovaram projetos de lei que permitem a transferência da administração do serviço público de saúde para as Organizações Sociais (OS).

Nem mesmo a mobilização de fóruns populares de saúde, sindicatos e movimentos sociais foi capaz de impedir a aprovação dos projetos. Os/as manifestantes foram vítimas de agressões e impedidos/as de acompanhar a votação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e na Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP).

“Fomos recebidos com truculência pelos seguranças e impedidos de assistir à plenária que aprovou este crime contra a saúde pública de João Pessoa”, denunciou o conselheiro do CFESS, Marcelo Sitcovsky, que participou dos protestos em frente à CMJP nos dias 13, 14 e 15 de setembro, organizado pelo Fórum Paraibano em Defesa do Sistema Único de Saúde.

No projeto aprovado pelos/as vereadores/as, não só a Saúde, mas outras políticas sociais também poderão ser geridas pela iniciativa privada, como a Assistência Social, Cultura, Educação etc. “Sabemos dos prejuízos causados pelas Organizações Sociais. Elas contratam trabalhadores sem concurso público, adquirem bens e serviços sem processo licitatório, alijam a participação da sociedade civil, já que não possibilitam o controle social, e sucateiam os serviços públicos para obtenção de lucros maiores para estas empresas”, denunciou Sitcovsky.

O conselheiro do CFESS reforçou ainda que é fundamental garantir qualidade aos serviços prestados à população, e que isso só é possível com aumento de verbas públicas e uma gestão pública das políticas sociais.

A agressão à saúde na Paraíba pode ser ainda maior, já que tramita na Assembleia Legisltativa do estado (ALPB) uma medida provisória que também passa à iniciativa privada a administração da saúde pública estatal. 

Veja a entrevista de Marcelo Sitcovsky ao PBTV, da Rede Globo

Veja vídeos da ação dos seguranças da CMJP que impediram que os/as manifestantes participassem da sessão 

O conselheiro do CFESS, Marcelo Sitcovsky, critica a aprovação do projeto que vai sucatear a saúde pública de João Pessoa (foto: reprodução PBTV)

No Rio de Janeiro, o governo “recebeu” manifestantes contrários/as à privatização da saúde com sua famosa tropa de choque da Polícia Militar. Segundo a assistente social e integrante do Fórum de Saúde do Rio, Juliana Souza Bravo de Menezes, que participou dos protestos, os policiais usaram spray de pimenta e, claro, muita violência. “A tropa de choque já estava preparada desde cedo, bem como a segurança da Assembleia, a mando do governador do RJ, Sérgio Cabral, e do presidente da Alerj, Paulo Melo. Tudo isso para evitar que a população frequentasse as galerias da Assembleia. Tentamos negociar a entrada de um número maior de trabalhadores/as do que as 20 senhas fornecidas. E como resposta, fomos brutalmente agredidos/as”, relatou Juliana.

Ainda segundo a assistente social, representantes do Fórum do RJ e da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde estavam se reunindo, há pelo menos uma semana, quando o projeto entrou na pauta da Alerj, com os/as deputados/as para mostrar os prejuízos causados pelas OS. “Mas parece que o governo do RJ e grande parte do Legislativo querem transformar a Saúde em um balcão de negócios”, completou.  

Em nota divulgada em seu site oficial, o CRESS-RJ manifestou repúdio à ação contra os/as manifestantes, “que ali exerciam o seu direito político de se organizar e de expressarem sua opinião”. “A gestão de saúde por OS representa a privatização da saúde pública, no contexto da contrareforma do Estado, uma vez que essa passa a ser gerida pela lógica do mercado, e não pela garantia dos direitos humanos”, afirmou o Conselho Regional.

Veja vídeo do tumulto causado pelos seguranças da Alerj e pela tropa de choque do RJ

No Rio, a tropa de choque foi chamada para impedir a participação popular na Alerj (foto: reprodução do You Tube)

Votação pela procedência de ADIN contra a OS é fundamental
Há anos tramita no Superior Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1.923/1998 contra a Lei 9.637/1998, que legaliza a terceirização da gestão de serviços e bens coletivos para entidades privadas, mediante o repasse de patrimônio, bens, serviços, servidores e recursos públicos. Se a ação for considerada procedente pelo Supremo, a Lei 9.637/1998 se torna inconstitucional. Com isso, a Saúde e outras políticas sociais não poderão ser geridas por OS ou quaisquer outras entidades de direito privado, como fundações.

Em 2011, a ADIN entrou na pauta do STF por duas vezes, mas em ambas as ocasiões as votações foram interrompidas por solicitação de pedidos de vista para analisar melhor a matéria. Em 31/3, o pedido foi feito pelo ministro Luiz Fux, e em 19/5, pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Até o momento, somente o relator da ADIN, Ayres Britto, e Luiz Fux votaram, apontando a procedência parcial da Ação. Entretanto, o voto de Fux foi considerado bastante desfavorável, já que o mesmo desconsiderou todos os problemas que vêm sendo relatados em relação às OS, documentados no dossiê "Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil". No material, há uma série de reportagens denunciando as fraudes que envolvem os recursos públicos, os quais resultam na violação frontal ao princípio da Moralidade na Administração Pública, pela dispensa de licitação garantida às organizações sociais; os prejuízos à população, devido à ausência de controle social sobre as OS e o sucateamento dos serviços públicos para obtenção de lucros maiores para estas empresas; e a precarização das condições de trabalho e ausência de transparência na contratação de trabalhadores/as, abrindo um precedente para o clientelismo nesta contratação, suprimindo o caráter democrático do concurso público.

Desde 2010, o CFESS integra Frente Nacional contra a Privatização da Saúde (ou Frente contra as OS), formada por entidades, fóruns populares de saúde e movimentos sociais. Por esse motivo, o Conselho Federal vem convocar a categoria, mais uma vez, a ser signatária do abaixo-assinado contra a privatização da saúde e pela procedência da ADIN.

“Apoiar esta luta significa defender a qualidade nas políticas sociais e nos serviços por elas viabilizados. E falar em qualidade significa exigir condições éticas e técnicas de trabalho e efetivo financiamento das políticas sociais”, finaliza o conselheiro do CFESS, Marcelo Sitcovsky.

ACOMPANHE

Seja um/a signatário/a a favor da saúde pública no Brasil

Visite o blog "Pela Saúde", do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, envie e-mails para os/as ministros e veja os links para outros fóruns de saúde no Brasil 

Baixe o documento Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil

Conheça no site do STF a ADIN 1.923/1998

E RELEMBRE

Para salvar a Saúde: mobilização contra a privatização do SUS ganha força

Saúde agoniza enquanto ADIN não é votada

A saúde pública vai sobreviver à espera?

Frente contra privatização do serviço público se reúne com Ministro do STF, Ayres Britto

CFESS assina carta em defesa de serviço público de qualidade e pelo controle social


Conselho Federal de Serviço Social - CFESS
Gestão Tempo de Luta e Resistência – 2011/2014
Comissão de Comunicação
 
Rafael Werkema - JP/MG - 11732
Assessor de Comunicação
comunicacao@cfess.org.br

sexta-feira, setembro 16, 2011

O QUE É REVOLUÇÃO

Florestan Fernandes (1981)


1. O que se deve entender por revolução?

A palavra revolução tem sido empregada de modo a provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de "revolução institucional", com referência ao golpe de Estado de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a continuidade da revolução democrática (a palavra correta seria contra-revolução: mas quais são os contrarevolucionários que gostam de se ver na própria pele?). Além disso, a palavra "revolução" encontra empregos correntes para designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na natureza ou na cultura (coisas que devemos deixar de lado e que os dicionários registram satisfatoriamente). No essencial, porém, há pouca confusão quanto ao seu significado central: mesmo na linguagem de senso comum, sabe-se que a palavra se aplica para designar mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade.

Daí o contraste freqüente de "mudança gradual" e "mudança revolucionária" que sublinha o teor da revolução como uma mudança que "mexe nas estruturas", que subverte a ordem social imperante na sociedade. O debate terminológico não nos interessa por si mesmo. É que o uso das palavras traduz relações de dominação. Se um golpe de Estado é descrito como "revolução", isso não acontece por acaso. Em primeiro lugar, há uma intenção: a de simular que a revolução democrática não teria sido interrompida. Portanto, os agentes do golpe de Estado estariam servindo à Nação como um todo (e não privando a Nação de uma ordem política legítima com fins estritamente egoístas e antinacionais). Em segundo lugar, há uma intimidação: uma revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela extingue ou não tolera (em suma, golpe de Estado criou uma ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na realidade, o "império da lei" abolia o direito e implantava a "força das baionetas": não há mais aparências de anarquia, porque a própria sociedade deixava de secretar suas energias democráticas). No conjunto, o golpe de Estado extraía a sua vitalidade e a sua autojustificação de argumentos que nada tinham a ver com "o consentimento" ou com "as necessidades" da Nação como um todo. Ele se voltava contra ela porque uma parte precisava anular e submeter a outra à sua vontade e discrição pela força bruta (ainda que mediada por certas instituições).

Nessa conjuntura, confundir os espíritos quanto ao significado de determinadas palavras-chave vinha a ser fundamental. É por aí que começa a inversão das relações normais de dominação. Fica mais difícil para o dominado entender o que está acontecendo e mais fácil defender os abusos e as violações cometidas pelos donos do poder. O marco de 1964 (completado pelo apogeu a que chegou o golpe em 1968-1969) ilustra muito bem a natureza da batalha que as classes trabalhadoras precisam travar no Brasil. Elas precisam libertar-se da tutela terminológica da burguesia (isto é, de relações de dominação que se definem, na área da
cultura, como se fossem parte do ar que respiramos ou "simples palavras"). Ora, em uma sociedade de classes da periferia do mundo capitalista e de nossa época, não existem "simples palavras". A revolução constitui uma realidade histórica; a contra-revolução é sempre o seu contrário (não apenas a revolução
pelo avesso: é aquilo que impede ou adultera a revolução). Se a massa dos trabalhadores quiser desempenhar tarefas práticas específicas e criadoras, ela tem de se apossar primeiro de certas palavras-chave (que não podem ser compartilhadas com outras classes, que não estão empenhadas ou que não
podem realizar aquelas tarefas sem se destruírem ou sem se prejudicarem irremediavelmente). Em seguida, deve calibrá-Ias cuidadosamente, porque o sentido daquelas palavras terá de confundir-se,
inexoravelmente, com o sentido das ações coletivas envolvidas pelas mencionadas tarefas históricas.
No nível mais imediato, de luta pela transformação da sociedade brasileira no aqui e no agora,
a palavra "revolução" recebe um significado que não depende apenas do querer coletivo das classes
trabalhadoras. Toda sociedade de classes, independentemente do seu grau de desenvolvimento
capitalista, possui certas exigências econômicas, sociais, culturais, jurídicas e políticas. Certas
"transformações estruturais" (designadas separadamente como "revoluções" pelos analistas: revolução
agrária, revolução urbana, revolução demográfica, revolução nacional, revolução democrática) indicam
as aproximações (ou os afastamentos e negações dessas aproximações) com referência a potencialidades
de expansão da ordem burguesa. Uma sociedade capitalista que não realiza nenhum tipo de reforma
agrária e na qual a revolução urbana se confunde ou com a inchação, ou com a metropolização
segmentada, terá de estar em débito com a revolução demográfica, com a revolução nacional e com a
revolução democrática. Essas transformações são concomitantes e se regulam pelo grau de diferenciação
interna do sistema de produção propriamente dito. Pode-se dizer o que se quiser a respeito de tais
sociedades capitalistas: "Nações proletárias" ou "Nações de lúmpen-burguesias" - a verdade é que elas
possuem um enorme espaço interno para as revoluções dentro da ordem. Transformações, que foram
desencadeadas em outras sociedades capitalistas avançadas ("clássicas" ou "atípicas") a partir de
iniciativas das classes altas ou das classes médias burguesas, nelas terão de transcorrer a partir de
iniciativas das classes despossuídas e trabalhadoras: os condenados da terra têm o que fazer e, se eles não
fazem, a história estaciona (isto é, o capitalismo não gera dividendos que interessem e aproveitem à
Nação como um todo). Lembremos 1964: a revolução democrática é subitamente convertida numa
revolução antidemocrática.
Nesse nível, o conceito de revolução não aparece com uma especificidade histórica proletária.
Não se trata da revolução dos "outros" e para os "outros", pois as classes trabalhadoras e subalternas
possuem um enorme interesse direto e indireto no raio de revolução da sociedade burguesa. Acontece
que tempos históricos distintos misturam-se na situação concreta. Um proletariado em formação, por
exemplo, carente de meios próprios de organização e de autonomia relativa de classe, defronta-se com
um meio histórico no qual as classes burguesas paralisam e solapam todas as transformações
concomitantes que marcam as mudanças sociais progressivas do capitalismo. Em conseqüência, esse
proletariado deixa de ter o espaço histórico de que necessita para lutar por seus interesses de classe e para
aumentar o seu poder real de classe. O desenvolvimento capitalista sofre menos que os teóricos do
passado poderiam presumir; ao contrário, ele pode ser "acelerado" além dos interesses da sociedade
como um todo e, especialmente, dos interesses das classes trabalhadoras. E estas, como prêmio, recebem
uma dose adicional de superexploração e de ultra-opressão, sem condições materiais e políticas para
remover esses males.
A moral da história é óbvia. A revolução apenas como e enquanto transformação estrutural da
sociedade capitalista representa uma fronteira da qual as classes trabalhadoras (e especialmente suas
vanguardas) não poderão fugir sem conseqüências funestas. Uma sociedade capitalista semidemocrática
é melhor que uma sociedade capitalista sem democracia alguma. Nesta, nem os sindicatos nem o
movimento operário podem se manifestar com alguma liberdade e crescer naturalmente. Por isso, a
"revolução dentro da ordem" possui um conteúdo bem distinto do que ela assumiu na órbita histórica dos
países capitalistas centrais. As classes burguesas não se propõem as tarefas históricas construtivas, que
estão na base das duas revoluções, a nacional e a democrática; e as classes trabalhadoras têm de definir
por si próprias o eixo de uma revolução burguesa que a própria burguesia não pode levar até o fundo e até
o fim, por _atÍsa de vários fatores (a persistência de estruturas coloniais e neocoloniais que afetam as
relações de produção, a distribuição e o consumo; a aliança com burguesias externas imperialistas; o
medo permanente de deslocamento, que atormenta os setores nacionais da burguesia - diante dos
deserdados da terra e do proletariado, mas, também, diante dos centros imperiais). Os que repudiam tais
tarefas históricas do proletariado por temor do oportunismo e do reformismo ignoram duas coisas.
Primeiro, que, sem uma maciça presença das massas destituídas e trabalhadoras na cena histórica, as
potencialidades nacionalistas e democráticas da ordem burguesa não se libertam e, portanto, não podem
ser mobilizadas na fase em transcurso de organização do proletariado como classe em si. Segundo, que o
envolvimento político das classes trabalhadoras e das massas populares no aprofundamento da
revolução dentro da ordem possui conseqüências socializadoras de importância estratégica. A burguesia
tem pouco que dar e cede a medo. O proletariado cresce com a consciência de que tem de tomar tudo com
as próprias mãos e, a médio prazo, aprende que deve passar tão depressa quanto possível da condição de
fiel da "democracia burguesa" para a de fator de uma democracia da maioria, isto é, uma democracia
popular ou operária.
No nível mais amplo, a noção de revolução tem de ser calibrada pelas classes trabalhadoras em
termos das relações antagônicas entre burguesia e proletariado dentro do capitalismo da era atual. A
época das revoluções burguesas já passou; os países capitalistas da periferia assistem a uma falsa
repetição da história: as revoluções burguesas em atraso constituem processos estritamente estruturais,
alimentados pela energia dos países capitalistas centrais e pelo egoísmo autodefensivo das burguesias
periféricas. Estamos na época das revoluções proletárias e pouco importa que elas só tenham aparecido
nos "elos débeis" do capitalismo. O que se configurava como um processo que iria dos países centrais
para a periferia, de fato caminhará da periferia para o centro! Por isso as burguesias dos países centrais se
organizam como verdadeiras bastilhas e promovem seu "pluralismo democrático" ou seu "socialismo
democrático" como se fossem equivalentes políticos do socialismo revolucionário e do comunismo.
Nesse nível, a linguagem e a mensagem de O Manifesto do Partido Comunista permanecem plenamente
atuais. Marx e Engels enunciaram o essencial: sob o capitalismo e dentro do capitalismo a revolução de
sentido histórico se dá contra a sociedade burguesa e o seu Estado democrático-burguês. Uma revolução
que, em sua primeira etapa, substituirá a dominação da minoria pela dominação da maioria; e, em
seguida, numa etapa mais avançada, eliminará a sociedade civil e o Estado, tornandose instrumental para
o aparecimento do comunismo e de um novo padrão de civilização.
Nesse nível, o conceito de revolução aparece saturado de sua especificidade histórica. Ele se
identifica com as tarefas maiores do proletariado e define um longo porvir de transformações
revolucionárias encadeadas. Nele, como salientaram Marx e Engels, fica claro que o proletariado possui
funções análogas ou simétricas àquelas que a burguesia preencheu na desintegração da sociedade feudal
e na construção da sociedade capitalista. Só que essas funções são mais complexas e difíceis. Para
realizá-Ias, como os dois autores indicaram, o proletariado precisa, antes de mais nada, conquistar o
poder. E, mais tarde, a partir daí, é que poderá construir sua versão de democracia e, em seguida, dedicarse
à constituição de uma sociedade igualitária e socialista. Ora, o fato de que o socialismo não evoluiu
simultaneamente em todo o orbe introduziu outras complicações nesse quadro. De um lado, as
revoluções proletárias herdaram os atrasos e as contradições do capitalismo nos "elos débeis": foi preciso
travar uma terrível luta para criar condições materiais e sociais de transição, que não se encontravam
configuradas historicamente. De outro, o cerco capitalista deformou de várias formas as revoluções
proletárias e fortaleceu, numa evolução secular, a capacidade de autodefesa e de ataque das nações
capitalistas centrais, em seus núcleos e em seus pólos estratégicos da periferia.
Não se pode nem se deve subestimar as inflexões da realidade histórica: o socialismo sofreu
uma compressão que o sistema de poder feudal jamais poderia infligir ao capitalismo nascente. Essa
constatação não altera o essencial: a revolução anticapitalista e antiburguesa é uma revolução proletária e
socialista. Ela nega a ordem existente em todos os níveis e de modo global. O que a realidade histórica
esclareceu diz respeito à duração do processo e à sua complexidade. É preciso, pois, que o conceito de
revolução seja posto em toda a firmeza de sua substância e em toda a clareza de seu sentido histórico. A
revolução em processo, que caracteriza a presença e o papel construtivo das classes trabalhadoras na
história, não é só uma revolução anticapitalista e antiburguesa. Ela é uma revolução socialista, que se
negará como tal na medida em que o socialismo se converter, por sua vez, em padrão de uma nova
civilização, culminando em seu eixo final que desemboca no comunismo. O que isto quer dizer? Que o
comunismo será um subproduto da superação do período de transição e de negação do socialismo por si
mesmo? É claro que não! Isso quer dizer que a revolução proletária não terá um eixo revolucionário
curto, que se esgote na substituição de uma classe dominante por outra (o proletariado como substituto e
equivalente da burguesia, o que esta realizou com referência à nobreza feudal). O proletariado deverá ser
ainda mais revolucionário depois da conquista do poder e da derrota final da burguesia. Essa é a
condição histórica para que a transição para o socialismo e o chamado "socialismo avançado" possuam
uma dinâmica democrática própria, de tal modo que cada avanço socialista represente um
aprofundamento comunista na negação, seja do período de transição, seja do "socialismo avançado".
Essa representação marxista já foi considerada como uma pura utopia. No entanto, ela não é uma utopia,
embora não fosse, como tal, um mal em si mesma. A burguesia não levou sua revolução até o fim e até o
fundo porque não teve a seu favor uma substância de classe revolucionária que a animasse a superar-se, a
negar-se e a transcender-se de modo inexorável e incessante. O mesmo não ocorre com o proletariado,
porque ele desiptegrará a sociedade civil e o elemento político que ela engendra e reproduz, cimentando a
vida social na igualdade, na liberdade e na fraternidade entre todos os seres humanos. Então a
Humanidade poderá contar com uma civilização na qual ((as evoluções sociais deixarão de ser
revoluções políticas", de acordo com uma célebre previsão de Marx.
2. "Quem faz" a revolução?
Há uma tendência a tornar a revolução um fato "mítico" e "heróico", ao mesmo tempo
individualizado e romântico. Várias tradições convergem no sentido de anular o papel por assim dizer de
suporte e instrumental das massas e salientar as figuras centrais, por vezes as "figuras heróicas e
decisivas". A burguesia cedeu a essas tradições e fomentou-as, a tal ponto que sua historiografia, mesmo
quando busca os fatores externos, concentra-se no "culto dos heróis" e dá relevo aos papéis criadores dos
"grandes homens". Não é o caso de se debater, agora, a questão da explicação na história e de como
entender a relação de personalidades revolucionárias com os processos de transformação do mundo. A
historiografia marxista nunca anulou a importância da personalidade nos processos históricos e jamais
praticou uma redução mecanicista, que excluísse seja o fator humano e psicológico, seja o grande homem
e os líderes exemplares da explicação causal na história. O que distingue o marxismo, a esse respeito, é a
tentativa de compreender a revolução como fenômeno sociológico de classe. Isso não significa "nivelar a
história por baixo" ou "pôr em primeiro plano o estômago", com descuido do espírito e da razão. Os
corifeus da teoria idealista da história escrevem tantas sandices que o melhor é ignorá-Ios e partir
diretamente de uma concepção objetiva do lugar que a luta de classes confere à revolução em uma
sociedade intrinsecamente antagônica. Isso não impede, antes o exige, que se evite cair no mal oposto:
um "obreirismo" rudimentar e o "redentorismo" do partido revolucionário. As dimensões da luta de
classes não são determinadas exclusivamente por uma das classes - mesmo a classe operária, ou por sua
vanguarda e o seu partido; elas constituem uma função do desenvolvimento do capitalismo e da
vitalidade que as classes em conflito demonstram no aproveitamento das oportunidades históricas. O
quanto uma classe pode crescer graças e através da revolução é demonstrado conclusivamente no belo
livro de Victor Serge sobre O Ano I da Revolução Russa, até hoje a melhor descrição marxista do
comportamento revolucionário do proletariado numa situação histórica concreta. Este livro também
resolve a equação do papel do grande homem de uma perspectiva marxista: basta que se acompanhe o
tratamento que Serge dispensa a Lenin, na evolução dos acontecimentos e do processo revolucionário,
para se ter um exemplo modelar da concepção marxista da personalidade como "fator histórico".
A estrutura de classes da sociedade capitalista delimita a natureza do drama burguês: o raio de
revolução histórico da burguesia é fechado e estreito, esgotandose rapidamente ao longo da conquista e
da consolidação do poder. Tomando-se como paralelo a França, temse aproximadamente um século entre
o paroxismo revolucionário da burguesia ascendente e a fúria reacionária do terror burguês. Entre a
convocação dos Estados Gerais e o esmagamento da Com una de Paris esgotase um raio de revolução que
era determinado, fundamentalmente, pela posição de classe da burguesia: esta tinha de optar entre uma
utopia revolucionária largamente extracapitalista, em suas origens históricas, e os ditames egoísticos da
"consciência burguesa", regulados pela reprodução ampliada do capital e pela necessidade de impedir
que a revolução oscilasse definitivamente para as mãos do proletariado. Apreciando-se as coisas desse
ângulo, o milagre capitalista não aparece na ascensão da burguesia à hegemonia social de classe e à
conquista do poder político, mas no fato histórico muito mais complexo e importante que mostra como
uma burguesia crescentemente conservadora e reacionária foi capaz de fomentar sucessivas revoluções
técnicas, dentro e através do capitalismo, inclusive absorvendo, filtrando e satisfazendo parcialmente
pressões especificamente anarquistas, sindicalistas e socialistas das massas operárias, pelas quais se
alargou e se modificou a democracia burguesa. Esse fato histórico fez com que na Europa - e mais tarde
nos Estados Unidos e no Japão - a modernização capitalista se desenvolvesse subvertendo as bases
técnicas da produção e revolucionando os dinamismos do mercado (interno e externo: eles não podem ser
separados), enquanto se intensificava a concentração da riqueza real e do poder real nas mãos de um tope
restrito.
Essa dialética explica-se pelas determinações econômicas, sociais e políticas da propriedade
privada dos meios de produção, graças à qual a burguesia se torna, a um tempo, a classe possuidora mais
poderosa e mais hipócrita da história das civilizações fundadas na estratificação social. Ela proclama
uma utopia, a do seu período de ascensão (efetivamente revolucionária), e pratica uma ideologia de
mistificação sistemática nas relações entre meios e fins (a de seu período de consolidação), indispensável
para que pudesse ser modernizadora, em um nível, e conservadora, reacionária ou ultra-reacionária, em
outro (o que começa a ocorrer com uma rapidez incrível e muito antes do desmascaramento inevitável,
produzido pela guerra sem quartel contra a Com una). Esse é o protótipo que se generaliza e que confere à
dominação burguesa sua realidade política. A sua face oculta mais profunda iria aparecer mais tarde,
através do fascismo, da "democracia forte" e da autocracia burguesa e se disseminaria com enorme
intensidade na periferia do mundo capitalista. Porém, no último quartel do século XIX, a Europa
avançada já ostentava todas as faces do desenvolvimento capitalista. A história caminhava, no Ocidente,
na direção de uma cadeia de ferro. E a lógica dessa evolução provinha da incapacidade da burguesia de
livrar-se dos "imperativos" da propriedade privada. Ela não podia ser "uma coisa ou outra". Tinha de
caminhar conciliando modernizações sucessivas a uma consciência de classe conservadora
crescentemente mais estreita, mais perigosa e mais perniciosa. No fundo, convertera-se em uma classe
que comprava com dinheiro a sua felicidade pagando as contas à vista.
A mesma estrutura de classes compelia o proletariado a um complexo movimento histórico: os
proletários surgem como uma massa dispersa e incoerente, sem união ativa e totalmente subordinada aos
interesses econômicos e aos objetivos políticos da burguesia; graças ao desenvolvimento industrial, o
proletariado cresce em número, concentra-se cada vez mais, forma sindicatos e uniões permanentes,
pelas quais se organiza, se bate com a burguesia em escala local e nacional, e aprende a atuar em
conjunto, tomando consciência de seus interesses econômicos e de seus objetivos políticos; por fim, em
função do próprio avanço das contradições da sociedade capitalista, quando se configura "o processo de
dissolução da classe dominante" e, na verdade, de toda a ordem social, "a luta de classes se aproxima da
hora decisiva" e o proletariado passa a preencher em toda a plenitude suas tarefas de classe
revolucionária, "aquela que tem o futuro em suas mãos". Esse resumo, mais ou menos livre, de alguns
trechos de O Maníftsto do Partido Comunista, põe em relevo três estágios fundamentais e distintos. O
fato histórico central vem a ser a constituição do proletariado em classe (como classe em si) e o seu
desenvolvimento como classe independente. Isso não se dá sem o desenvolvimento concomitante das
forças produtivas e da própria burguesia. No entanto, somente no primeiro estágio os proletários ficam à
mercê da burguesia, engrossando suas forças sociais e políticas. No segundo estágio, à medida que se
desenvolve como classe independente, o proletariado liberta-se da tutela política burguesa e impõe-se
como "partido político" (ou seja, como classe capaz de lutar organizadamente pelos salários, mas,
também, por melhores condições de trabalho e de existência, por maior autonomia social e pelo
alargamento político da ordem burguesa). Neste estágio, as reivindicações operárias de caráter
sindicalista e socialista definem o lado proletário dos direitos civis e políticos, incorporados pela força da
luta de classes à legalidade burguesa e ao funcionamento do sistema político representativo. No terceiro
estágio, finalmente, o potencial revolucionário do proletariado emerge e expandese livremente, já que
ele deve comandar a luta de classes e o processo global de desintegração da "antiga sociedade" e de
constituição incipiente da sociedade socialista. "Todos os movimentos históricos precedentes foram
movimentos minoritários ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento
consciente e independente da imensa maioria, em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada
inferior da nossa sociedade, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos
superpostos que constituem a sociedade oficial." Ao realizar sua missão, que "é a de destruir todas as
garantias e seguranças da propriedade individual", o proletariado inaugura uma nova época de grandes
transformações históricas.
Essa descrição possui um grande mérito teórico. Ela assinala como o desenvolvimento do
capitalismo se enlaça ao desenvolvimento concomitante das duas classes fundamentais da sociedade
capitalista e a um agravamento crescente da luta de classes, pela qual o antagonismo entre o capital e o
trabalho se manifesta como fermento histórico. "Esboçando em linhas gerais as fases do
desenvolvimento do proletariado, descrevemos a guerra civil mais ou menos oculta, existente na
sociedade atual, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e a derrubada violenta da
burguesia estabelece a dominação do proletariado." Temos, pois, uma guerra civil latente e uma eclosão
revolucionária aberta. As transformações seguem as linhas dos equilíbrios e desequilíbrios de forças nas
relações antagônicas da burguesia com o proletariado. Em suma, quem faz a revolução é a grande massa
proletária e quem lhe dá sentido é a grande massa proletária. Não se trata de uma categoria social como
"povo" - mas da parte proletária do povo e daqueles que, não sendo proletários, identificam-se
politicamente com o proletariado na destruição das formas burguesas de propriedade e de apropriação
social. Em suma, a maioria descobrindo por seus próprios meios que a ordem burguesa não é a única
possível e tentando, também por seus próprios meios, a conquista do poder e de uma nova forma de
democracia, a democracia proletária. A nova época inicia-se, portanto, mediante uma revolução através
da qual o proletariado, convertido em classe dominante, "destrói violentamente" as antigas relações de
produção e, com elas, "as condições dos antagonismos de classes e as próprias classes em geral", abrindo
caminho para extinguir, assim, "sua própria dominação como classe". Utopia e ideologia caminham
juntas, já que ambas extraem sua realidade histórica de uma condição de classe revolucionária
instrumental para a revolução, mas condenada ao desaparecimento pela concretização paulatina da
própria revolução. Isso permite a Marx e Engels um vaticínio ousado: "Em lugar da antiga sociedade
burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, haverá uma associação na qual o livre
desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos". .
A descrição possui, adicionalmente, um mérito prático. Ela propõe a revolução do
proletariado dentro de um raio de ação revolucionária de classe que não se esgota no âmbito do
capitalismo e da sociedade burguesa, já que o seu termo fornecido pela extinção do proletariado como
classe - e dos antagonismos de classes e das classes em geral. Enquanto a guerra civil élatente, a
transformação revolucionária se equaciona dentro da ordem, como um processo de alargamento e
aperfeiçoamento da sociedade burguesa pela ação coletiva do proletariado; quando a guerra civil se torna
aberta, a transformação revolucionária se equaciona contra a ordem, envolvendo primeiro a conquista do
poder e, mais tarde, a desagregação da antiga sociedade e a formação de uma sociedade sem classes,
destituída de dominação do homem pelo homem e de elemento político (portanto, de uma ordem sem
sociedade civil e sem Estado).
O que essa descrição implica, no plano prático? O reconhecimento, pelos revolucionários de
ótica comunista, de que as situações revolucionárias não se criam ao sabor da vontade (ou, como diria
Lenin, não se produzem por encomenda). Situações revolucionárias encobertas e explícitas formam uma
seqüência em cadeia. O talento inventivo dos revolucionários se mostra na medida.em que eles são
capazes de atinar com as exigências e com as possibilidades revolucionárias de cada situação. Um
diagnóstico errado conduz a sacrifícios inúteis; uma oportunidade real desperdiçada reflete-se numa
perda do movimento revolucionário em cadeia (afeta, pois, o presente e o futuro). Além disso, o teor
revolucionário do movimento de classes se determina pelas potencialidades favoráveis e desfavoráveis
da situação concreta. Por isso, pode-se prescindir de fórmulas dogmáticas e de líderes messiânicos. A
firmeza da ação revolucionária de classe dependerá, assim, de formas de solidariedade de classe, de
consciência revolucionária de classe e de comportamento revolucionário de classe: se o proletariado não
estiver preparado para enfrentar suas tarefas revolucionárias concretas, não poderá levar a revolução até
o fim e até o fundo, no contexto social imediato e a longo prazo. Os proletários não são marionetes e
tampouco desdobram os painéis de uma história que se prefigura de modo inflexível. Na cena histórica, a
luta de classes gradua o componente humano e psicológico de toda a evolução. Erros e acertos repontam
aqui e ali, favorecendo ora a burguesia, ora o proletariado. A classe que não souber aproveitar as
oportunidades terá de pagar um alto preço, pois, se a burguesia conseguir vergar o "arco histórico" do
proletariado, este oscilará para uma prolongada penumbra histórica (como aconteceu com o proletariado
europeu principalmente durante e depois da I Guerra Mundial); e, ao revés, se o proletariado conseguir se
antecipar ao curso da história, ele poderádeslocar a burguesia de suas posições e precipitar a sua própria
revolução social (como ocorreu na Rússia nas duas primeiras décadas deste século). O que quer dizer que
descrever as condições da revolução em termos de luta de classes não equivale a "ignorar" o elemento
humano na história. Ao contrário, significa buscar as linhas de determinações que fluem, através das
classes e dos antagonismos de classes, na objetivação das condições nas quais os seres humanos
constroem coletivamente a sua história. Aliás, jáem A Sagrada Família Marx e Engels haviam salientado
esse fato. "A história não faz nada, 'não possui uma riqueza imensa', (não dá combates'! Acima de tudo, é
o homem, o homem real e vivo, que faz tudo isso e realiza combates; estejamos seguros que não é a
história que se serve do homem como de um meio para realizar - como se ela fosse um personagem
particular - seus próprios fins; ela não é mais que a atividade do homem que persegue seus objetivos".
O homem real e vivo está nos dois pólos da luta de classes, nos dois lados da "guerra civil mais
ou menos oculta" e da guerra civil que "explode numa revolução aberta", sob a forma concreta que os
antagonismos entre capital e trabalho assumem nos conflitos da burguesia com o proletariado.
Revolução e contra-revolução constituem, por conseqüência, duas faces de uma mesma realidade. Sob a
guerra civil latente, a pressão autodefensiva da burguesia pode ser contida nos limites da "legalidade";
por sua vez, o contra-ataque proletário fica circunscrito à defesa de sua autonomia de classe e de sua
participação coletiva no sistema de poder burguês. Em outras palavras, a burguesia afasta-se das tarefas
históricas impostas por sua revolução de classe, mas o proletariado não. Ele força e violenta os
dinamismos da sociedade capitalista, obrigando os setores estratégicos das classes burguesas a retomar
pé na transformação revolucionária da ordem social competitiva. Onde isso não ocorreu ou, então, onde
isso ocorreu de modo muito fraco e descontínuo, a democracia burguesa sempre se revelou muito débil e
facilmente propensa às contrações contra-revolucionárias dos regimes ditatoriais. Sob a guerra civil
aberta, a pressão autodefensiva da burguesia torna-se virulenta e se coloca acima de qualquer
"legalidade"; por sua vez, o proletariado bate-se diretamente pela conquista do poder ou, pelo menos,
pela instauração de uma dualidade de poder que exprima claramente a legalidade que a revolução opõe à
ilegalidade da contra-revolução. O campo da luta de classes adquire uma transparência completa e
converte-se automaticamente em um campo de luta armada, pela qual a revolução e a contra-revolução
metamorfoseiam a guerra civil a frio ou/e a quente em um prolongamento da política por outros meios. A
vitória de uma ou de outra classe depende da relação da revolução e da contra-revolução com as forças
sociais que outras classes podem colocar à disposição da transformação revolucionária ou da defesa
contra-revolucionária da ordem.
Tudo isso torna decisivo o equacionamento de estratégias revolucionárias mais ou menos
compatibilizadas com as exigências e as possibilidades das situações concretas. Em "A Falência da II
Internacional" (Oeuvres, voI. 21, 1914-1915), Lenin trata dos indícios de uma situação revolucionária e
das probabilidades da eclosão revolucionária: "Para um marxista, está fora de dúvida que a revolução é
impossível sem uma situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária leva à revolução.
Quais são, de uma maneira geral, os indícios de uma situação revolucionária? Estamos certos de não nos
enganarmos indicando os três indícios principais seguintes: 1) impossibilidade para as classes
dominantes de manter sua dominação sob uma forma inalterada; crise do 'vértice' , crise da política da
classe dominante, o que cria uma fissura pela qual os descontentes e a indignação das classes oprimidas
se abrem um caminho. Para que a revolução estoure não é suficiente, habitualmente, que 'a base não
deseje mais' viver como antes, mas é ainda necessário que 'o cume não o possa mais'; 2) agravamento,
mais do que é comum, da miséria e do desespero das classes oprimidas; 3) intensificação acentuada,
pelas razões indicadas acima, da atividade das massas, que se deixam pilhar tranqüilamente nos períodos
'pacíficos' mas que, no período tempestuoso, são empurradas, seja pela crise no seu conjunto, seja pelo
próprio (vértice', para uma ação histórica independente". "Sem essas transformações objetivas,
independentes da vontade destes ou daqueles grupos e partidos, mas ainda de tais ou quais classes, a
revolução é, em regra geral, impossível. É o conjunto dessas transformações objetivas que constitui uma
situação revolucionária. Conheceu-se essa situação em 1905 na Rússia e em todas as épocas de
revoluções no Ocidente; mas ela também existiu nos anos 60 do último século na Alemanha, do mesmo
modo que em 1859-1861 e 1879-1880 na Rússia, embora não tenham ocorrido revoluções em tais
momentos. Por quê? Porque a revolução não surge de toda situação revolucionária, mas somente no caso
em que, a todas as transformações objetivas enumeradas acima, se acrescenta uma transformação
subjetiva, a saber: a capacidade, no que concerne à classe revolucionária, de conduzir ações
revolucionárias de massa bastante vigorosas para destruir completamente (ou parcialmente) o antigo
governo, que não cairá jamais, mesmo em épocas de crises, se não for 'compelido a cair"'. Em A Doenfa
Infantil do Comunismo, Lenin retoma o assunto, estabelecendo ênfases sintomáticas: "A lei fundamental
da revolução, confirmada por todas as revoluções e especialmente pelas três revoluções russas do século
:xx, ei-Ia aqui: para que a revolução tenha lugar, não é suficiente que as massas exploradas e oprimidas
tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem transformações. Para que a
revolução tenha lugar, é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes. É
somente quando (os de baixo' não querem mais e (os de cima' não podem mais continuar a viver da antiga
maneira, é somente então que a revolução pode triunfar. Essa verdade se exprime em outras palavras: a
revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando explorados e exploradores). Assim, pois, para
que uma revolução tenha lugar, é preciso: primeiramente conseguir que a maioria dos operários (ou pelo
menos, que a maioria dos operários conscientes, ponderados, politicamente ativos) tenha compreendido
perfeitamente a necessidade da revolução e esteja disposta a morrer por ela; é preciso também que as
classes dirigentes atravessem uma crise governamental que envolva na vida política até as massas mais
retardatárias (o indício de toda revolução verdadeira é uma rápida elevação ao décuplo, ou mesmo ao
cêntuplo, do número de homens aptos para a luta política, entre a massa laboriosa e oprimida, até a
apática), a qual enfraqueça o governo e tome possível aos revolucionários a sua pronta substituição".
Como parte do cerco capitalista contra o movimento socialista revolucionário, suscitou-se
uma polêmica obstinada sobre o aparecimento de um partido proletário revolucionário que substituiu a
classe por uma vanguarda política e conferiu todo o poder de decisão ou de direção a pequenas elites de
revolucionários profissionais. Esse assunto nos interessa aqui porque é necessário deixar claro se o
proletariado como classe tem ou não tarefas revolucionárias efetivas. É óbvio que a polêmica possui
origens espúrias, definindo-se como uma manobra engenhosa para lançar confusão e enfraquecer o
movimento político do proletariado. Depois das experiências históricas da Comuna de Paris e,
principalmente, em função da dura repressão que a burguesia desencadeou sobre o proletariado na
Europa (para não se falar nas áreas mais ou menos atrasadas do mundo capitalista e de regimes como o
que prevalecia na Rússia, nos quais a debilidade da burguesia fazia contraponto à onipotência da
autocracia), ficou claro que as tarefas revolucionárias impunham ao proletariado uma centralização mais
eficiente e produtiva de seu potencial revolucionário. Isso não quer dizer que a constituição do partido
proletário revolucionário equivalia à formação de uma elite "exterior" à massa, em típica relação de
dominação com ela (como se o partido socialista revolucionário reproduzisse a estrutura do Estado
capitalista e, em particular, de suas Forças Armadas). A contrapropaganda foi, aí, longe demais, e os
"socialistas" que aceitaram seus argumentos revelaram apenas sua pobreza de espírito. Já em O
Manifesto Marx e Engels assinalaram qual era o papel dos comunistas em face dos proletários, como "a
fração mais resoluta e avançada dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais",
com a vantagem, sobre o proletariado, de "uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins
gerais do movimento proletário". "O fim imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os outros
partidos operários: constituição do proletariado em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista
do poder político pelo proletariado." Claro, sintético e brilhante! Na verdade, a existência de uma classe
revolucionária não constituía uma "invenção" deles; e sem um proletariado consciente e organizado a
revolução proletária nunca passaria de uma miragem. Qualquer partido revolucionário do proletariado
não poderia, pois, prescindir do proletariado como classe e tampouco poderia pretender mais do que ser
instrumental para os três objetivos centrais mencionados em O Manifesto. A seguinte passagem de
Lenin, extraída de um texto escrito por ele em 1920, é esclarecedora e definitiva (cf. Oeuvres) vol. 31, pp.
80-81): "A vanguarda do proletariado é conquistada ideologicamente. É o principal. De outro modo,
mesmo dar um primeiro passo na direção da vitória será impossível. Porém, daí à vitória ainda há uma
grande distância. Não se pode vencer somente com a vanguarda. Lançar somente a vanguarda na batalha
decisiva, enquanto toda a classe, enquanto as grandes massas não tenham tomado seja uma atitude de
apoio direto à vanguarda, seja pelo menos uma neutralidade benévola, o que as torna completamente
incapazes de enfrentar seu adversário, seria tolice, e mesmo um crime. Ora, para que verdadeiramente
toda a classe, para que verdadeiramente as grandes massas de trabalhadores e oprimidos do Capital
cheguem a tal posição, a propaganda, apenas, a agitação apenas não é suficiente. Para isso, é preciso que
essas massas façam sua própria experiência política. Tal é a lei fundamental de todas as grandes
revoluções".
3. É possível "impedir" ou "atrasar" a revolução?
A revolução social do proletariado não constitui uma fatalidade do desenvolvimento
capitalista. Se fosse assim, o movimento revolucionário seria dispensável; e, de outro lado, o
sindicalismo, o socialismo, o anarquismo e o comunismo não teriam razão de ser. É preciso voltar ao
Manifesto: se há algum elemento "exterior" na ação dos comunistas, esse elemento provém da
necessidade de levar ao proletariado "uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais
do movimento proletário". Em uma dada situação, poderá ser necessário fortalecer e acelerar a
"constituição do proletariado em classe"; em outra situação, poderá ser necessário solapar e se possível
abalar "a supremacia burguesa"; enfim, onde os proletários contem com as condições indispensáveis de
organização como classe independente e possam compelir a burguesia a aceitar sua atividade política e a
tolerar sua presença revolucionária, a necessidade central poderá ser a "conquista do poder político".
Esses fins podem mesclar-se, a partir de condições históricas típicas de uma situação revolucionária.
Contudo, o que é central nessa descrição? É óbvio que é a luta de classes. A luta de classes se manifesta
desde o início, desde o "ponto zero" desse movimento histórico, no qual o proletariado não reúne as
condições materiais e sociais de uma classe e o objetivo revolucionário larvar vem a ser a constituição da
classe. Em termos relativos, o elenco de objetivos mencionado não vai do mais simples ao mais
complexo e difícil. Constituir-se e expandir-se como classe independente é uma façanha tão difícil
quanto lutar contra a supremacia burguesa, para conquistar espaço histórico e político, mais ou menos
dentro da ordem, e travar a luta direta pelo poder, o controle da sociedade e o comando do Estado.
Segundo o próprio Lenin, é depois de derrubar a burguesia e de construir uma democracia proletária que
se torna ainda mais difícil defender a revolução social e conduzi-Ia para diante. Aí é que os proletários,
com seus aliados, precisam evidenciar mais firmeza, tenacidade e capacidade coletiva de sacrifício.
Os que acham que a revolução é uma aventura, que acreditam que se consegue a revolução
"por encomenda", não pensam assim. Para eles, tudo é simples: basta provocar a burguesia e tomar-lhe o
poder. Ora, acontece que, quanto mais desenvolvido for o sistema de produção capitalista, maior será a
facilidade que as classes possuidoras e dominantes encontrarão em se fortalecer através da luta de
classes. Essa regra se evidenciou claramente já ao longo do século XIX (e de maneira muito clara com a
derrota da Com una). Ao contrastar o poder da burguesia ao poder da nobreza feudal, Marx e Engels
assinalaram as razões ou a natureza das dificuldades específicas que os proletários teriam de enfrentar e
de vencer. Só depois de conquistar o poder teria o proletariado probabilidades de alterar sua relação com
a sociedade capitalista e de usar o poder político para levar até o fim a destruição da ordem existente ou de
encetar a fundo a construção de uma nova ordem social. Enquanto combatesse dentro da ordem
capitalista e através de meios legais, qualquer que fosse sua capacidade de recorrer à violência, o
proletariado poderia, no máximo, redefinir sua relação com a revolução burguesa, reacendendo os seus
estopins, para ampliar sua autonomia e organização, como e enquanto classe, e serrar os dentes ou
amarrar os braços das classes dirigentes. Continuando com sua hegemonia social e política, essas classes
poderiam enfrentar a maré montante, seja fazendo concessões e ampliando os direitos civis, sociais e
políticos do proletariado dentro da ordem, seja aproveitando as condições favoráveis para reduzir o
ímpeto da pressão operária e, se possível, neutralizáIa. Em outras palavras, a luta de classes impõe
ziguezagues aos dois lados e, em termos estratégicos, a burguesia sempre dispõe de vantagens que não
podem nem devem ser subestimadas. A Com una de Paris permitiu uma demonstração conclusiva. A
burguesia pode aproveitar todas as vantagens de uma guerra civil a quente, inclusive um forte apoio
externo, de outros países capitalistas, facilmente mobilizável em virtude do caráter mundial do mercado
capitalista e do interesse mundial que liga as várias burguesias no patrocínio à mão armada de seus
interesses vitais. Os pródromos da I Grande Guerra desvendaram um painel ainda mais sombrio. A
rapidez com que um rico movimento socialista foi convertido ao socialpatriotismo revela, até a medula, o
terrível poder de corrupção que o controle da economia, da sociedade e do Estado coloca nas mãos das
burguesias dominantes nos países capitalistas mais adiantados. Elas não precisam recorrer à violência
exemplar sempre que desejem autodefender-se, autoproteger-se e contra-atacar. Basta incorporar um
setor mais amplo da vanguarda operária e das burocracias sindicais ou partidárias do proletariado às
classes médias, para convertê-Io em burgueses e em cavaleiros andantes da democracia burguesa. A
violência aplicada a uma Rosa Luxemburgo ou a um Kar! Liebknecht, por exemplo, fica reservada para
as ocasiões extremas, e a perseguição do movimento proletário sem nenhum quartel, como se procedeu
sob o nazismo, por sua vez, é algo a que se recorre quando a contra-revolução vitoriosa concede todos os
trunfos às classes dominantes. Em contraposição, o que os operários e os camponeses são capazes de
fazer, se chegam a dispor de recursos estratégicos análogos, é demonstrado pela revolução bolchevique.
Todas as forças lançadas contra o Estado bolchevique, a partir de dentro e a partir de fora da Rússia,
foram batidas e destroçadas.
Se se procede a uma análise rigorosa, que leve em conta as evoluções ocorridas nas sociedades
capitalistas centrais, descobre-se que a burguesia não só aprendeu a conviver com a luta de classes - ela
foi mais longe e vergou o próprio movimento socialista, primeiro, e o movimento comunista, em seguida,
forçando-os a definir como seu eixo político a forma burguesa de democracia (isto é, forçou-os a renegar
a luta de classes e os meios violentos, "não democráticos", de conquista do poder). Isso não implica que a
revolução proletária tenha sido proscrita, que se possa dizer dela, de uma perspectiva burguesa, que "o
perigo passou". Mas implica, claramente, em um avanço considerável da burguesia, em escala nacional e
mundial, na utilização da luta de classes em proveito da defesa do capitalismo. Não se trata, apenas, de
uma aprendizagem que tenha proporcionado vantagens só na "luta ideológica", porém de algo
substancial: a burguesia aprendeu a usar globalmente as técnicas que lhe são apropriadas de luta de
classes e ousou incorporar essas técnicas a uma gigantesca rede institucional, da empresa ao sindicato
patronal, do Estado às organizações capitalistas continentais e de âmbito mundial. Enquanto o
movimento socialista e o movimento comunista optaram por opções "táticas" e "defensivas", a burguesia
avançou estrategicamente, em nível financeiro, estatal e militar, e procedeu a uma verdadeira revolução
das técnicas da contra-revolução. Inclusive, abriu novos espaços para si própria, explorando as funções
de legitimação do Estado para amarrar as classes trabalhadoras à segurança da ordem e soldar os
sindicatos ou os partidos operários aos destinos da democracia. Não me cabe, aqui, ir ao fundo do
assunto e tampouco perguntar quais foram os erros tremendos que sindicalistas, socialistas, anarquistas e
comunistas cometeram, em escala mundial, para serem relegados à condição de massa de manobra da
burguesia em um momento histórico no qual o proletariado das sociedades capitalistas centrais possui
todas as condições de classe em si e para si. O que entra em linha de conta, tão-somente, são concessões
traidoras e suicidas. Do abandono do internacionalismo proletário passou-se ao socialpatriotismo e,
deste, à renegação do aprofundamento da luta de classes e da revolução proletária, como se a ordem
social competitiva pudesse chegar a um estágio de confraternização de classes sociais antagônicas. Se
isso não configura uma vitória - não apenas circunstancial, mas prolongada e histórica - da burguesia, as
palavras perderam o seu sentido! O movimento histórico do proletariado vergou exatamente nos países
onde ele tinha as melhores condições para dinamizar a luta de classes de forma revolucionária.
Desse ângulo, fica claro que a marcha da luta de classes pode oscilar e que tais oscilações se
traduziram, politicamente, no declínio mais ou menos prolongado do potencial da classe operária de
bater-se pela "conquista do poder". Se ela sucumbe no plano prévio de enfrentamento com a "supremacia
burguesa", incorporando inclusive a ideologia de classe da burguesia e sua forma de democracia, ela tem
de abater-se e de sucumbir ao poder do Estado. É fácil voltar aos grandes planos evolutivos e dizer: isso
não quer dizer nada, porque o proletariado poderá perder todas as batalhas, mas não perderá a guerra.
Ora, como ganhar a guerra sem aceitar "todas as batalhas"? Nesse ínterim, o que tem prevalecido é uma
contra-revolução macia e a frio, que drena as forças proletárias mais estuantes para o "exército da ordem"
e perfilha os proletariados mais fortes, organizados e promissores às palavras-chave da democracia
burguesa, convertida no alfa e no ômega do sindicalismo e do socialismo militantes. Por fim, numa época
de crise de civilização, que é uma crise da civilização burguesa, descobre-se que o "MUNDO LIVRE" é o
mundo da civilização burguesa. Safa!
As "promessas do proletariado" na década de vinte - e mais tarde, seguidamente, desde o
advento do fascismo e da nova guerra mundial, não se concretizaram porque as classes trabalhadoras
foram batidas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Culpar o consumo de massas, recorrer às
guerras, à corrupção parcial ou global de vanguardas operárias e da aristocracia operária, à omissão da
União Soviética (?!) etc., como bodes expiatórios, não muda a realidade das coisas. De um lado, as
classes burguesas, ameaçadas de eliminação e de extinção, fizeram o que estava na lógica da situação
revolucionária que fizessem. Revitalizaram até onde foi possível o pólo burguês da luta de classes e
mergulharam a fundo na contra-revolução, beneficiando-se, ao longo do processo, das novas revoluções
tecnológicas e dos recursos que elas trouxeram ao fortalecimento do capitalismo, à renovação da
opressão e ao aperfeiçoamento da repressão. Comprovaram que o poder burguês não pode ser derrotado
de modo tão fácil quanto o poder feudal e que o movimento socialista revolucionário precisa recalibrarse
e reaparelhar-se para revolucionar suas técnicas de revolução. De outro lado, o pólo proletário da luta
de classes entrou em declínio e sofreu um colapso prolongado. Belas páginas de enfrentamento viril
ocorreram aqui e ali; e sacrifícios imensos foram feitos, sem conseqüência, à vitória da causa
revolucionária do proletariado. Todavia, nem a ótica socialista nem a ótica comunista responderam às
exigências da situação. De concessão em concessão, de miséria em miséria, suas forças militantes
perderam a oportunidade histórica e viram-se condenadas, para salvar o "espaço histórico do
proletariado", a renegar os valores fundamentais do socialismo revolucionário e toda a estratégia
revolucionária do proletariado na luta de classes.
Estamos, pois, em uma época na qual se deve ler e reler O Manifêsto do Partido Comunista.
Ele não é um catecismo e o mundo histórico para o qual ele foi calibrado não existe mais. No entanto, é
preciso lê-Io e relê-Io a fundo por outra razão: trata-se de como recuperar a verdadeira ótica do
socialismo revolucionário e do comunismo. A luta de classes não constitui um artigo de fé. Ela é uma
realidade e só poderá desaparecer se o capitalismo for destruído. Por maior que seja a parcela do "bolo"
reservada à satisfação, seja da aristocracia operária, seja das classes trabalhadoras como um todo, a
ordem capitalista nunca poderá se alterar de modo a subverter a relação básica entre capital e trabalho. O
próprio capitalista só tem interesse no "amortecimento" e no "solapamento" da luta de classes enquanto
puder manter integralmente a forma capitalista de propriedade privada e de exploração do trabalho. O
capitalismo reformado é uma balela e os que acreditam nele como "uma forma de revolução
democrática", capaz inclusive de superar o socialismo proletário, nunca tiveram quaisquer elos efetivos
com as posições proletárias na luta de classes. A volta ao Manifesto será, pois, uma maneira de ressoldar
os liames do movimento socialista com o proletariado e com a revolução anticapitalista.
Não faltam, certamente, análises e convicções que mostrarão o "caráter utópico" desse
renascimento de uma autêntica consciência proletária da transformação do mundo. Se até Herbert
Marcuse, um modelo de integridade, chegou a escrever que desapareceram as condições para a
manifestação e o florescimento fermentativo dos conflitos de classes! Insiste-se no crescimento das
classes médias, no estreitamente do setor proletário ou na predominância do trabalho intelectual para
ressaltar que, sob a grande indústria ultramoderna, a sociedade de massas despolitiza a consciência e o
comportamento ativo das classes oprimidas, como se, finalmente, as classes possuidoras e dominantes
tivessem descoberto o seu paraíso, graças à civilização industrial recente. No mínimo (ou, quem sabe, no
máximo) as "grandes esperanças" da Humanidade estariam nos confins da periferia, entre os mais pobres
e deserdados da Terra! ... O núcleo da civilização burguesa estaria feçhado para essas esperanças, uma
"doença do século XIX", e imune a qualquer revolução proletária como processo interno de construção
de uma nova civilização. Esse pessimismo radical apenas mostra até onde foi a pressão burguesa, depois
de um século de subversão contra-revolucionária do movimento socialista e do pensamento socialista.
Depois das versões iniciais de revisionismo, passa-se de Bernstein, do socialpatriotismo e do socialismo
reformista mais ou menos íntegro para uma defesa da ordem calcada na idéia de que a revolução
proletária tornou-se, ou simplesmente impraticável, ou totalmente improvável, como um contra-senso
político. Os que não gostam do capitalismo precisam aprender a conviver com ele, a torná-Io "mais
humano", através da dissidência inteligente e dos movimentos dotados de centros múltiplos de defesa
comunitária da "qualidade da vida". Ora, o capitalismo é o maior coveiro da qualidade da vida. Por onde
ele passou com vitalidade, nos países do centro e da periferia, superdesenvolvidos, subdesenvolvidos ou
não desenvolvidos, o efeito foi sempre o mesmo. A qualidade da vida não passa de uma miragem e os
múltiplos movimentos que propagam as suas bandeiras apenas demonstram a impotência dos seres
humanos que pretendem conciliar capitalismo e razão. Nem é preciso a guerra, aberta ou mascarada, para
deixar patente que a única defesa correta da qualidade da vida constitui uma função do desmantelamento
da civilização industrial capitalista; ou seja, ou a qualidade da vida se processa através do socialismo
revolucionário, ou o movimento histórico em sua defesa nunca irá além de uma quimera.
A revitalização dos ideais revolucionários contidos no Manifesto, não obstante, não pode
ocorrer "como se estivéssemos" no século XIX. Isso é óbvio e os marxistas que lograram vencer várias
revoluções comprovaram que a luta de classes é suscetível de várias adaptações. O essencial é que ela não
seja extinta ou paralisada, em nome de mistificações, como a que a encerra no universo legal e pacifico de
defesa da forma burguesa de democracia. A via democrática compatível com a luta de classes é a que se
cria graças ao enfrentamento das classes subalternas e oprimidas com as classes dirigentes e opressoras.
De fato, seria ilusório pensar ou supor que as classes subalternas e oprimidas pudessem se organizar para
levar a luta de classes a um patamar revolucionário, seja seguindo à risca o modelo burguês de
democracia, seja prescindindo de uma forma concreta de democracia real interna em seu movimento
histórico. A democracia não é só um valor supremo ou um fim maior. Ela também é um meio essencial; e,
no caso das rebeliões dos destituídos e oprimidos sob o capitalismo, um meio essencial sine qua non: a
ordem capitalista não é negada somente depois da conquista do poder. O deslocamento da supremacia
burguesa e a necessidade da conquista do poder exigem uma democratização prévia extensa e profunda,
de natureza proletária, das organizações operárias de autodefesa e de ataque. O que entra em jogo,
portanto, não é ou democracia ou revolução proletária. Essa alternativa é falsa e desde que o proletariado
tenha condições para se lançar ativamente à dinamização da luta de classes, ele põe em equação histórica
uma forma política de democracia que as classes burguesas não podem endossar e realizar (e não
poderiam mesmo que não estivessem vivendo uma época de contra-revolução prolongada).
Essa conclusão mostra que não são os proletários e seus aliados que têm interesse em despojarse
das condições mais ou menos vantajosas em que podem travar a luta de classes sob o capitalismo
monopolista e imperialista da era atual. Tal despojamento é imposto por meios coercitivos ou suasórios
pela violência burguesa: o Estado democrático existente tem de destruir o movimento operário ou, pelo
menos, impedir que ele lute por seus objetivos históricos centrais, porque a democracia burguesa não é
bastante forte para conter os antagonismos gerados pela produção capitalista e pelo desenvolvimento do
capitalismo. Essa forma política de democracia não comporta a contra violência dos proletários e
oprimidos, porque esta extinguiria as bases econômicas, sociais e políticas da dominação burguesa, isto
é, ela não pode conferir liberdade igual a todas as classes sem se desintegrar. Por isso, é impossível
riformar o capitalismo de uma forma proletária. Para reformar o capitalismo de uma forma proletária
seria preciso eliminar todas as causas da desigualdade econômica, social e política, que existem e se
reproduzem necessariamente sob o capitalismo, o que equivale a dizer: engendrar na sociedade e na
civilização capitalistas existentes a forma histórica que a sociedade e a civilização tenderão a assumir
graças e através do socialismo. As mistificações dos "socialistas democráticos" são evidentes. A
democracia burguesa de nossos dias é uma democracia armada e armada exatamente contra isso. A
"democracia forte" possui as mesmas causas que o fascismo e busca os mesmos fins. Ela nasce do temor
da burguesia diante da revolução proletária e pretende paralisar a história. Se tudo isso fosse compatível,
não com a forma burguesa de democracia, mas com a forma política que a democracia tende a assumir
com a erupção e a ascensão das classes subalternas e oprimidas na história, o mundo moderno, nascido da
revolução industrial e das revoluções técnicas sucessivas, que enriqueceram o capitalismo sem
modificá-Io em sua substância, seria muito diferente do que ele é. A Humanidade poderia alcançar uma
nova época de civilização sem passar pelo socialismo e pelo comunismo! ... Em outras palavras, o
sindicalismo, o anarquismo, o socialismo e o comunismo já estariam mofando nos porões da história,
pois os proletários e seus aliados poderiam construir o mundo da igualdade, da liberdade e da
fraternidade sem ter de recorrer à luta de classes e sem lançar mão da contraviolência para asseguraremse
certos mínimos que a democracia liberal, por si mesma, não confere a todos de modo universal.
4. Como "fortalecer a revolução" e "levá-Ia até o fim"?
Como foi visto acima, os proletários podem relacionar-se com duas revoluções distintas:
1°) com a revolução burguesa, inicialmente como força tutelada e cauda política da burguesia; 2°) com a
revolução proletária, inicialmente criando as condições que a tornam possível (o que se dá dentro da
ordem burguesa e graças a meios que são típicos da existência do "trabalho livre") e, mais tarde, na luta
pela conquista da hegemonia social e do poder político. A literatura socialista tem negligenciado a
relação do proletariado com a primeira revolução (o único grande teórico marxista moderno que dedicou
atenção séria ao assunto foi Lenin), embora, no plano prático, principalmente nos países capitalistas
"atrasados" ou "subdesenvolvidos" vários partidos de esquerda, e particularmente os partidos
comunistas, tenham conferido à revolução burguesa o caráter de objetivo central. A falta de maior rigor
teórico levou, assim, a erros políticos estratégicos. Tudo isso é tão verdadeiro que, nos países nos quais a
revolução proletária venceu, os partidos comunistas ou as forças revolucionárias modificaram em tempo
a estratégia. Deixaram de separar a burguesia nacional do imperialismo; reconheceram que as classes
burguesas internas não fariam frente às suas tarefas revolucionárias; entenderam que as crises de poder
comportavam a coexistência histórica de dois padrões exclusivos de revolução social; e deram a devida
prioridade à revolução proletária, percebendo que as massas a apoiariam com entusiasmo. Esses avanços
por vezes foram mais ou menos lentos e complicados, pois era preciso pôr à prova as classes burguesas e
ver o que, dentro delas, constituía uma força revolucionária real. Onde toda esta evolução não se
concretizou, manteve-se a "ilusão constitucional e democrática", nas piores condições possíveis, ficando
os proletários e as massas camponesas à mercê dos apetites de burguesias débeis e totalmente
desinteressadas em aprofundar sua própria revolução, pois isso permitiria abrir espaço político para as
massas destituídas e subalternas, bem como acarretaria transformações históricas de conseqüências
incontroláveis. Aqui só interessa, de fato, a relação do proletariado com a sua revolução.
É fácil detectar o que se deve discutir: basta que se atente para o movimento repressivo das
"forças da ordem". Estas se voltam, com igual furor, contra as condições de organização e de
desenvolvimento independente dos proletários como e enquanto classe; contra os sindicatos e os partidos
proletários ou identificados com o proletariado, que desenrolem (ou pareçam desenrolar) uma
propaganda política revolucionária. O movimento repressivo ataca, portanto, nos dois níveis centrais a
posição proletária na luta de classes. Qualquer ganho no primeiro nível oferece à burguesia a vantagem
de uma debilitação estrutural e prolongada das classes destituídas e subalternas. Estas são confinadas à
"apatia", ou seja, não encontram na ordem capitalista condições para a própria constituição e
fortalecimento como classe independente. Por aí se verifica o quanto a "apatia das massas" é um produto
político secretado pela sociedade capitalista e manipulado deliberadamente pelas classes dirigentes.
Qualquer ganho no segundo nível permite à burguesia reduzir o alcance e os ritmos históricos da luta de
classes, porque se quebra, de uma forma ou de outra, a espinha dorsal do movimento proletário - a sua
vanguarda de classe e política. É preciso que se entenda que existe uma relação dialética entre os três
objetivos principais da luta de classes (conforme foi mencionado acima, através da citação e comentário
do Manifesto do Partido Comunista). A intervenção no nível mais dinâmico e fluido das atividades
sindicais e partidárias produz ganhos reais quanto ao grau de consciência revolucionária do proletariado
e de sua solidariedade política ativa. O que quer dizer que a intervenção, nesta área, visa diretamente
impedir ou solapar os riscos que a atividade revolucionária do proletariado possa acarretar para a
"supremacia burguesa" (isto é, para a dominação de classe da burguesia) e eliminar ou reduzir, tão
drasticamente quanto possível, os conflitos de classes que possam engendrar crises muito profundas e
aproximar as classes destituídas e oprimidas da conquista do poder.
Uma coisa deve ser salientada em discussões atuais. Não estamos mais no "ambiente
pioneiro" dos primeiros processos de industrialização. Nem a via inglesa nem a viafrancesa podem mais
ser tomadas como modelos: a mudança social espontânea não produz mais os mesmos efeitos. E isso não
só porque a burguesia já aprendeu a receita e pode impedir no nascedouro muitas transformações
importantes para as classes trabalhadoras. Mas, também e principalmente, porque existe um forte
componente universal de pressão contra-revolucionária nas reações burguesas autodefensivas: esmagar
enquanto é tempo vem a ser a receita primária, mas eficaz, que tem sido posta em prática nos tempos
atuais. Esse esmagamento sistemático produz um proletariado anêmico e que tem fraca base estrutural
para movimentar a luta de classes. Torna-se um "inimigo débil", fácil de ser encurralado ou, como se diz,
"fácil de contentar". E o esmagamento se faz a partir de muitas tenazes, que visam pulverizar ou
fragmentar as classes trabalhadoras, no campo e nas cidades. Essas tenazes vão da manipulação das leis,
da polícia militar e dos tribunais de trabalho aos quadros de dirigentes sindicais e partidários
(ideologicamente perfilhados à burguesia e politicamente presos às compensações da ordem), ao
controle estrito (ideológico e político) dos sindicatos e partidos operários e à atuação do aparelho estatal.
No fundo, é "natural" para a burguesia ser e afirmar-se como uma classe: ela dispõe da ordem legal e nega
a condição de classe como um "fator de distúrbio", de "insegurança" ou de "desunidade". Com isso, a
condição de sua existência como classe tende a converter-se na condição de eliminação, alinhamento e
capitulação passiva das outras classes. Tais alterações históricas mostram que os sindicalistas, os
socialistas, os anarquistas e os comunistas precisam devotar uma atenção mais séria e concentrada às
novas formas de mudança social deliberada, que precisam ser postas em prática no presente, se se
pretender realmente galvanizar o movimento de constituição do proletariado como classe independente
e intensificar o seu desenvolvimento como tal. A burguesia tomou a dianteira em muitas esferas, através
dos movimentos em que se envolvem o trabalho social e o serviço social como "fator de equilíbrio da
ordem" e de consolidação da "autonomia comunitária". PropaIam-se os objetivos da cultura cívica
generalizada, da mobilização popular e da participação ativa dos carentes na solução de seus problemas.
Mas deixa-se na penumbra o fato de que os "carentes" não têm como equacionar os seus problemas e
resolvê-Ios no seio de uma sociedade capitalista. A saída seria a de deixar de ser "carente" através da
proletarização e da luta de classes, forçando-se o revolucionamento da ordem democrático-burguesa até
seus limites e a destruição revolucionária dessa ordem, dependendo da situação histórica concreta. Para
isso, o movimento sindical e os partidos proletários têm de libertar-se de certas vias tradicionais, que
privilegiam a mudança social espontânea, o crescimento gradual e o aburguesamento da luta de classes.
A burguesia põe em prática uma estratégia de luta global. Os proletários devem fazer o mesmo, pois não
têm a seu favor os efeitos indiretos da revolução nacional e da revolução democrática do período em que
as utopias burguesas possuíam alguma consistência histórica.
Tal estratégia global é muito difícil de ser explorada e concretizada em níveis de intensidade
crescentes por proletariados jovens de países da periferia do mundo capitalista, nos quais a contrarevolução
burguesa é mais dura e por vezes ditatorial. Pelo menos a fábrica, o sindicato, o local de
existência da família e uma parcela da cidade, com alguma forma de organização partidária e de pressão
direta sobre o Estado, podem ser mobilizados de forma permanente. A constituição do proletariado como
classe independente abrange, hoje, toda essa irradiação estrutural e dinâmica. Ao contrário do que
ocorria quando os proletários europeus não constituíam uma classe e estavam no vir-a-ser da classe, hoje
impõe-se um mínimo de poder real como ponto de partida. Não o poder do sindicato ou o poder do
partido, como sucedâneos ou poder mediado, mas o poder intrínseco à classe, análogo ao que serve à
burguesia para armar, manter e reproduzir sua dominação de classe e seu controle direto e indireto sobre o
Estado. A violência da repressão, inerente à contra-revolução burguesa prolongada, exige essa forma
elementar de contrapoder, sobre a qual terá de se sustentar o crescimento orgânico do proletariado como
classe independente em escala nacional. Esse movimento básico tem naturalmente de encontrar apoio
nos sindicatos e nos partidos operários. Mas estes não podem fomentá-lo e dirigi-lo, porque também
dependem da sua existência para ganhar autonomia, crescer e incorporar-se a uma dinâmica mais
avançada e madura de luta de classes. O que quer dizer que o raio de ação direta prévio à organização e ao
desenvolvimento autônomos da classe trabalhadora ampliou-se e complicou-se. De uma perspectiva
antropológica e sociológica, pode-se dizer que aí está, nos dias que correm, o ponto zero da evolução das
classes trabalhadoras. Só depois que essa atividade direta produzir certos frutos e um patamar de
amadurecimento médio, a classe pode deslanchar sem que seja permanentemente pulverizada e
esmagada pela pressão burguesa "espontânea", "legal" e "organizada". O contrapoder operário, nessa
evolução, se diferenciará e crescerá, convertendo-se por fim, quando a classe assumir os contornos
morfológicos e dinâmicos de uma classe em si (no sentido de Marx e de Engels), na natureza de um poder
real, suscetível de operar como um contrapeso ao poder burguês e de conferir aos proletários e suas
organizações a base social e política para movimentar livremente a luta de classes em todas as direções
estratégicas (que vão dos embates contra a supremacia burguesa às pugnas pela conquista do poder).
É preciso entender: não se trata de "subestimar" sindicatos e partidos operários. Ao contrário,
trata-se de estabelecer um patamar histórico a partir do qual eles poderão funcionar para os trabalhadores,
não para a ordem existente. Sem a existência de um proletariado constituído como classe independente, não
haverá sindicatos e partidos operários independentes (e se eles o forem, isso não alterará ou alterará muito
pouco a situação, já que os interesses de classe da burguesia estarão sempre presentes para atrofiar as classes
trabalhadoras, ou seja, para atrofiar os sindicatos e os partidos operários). No entanto, as diversas formas de
união ativa e de organização do proletariado são essenciais não só para a luta de classes, mas,
principalmente, para que a classe em si possa evoluir e afirmar-se como classe em si e para si (isto é, tornarse
uma classe com tarefas revolucionárias). Os sindicatos e os partidos operários ainda são as organizações
mais ativas e eficientes, em escala nacional, na luta de classes do proletariado. Não obstante, eles só contam
com uma cena histórica apropriada quando a luta de classes propõe, ainda que defensivamente, a redução da
supremacia burguesa por parte das classes destituídas e subalternas. A partir daí, juntam-se duas coisas
decisivas: os proletários secretam uma vanguarda própria e esta pode lançar-se na luta de classes sem todas
as inibições burguesas; de outro lado, o exemplo dessa vanguarda arrasta à luta de classes o grosso do
proletariado e comove outros setores de classes, como os camponeses pobres e alguns segmentos
dissidentes das classes médias. O marco político de luta se alarga e se aprofunda - e a massa que se mobiliza
contra a ordem burguesa deixa de ser tão-somente uma massa proletária.
É nesse nível histórico do desenvolvimento da luta de classes que algumas organizações
operárias, o sindicato e o partido, principalmente, ganham relevo ímpar, seja no plano econômico e
social, seja no plano político. A marcha para a constituição da classe em si deverá estar bastante avançada
para exigir uma clarificação revolucionária da consciência proletária e para
justificar técnicas especificamente ofensivas de fricção e de combate políticos. O sindicato
possui um âmbito de ação que permite revolucionar simultaneamente a relação do operário com o
trabalho, a empresa e a dominação econômica da burguesia, direta ou por via do Estado. As greves
constituem o caminho por excelência da aprendizagem política inicial e o primeiro patamar no qual a
classe em formação ou em desenvolvimento independente demonstra a sua vitalidade e a sua capacidade
de passar da "guerra civil oculta" para a "guerra civil aberta". Os teóricos do sindicalismo revolucionário
exageraram o papel criador da greve (sob a forma de greve geral). Não obstante, a greve geral permite
romper as barreiras do economismo, da greve puramente reivindicativa e contida dentro da ordem, e
constitui um terreno fértil de educação do proletariado para os alvos políticos mais importantes da luta de
classes. Nem sempre ela pode ser um chamamento para a insurreição, pois isso depende de uma crise de
poder relativamente geral e profunda, mas ela sempre provoca alterações decisivas, desde as que dizem
respeito àdisciplina operária, ao emprego maciço de técnicas elaboradas de agitação e de propaganda, de
recrutamento e promoção de quadros combativos etc., até as que dizem respeito à própria superação do
sindicalismo pelo transbordamento da atividade grevista, à criação de vínculos de solidariedade dentro
da classe trabalhadora como um todo e com outras classes assalariadas, à ativação dos partidos operários
e, por fim, à reeducação da burguesia ou, pelo menos, ao redimensionamento das "atitudes autoritárias" e
dos comportamentos egoísticos dos estratos dirigentes das classes dominantes.
O grau dentro do qual os partidos operários aproveitam (ou deixam de aproveitar) toda essa
fermentação criadora depende da fluidez dos sindicatos diante da atividade dos partidos operários e,
principalmente, da própria identificação revolucionária dos partidos operários diante da luta econômica,
social e política para abalar ou reduzir a supremacia burguesa e para vincular sempre a luta de classes à
conquista de poder pelo proletariado. A formação de modelos mais ou menos rígidos prejudicou tanto os
sindicatos quanto os partidos; aqueles privilegiaram demais a luta reivindicativa, o reformismo gradual e
as "conquistas democráticas", pelo fascínio de exemplos europeus e estadunidense; os últimos, por sua
vez, "autonomizaram" demais a centralização de comandos políticos tidos por revolucionários (mas sem
relação evidente com situações revolucionárias concretas, ao contrário!), graças a uma cópia errada do
bolchevismo na sua fase de apogeu. Porém, foram os partidos que sofreram com maior violência a
repressão da ordem e, por isso, eles refletiram de modo mais concentrado a necessidade de autoprotegerse
e de atacar com cuidado. Nessa evolução, o exemplo soviético deixou de ter qualquer valor e os
partidos operários mais congruentes foram levados, ou à acomodação passiva com a burguesia, ou à
prioridade indiscutível do partido sobre a classe. Nessas circunstâncias, o socialismo e o comunismo,
particularmente, deixaram de ser um concomitante estrutural e dinâmico do crescimento do proletariado
como classe. Os partidos voltaram-se para o proletariado, mas sua ótica não era nem socialista nem
comunista: em vez de buscarem, por todos os meios, favorecer a constituição e o desenvolvimento
independente do proletariado, tenderam a converter a classe proletária numa espécie de presa política e
de massa de manobra. Com isso, resolviam seus problemas práticos, de relacionamento com a ordem e de
resposta à intimidação das classes possuidoras e seus círculos dirigentes. Por curioso que pareça, essa
técnica adaptativa foi produtiva sob alguns aspectos, pois retirou vários segmentos das classes
trabalhadoras da apatia forçada e do isolamento político.
Sob uma estratégia global de luta de classes, impõese alterar essa relação do partido operário
com a classe trabalhadora e com a sociedade. A contra-revolução prolongada atinge cada vez mais fundo
a consciência proletária e a solidariedade ativa do proletariado na luta de classes. A pressão se faz no
sentido da neutralização, da "mobilização democrática" e "pacífica". Ora, só os partidos operários
possuem condições de propagar o socialismo e o comunismo no interior das classes destituídas e
oprimidas. Não basta o crescimento do proletariado, em números e em privilégios relativos, e o
fortalecimento do sindicalismo como "corporação" (está aí o exemplo estadunidense para o mostrar!). É
preciso que a expansão das classes trabalhadoras seja acompanhada da proletarização política
revolucionária, isto é, engendre um movimento político que mude a relação dos proletários com a ordem
e sedimente a luta de classes, dimensionando-a à conversão da revolução dentro da ordem em uma
revolução contra a ordem. Esse produto não nasce (nem poderia nascer) de qualquer "espontaneísmo"
operário. Ele precisa ser visado de modo explícito, pois a luta de classes precisa ser orientada em sua
direção de forma por assim dizer planejada. Em um momento em que a burguesia pretende eliminar todas
as outras filosiftas políticas, impondo à sociedade (e portanto aos trabalhadores em geral) a "filosofia da
livre empresa", o grau de saturação socialista e comunista da consciência proletária e do comportamento
político do proletariado constitui a única garantia efetiva de que a luta de classes corresponderá, do lado
proletário, aos ideais de extinção do capitalismo e de eliminação das classes. Acresce que a dominação
burguesa, sob o capitalismo monopolista da era atual, possui dois pólos desiguais, sendo que o pólo
externo e imperialista possui um poder de pressão contra-revolucionária muito mais forte. Em vez do
frenesi por puras palavras de ordem contra o imperialismo, é necessário educar politicamente os
proletários para distinguir a sua revolução da revolução burguesa e para querer algo coletivamente: a
transformação socialista da sociedade. O socialismo não transforma o mundo: são os proletários
identificados com o socialismo revolucionário que o fazem!
Parece claro que a vitória do socialismo não simplificou nem facilitou por enquanto a
trajetória da revolução proletária nos países capitalistas, tanto no centro quanto na periferia. Uma
reflexão comparativa sugere que as recomendações práticas do Manifesto do Partido Comunista
continuam atuais, pelo menos na periferia e em países em desenvolvimento industrial (onde os
proletários mal estão surgindo ou lutam com dificuldades entranhadas de passar da primeira para a
segunda fase da constituição do proletariado como classe). Na situação histórica atual, porém, não só o
consumo de massa e a classificação pelo emprego (num exército de deserdados) alteram o contexto da
constituição do proletariado. As pressões externas da sociedade atuam de modo camuflado para
identificar os destituídos e os oprimidos com as ilusões democráticas e constitucionais, para envolvê-Ios
na trama da dominação burguesa e da lealdade ao Estado burguês. O aburguesamento dos oprimidos e
dos deserdados constitui uma força atuante e multifacetária, que precisa ser combatida frontalmente. E
isso tem de ser feito através da proletarização da consciência das massas, muitas vezes sem contar com
uma base material e social de classe suficientemente sólida. A contra-revolução não deixa tempo à
revolução. Ou os proletários são ganhos para a luta contra a ordem ou a ordem se reproduz graças a uma
violência ultra-refinada e concentrada, que a contra-revolução manipula com eficácia. Esse dilema é tão
complexo que preferi mencioná-Io no fim (e não no início deste pequeno capítulo). Não há como se
evadir ao dilema. Tampouco é possível alterar a ordem natural das coisas, a marcha da constituição da
classe, a evolução da luta de classes e a natureza dos papéis revolucionários do proletariado. Pode-se
pensar, alternativamente, numa mudança de estratégia política. Incentivar os próprios proletários a sentir
a necessidade de antecipar a demonstração (ainda que somente negativa) de seu contrapoder e
reexaminar o modo pelo qual a ótica socialista e a ótica comunista têm sido usadas na saturação do
horizonte cultural (para não falar de novo e diretamente da consciência revolucionária) do proletariado.
Entretanto, é aqui que reside o ponto de estrangulamento. Os partidos socialistas avançaram, em sua
grande maioria, em direção a uma defesa do "socialismo democrático" que colide com a substância
socialista da revolução proletária. Eles se tornam, crescentemente, o setor ultra-radical da burguesia. Por
sua vez, a ótica comunista voltou-se demais para as funções revolucionárias do partido e deixou um
imenso vazio histórico nas suas relações dialéticas com o proletariado e com a dinamização proletária da
luta de classes (mantendo-se em suspenso o que pode suceder com a socialdemocratização de alguns
partidos comunistas contemporâneos) .
Certas circunstâncias variáveis de país a país poderão permitir uma coexistência ativa de todos
os setores da esquerda. Mas será uma confraternização tática e transitória. O momento de uma unificação
construtiva e permanente ainda parece longínquo e está dependendo do modo pelo qual os países em
transição para o socialismo enfrentarem o estágio ulterior de implantação do comunismo. Nesse
intervalo histórico, a burguesia ganhará uma vantagem decisiva. Além de dividir os que deviam facilitar
a concentração política das forças da revolução, pela lógica das opções e das alianças, se beneficiará com
o apoio tácito ou a retração das parcelas das forças da revolução que resvalaram para posições
substancialmente contra-revolucionárias. A principal perda, nessa evolução, é facilmente localizável: a
difusão do socialismo e do comunismo sofre cisuras e abalos no seio das classes trabalhadoras. À
tentativa de esmagamento do proletariado como classe, sempre presente na ótica burguesa e agora mais
ativa graças à contra-revolução prolongada, soma-se uma negligência cega dentro das esquerdas quanto
à qualidade da revolução proletária. Começa-se e depois se verá, essa norma movimentou alguns
avanços no "elo débil"; mas não pode ser convertida em norma geral ou em princípio unificador da
revolução proletária. O desenraizamento do proletário se alicerça em suas condições de trabalho e de
existência. Todavia, há uma distância muito grande entre um proletariado "idealmente" desenraizado e
um proletariado revolucionário. A eficácia do cerco capitalista, não só das revoluções proletárias
vitoriosas, mas também de todas as revoluções proletárias possíveis, se funda no conhecimento dessa
distância e no aproveitamento de tal conhecimento no "controle da mudança social revolucionária".
Temos, no conjunto, um quadro global que deve ser enfatizado. A contra-revolução burguesa
atreve-se a ir mais longe (e precisa fazê-Io, para resguardar-se de um risco mortal); a revolução socialista
marca passo, avançando com prudência e em oscilações cujos fatores determinantes se encontram nas
próprias debilidades conjunturais do capitalismo mundial. O que quer dizer que é a evolução natural da
sociedade de classes que pontilha o gradiente das revoluções proletárias. Onde surge uma situação
revolucionária, surge também a oportunidade histórica para acelerar a rebelião das classes subalternas e
oprimidas, dinamizar a luta de classes e jogar os partidos revolucionários na crista da onda. Esse quadro
de conjunto já não faz jus ao poder relativo dos "países socialistas". E ele não oferece muitas perspectivas
a países que já contam com um regime de classes relativamente diferenciado e avançado. Por isso
mesmo, chegou o momento para pensar se em uma estratégia global, que rede fina pelo menos a relação
de partidos socialistas revolucionários e de partidos comunistas com a constituição do proletariado como
classe, o deslocamento ou a aniquilação da supremacia burguesa e a conquista do poder político pelo
proletariado. Seria preciso passar-se do "aproveitamento de oportunidades históricas" para a criação de
oportunidades históricas. Numa evolução deste tipo, a própria aceleração do movimento político do
proletariado seria um fator de radicalização crescente da revolução. O socialismo e o comunismo não são
"promessas de uma geração", como gostam de pronunciar-se alguns acadêmicos estadunidenses. Eles
constituem a alternativa que os proletários possuem à ordem capitalista existente. Desde que eles
descubram isso e se devotem com firmeza, coletivamente, ao propósito de converter a alternativa em
realidade, o capitalismo das grandes corporações e do imperialismo onipresente estará condenado.
5. Revolução nacional ou revolução proletária?
A grande maioria dos países de origem colonial sofreu um desenvolvimento capitalista
deformado e perverso. Muitos não lograram ter um desenvolvimento agrícola entrosado com o
desenvolvimento urbano interno e poucos conseguiram um patamar de desenvolvimento industrial
capaz de alimentar a formação de um proletariado industrial relativamente denso. Como conseqüência,
não conheceram as reformas típicas da revolução burguesa, descrita por muitos historiadores como
revolução agrícola, revolução urbana, revolução industrial, revolução nacional e revolução democrática.
Essas cinco transformações se encadearam entre si - o exemplo "clássico" mais citado é o da Inglaterra;
mas também se consideram como talos da França e dos Estados Unidos (neste, as seqüelas da origem
colonial iriam se manifestar principalmente na concentração regional do desenvolvimento, na
segregação, discriminação e preconceitos sociais, étnicos e nacionais e no fechamento do sistema
democrático a duas opções controladas pelas elites das classes dominantes). Outros países de burguesia
mais ou menos débeis e articuladas a aristocracias poderosas ou a burocracias influentes conduziram a
transformação capitalista a níveis igualmente altos, compensando o poder econômico, social e político
da burguesia pela centralização política, como aconteceu, de formas distintas, na Alemanha e no Japão e
produziram grandes manifestações dos tempos modernos da civilização industrial capitalista. Os povos
de origem colonial ou não partilharam dessa evolução do capitalismo, ficando à margem das verdadeiras
vantagens dessa civilização, ou participaram dela como colônias, semicolônias e nações dependentes, o
que gerou várias formas de desenvolvimento capitalista controlado de fora e voltado para fora, no
sentido de que as estruturas e os dinamismos de suas economias e de suas sociedades estavam sempre
nucleados a centros externos, que exerciam ou pelo menos compartilhavam do comando da exploração
capitalista. Alguns desses países de origem colonial conheceram o não-desenvolvimento, outros o
subdesenvolvimento, e todos tiveram enormes parcelas da riqueza nacional transferidas para o exterior,
alimentando o esplendor do flores cimento do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos (ou no Japão).
A revolução burguesa constituiu um problema para esses países. O sistema de produção não
era bastante diferenciado e dinâmico para servir de base a uma diferenciação pronunciada do regime de
classes. Suas burguesias ou eram "burguesias compradoras" ou eram burguesias demasiado fracas para
arcar sozinhas com o peso econômico, a responsabilidade social e os riscos políticos inerentes à
revolução burguesa. Em vários deles a tentativa de "acelerar" a transformação capitalista pôs a
descoberto as debilidades das classes burguesas internas e a oposição do imperialismo, isto é, a
resistência severa das classes burguesas externas em permitir modelos de desenvolvimento capitalista de
tipo independente (isto é, que escapassem ao colonialismo, ao neocolonialismo e à dependência em
sentido restrito ou específico). Em conseqüência, movimentos revolucionários que se solidarizavam
com as burguesias "nacionais" se descartaram delas e realizaram vários tipos de revolução que
escapavam, simultaneamente e em grau variável, do controle imperialista e do modelo de
desenvolvimento capitalista. Algumas das principais revolu{ões proletárias de nossa época têm essa
origem e a opção pelo socialismo se deu exatamente para enfrentar e resolver os problemas e os dilemas
sociais que o capitalismo colonial, o capitalismo neocolonial e o capitalismo dependente não se colocam
(nem podem se colocar).
Essa evolução conduziu os países capitalistas centrais a uma alteração estrutural nas suas
relações com a parte da periferia com maiores potencialidades de desenvolvimento capitalista: eles
forjaram uma transformação capitalista na qual a burguesia internacional desempenhava uma função
equivalente à da aristocracia e à da burocracia nas vias ((alemã" e (Japonesa". Ficava faltando um Estado
fortemente centralizado e "absoluto", o que se conseguiu recorrendo-se à militarização das estruturas
políticas estatais e a uma articulação política entre o setor militar, o setor empresarial e as classes
burguesas externas (estas entendidas como uma composição dos interesses da dominação externa, que
hoje se chama de imperialismo, e que envolvem as grandes corporações multinacionais, os Estados
capitalistas hegemônicos e sua superpotência, e todas as classes, nos referidos países, que tinham razões
para defender as vantagens proporcionadas pela apropriação e o rateio do excedente econômico dos
países capitalistas dependentes). Por conseguinte, as ditaduras "salvadoras" e "modernizadoras" não
camuflavam, apenas, um arraqjo do tipo que as "burguesias compradoras" costumavam e costumam
fazer. Elas exprimiam a constituição de um Estado burguês que não era democrático, mas sim
autocrático, e que devia tirar a crônica crise do poder burguês na periferia de seu perigoso ponto morto.
Desse modo, revoluções burguesas em atraso ganharam a cena histórica, mas elas surgiam destituídas da
maioria das funções e tarefas revolucionárias ou reformistas que cercam os "casos clássicos" e suas
"versões atípicas". Tudo se passava como se o objetivo centraI se restringisse, em médio prazo, em criar
para a burguesia interna e para as burguesias externas um modo de aprofundar, com segurança, a
transformação capitalista na esfera econômica, transferindo para um futuro incerto o atendimento de
outras transformações que não poderiam ser realizadas de modo concomitante.
Esse resumo não é completo nem poderia ser. Ele apenas situa alguns fatos crus, essenciais
para um debate atual da orientação que deve ser imprimida à estratégia da luta de classes na periferia, em
países que contam com desenvolvimento industrial de certo porte. Em nome do "combate ao
imperialismo" ou da "democratização interna" (ou de ambas as coisas), devem as classes destituídas e
oprimidas dar apoio direto aos "setores nacionalistas da burguesia", batendo-se assim ao lado das "forças
mais avançadas" das classes dominantes pelo apnjundamento da revolução burguesa? Tal debate não é
novo, no Brasil e em quase todos os países da América Latina; e ele empolgou a vida política brasileira
através do chamado desenvolvimentismo. Não pretendo fazer as idéias caminharem para trás. Por isso,
acho desnecessário criticar os erros que foram cometidos no passado recente (esse erros deveriam ser
analisados pelos partidos e grupos orgânicos que os cometeram, na hipótese inverossímil de que não
queiram recair neles). Para mim, o ponto central do debate está numa escolha que não pode ser feita por
socialistas de posição revolucionária e por comunistas: revolução nacional ou revolução proletária? Ela
não pode ser feita porque ambos estão intrinsecamente comprometidos com a revolução proletária. A
única saída racionalizadora seria a de saber se "taticamente" seria vantajoso apoiar a revolução nacional,
como um expediente para forçar a burguesia a certas concessões, mesmo sob a forma de reformas mais
ou menos mitigadas e um fortalecimento indireto do "Estado de direito"; e para "aumentar as
contradições" do desenvolvimento capitalista, abrindo cunhas entre um setor mais progressista da
burguesia interna e outro mais retrógrado, e entre ambos e o imperialismo. Essa saída também constitui
um expediente para as "forças da esquerda", na medida em que estas deixam de cumprir suas tarefas
políticas específicas e, em vez de enfrentarem corajosamente sua debilidade, buscam no biombo da
revolução nacional uma forma equívoca e evasiva de ilusão constitucional.
Na verdade, o que se pôs em prática foi um típico comportamento de cauda da burguesia,
porém destituído de lógica política proletária. Em dadas circunstâncias, nas quais os proletários não
podem ousar ou nas quais o máximo que podem pretender é a condição de cauda de uma classe social
hegemônica, não há mal em travar batalhas por ganhos muito pequenos. Ora, essa não era a situação que
se estabeleceu no Brasil em seguida à II Grande Guerra. Se se pusesse em primeiro plano a luta pela
consolidação do proletariado como e enquanto classe, a área de conflito real com a burguesia seria
pequena e a força da causa proletária muito maior. Haveria uma acumulação de forças através do
desenvolvimento da classe e, como conseqüência, a formação concomitante de um espaço histórico, que
tenderia a crescer através do próprio uso (isto é, pela manifestação dos conflitos de classe). Assim, seria
possível formular o apoio à burguesia em termos propriamente proletários: não dos interesses de
determinadas facções da burguesia, mas de defesa combativa do aprofundamento de certos níveis da
revolução burguesa. A reforma agrária, a reforma do sistema de saúde e do sistema de educação, o caráter
da revolução nacional e a democratização dos direitos civis e políticos estavam entre tais níveis. Como
ensina o Manifesto do Partido Comunista, a linha tática teria de definir-se mediante exigências
socialistas: é muito difícil para um proletariado em formação entender alianças táticas se as
reivindicações não forem feitas através de uma linguagem proletária e sem qualquer subterfúgio. É óbvio
que muitas reivindicações podem ser formuladas através de várias linguagens e que o radicalismo
burguês, se existisse aqui um radicalismo burguês autêntico, permitiria apresentar reivindicações
análogas quase sem variação de forma. Não obstante, o que as classes dominantes deixam crescer como
problemas e dilemas sociais e se descuidam de resolver através de dinamismos da ordem, é suscetível de
receber uma atenção combativa das classes trabalhadoras e de constituir reivindicações de conteúdo
socialista e para atendimento imediato. Tais exigências, se fosse levado em conta o que a omissão das
classes dominantes e de seus setores dirigentes significava para os ritmos da revolução burguesa, teriam
de ser toleradas e várias delas, provavelmente, poderiam ser atendidas. Uma tática dessa natureza, além
de não lançar confusão nos grupos de vanguarda e nas massas populares, favoreceria um isolamento
político crescente das facções mais antidemocráticas e reacionárias da burguesia e, quando menos,
ajudaria a quebrar o monolitismo das classes dirigentes. O próprio imperialismo teria uma base menor de
manobra, pois teria de se defrontar com uma burguesia que levaria em conta a sua relação pelo menos
com parte das classes trabalhadoras.
O que exige reflexão, contudo, são os custos políticos de uma manobra desse gênero. Para que
ela pudesse concretizar-se sem leviandades seria necessário investir muito tempo em produção
intelectual, em propaganda, em difusão da palavra de ordem e em mobilização de aderentes e
simpatizantes. Dada a situação histórica, seria essa uma escolha avisada e prudente? Alternativamente,
não seria melhor investir tanto talento, energias e esforços no aprofundamento em duasfrentes da luta de
classes? Isso não levaria a ignorar a revolução burguesa e, ao contrário, implicaria em uma análise muito
instrutiva das debilidades orgânicas e históricas das classes dominantes e do que se ocultava por trás de
seu pro-imperialismo crônico. Tomando-se em conta casos similares, portanto de países de origem
colonial e de economia capitalista dependente, tal análise mostraria o que o controle global das classes
possuidoras no Brasil exigia delas: que elas só aprofundassem a revolução burguesa em função de seus
interesses de classe, o que excluía de seu horizonte de ação política organizada e coletiva o expurgo do
particularismo, do egoísmo e da cegueira que as levou a congelar a descolonização; que mantivessem a
democracia como fórmula ritual e um expediente de concentração do poder político estatal nas mãos dos
setores dirigentes da burguesia; que procrastinassem a revolução nacional, que deslocaria o grosso dos
recursos da Nação das funções diretamente capitalistas no Estado para funções de interesse geral; e, por
fim, no conjunto, que procurassem com afinco no imperialismo os recursos e os meios que permitissem
compensar suas debilidades estruturais e históricas, sob a miragem de que, com suficiente apoio externo,
seria possível "queimar etapas" pela aceleração do desenvolvimento capitalista e pela modernização
intensiva. Se um painel desses se desdobrasse aos olhos dos dirigentes dos partidos de esquerda e se ele se
traduzisse em medidas práticas de sentido proletário, é óbvio que a mobilização não se faria para
fomentar slogans, mas para levar as pequenas forças organizadas das classes trabalhadoras e das massas
populares a uma luta política coerente do pouco que restava (ou poderia restar) à revolução dentro da
ordem (uma maneira correta de descrever o modo pelo qual os proletários e seus partidos podem
empenharse no alongamento e no aprofundamento da revolução burguesa) .
Mesmo que se tome uma posição firme e exigente diante do assunto, é claro que um partido
proletário não pode se situar diante da revolução nacional como se ela fosse a ante câmara da revolução
proletária (como se se pudesse passar de uma a outra, de tal modo que a consumação da revolução
nacional dentro do capitalismo fosse uma etapa necessária e prévia da revolução proletária). O que
fortalece a burguesia e consolida o capitalismo automaticamente torna mais remota e difícil a revolução
proletária. Por essa razão, a revolução dentro da ordem não é um objetivo intrínseco ao movimento
proletário. O proletariado não poderia pretender desempenhar as tarefas revolucionárias da burguesia e
funcionar como um fator de compensação histórica. Isso seria pueril. A revolução dentro da ordem é
meramente instrumental e conjuntural para o proletariado, ligando-se à necessidade histórica de proteger
e acelerar a constituição da classe como classe em si, capaz de tomar em suas mãos o seu
desenvolvimento independente. A partir de certo nível, o proletariado força a mudança de qualidade da
"guerra civil oculta", exige que as reivindicações socialistas mudem de teor, pondo em cheque a
supremacia burguesa e o poder político da burguesia. O que quer dizer que, desse nível em diante, o
proletariado terá de hostilizar todas as criações do capitalismo; sua relação com a revolução burguesa
mudará de qualidade, porque então passará a importar-se em como passar da "guerra civil oculta" para a
"guerra civil aberta", ou seja, a derrubada da ordem e a constituição de uma democracia proletária. Tudo
isto é elementar, mas não há mal em repisar o que é elementar! Se a burguesia não dispôs de força
econômica ou de ânimo político para atingir os fins tão centrais para ela de levar a revolução nacional até
o fim e até o fundo (em termos capitalistas, é óbvio), nem por isso seria essencial pretender abrir por aí
uma frente de luta com o imperialismo. Fustigar e desgastar a burguesia de tal forma que ela não pudesse
manter-se pró-imperialista seria uma maneira mais inteligente (embora indireta) de combater o
imperialismo. Seria um modo de roubar a este último os aliados dóceis na periferia e de diluir a base
social, econômica e política da incorporação dos espaços periféricos aos espaços centrais. Com uma
vantagem evidente: esse tipo de ação revelaria se realmente havia, dentro da burguesia, aliados
autênticos (não supostos) para tal evolução política...
Como o problema da revolução nacional como prioridade de certos partidos proletários volta à
cena política, é preciso completar o circuito destas digressões. Numa situação em que as "forças da
ordem" empunham abertamente a bandeira da contra-revolução prolongada (tanto nacional quanto
mundialmente), seria curioso situar a revolução nacional como uma "frente de luta comum" entre
burgueses e proletários. Está comprovado que as burguesias dos países capitalistas dependentes
privilegiam a aceleração do desenvolvimento capitalista; elas não privilegiam o desenvolvimento
capitalista independente. Depois dos estudos de Baran, é transparente que essa opção histórica traduz
uma prioridade - e não uma prioridade qualquer, uma prioridade estratégica para as burguesias da
periferia e do centro. Elas estão dizendo aos proletários urbanos e rurais dos países periféricos: danemse!
Isto é o que vocês podem obter do capitalismo, nem mais nem menos... Todo o resto sobre "aberturas
democráticas", "centros nacionais de decisão", "desconcentração da renda" etc., é pura retórica. A
realidade está posta na contra-revolução prolongada, de amplitude mundial. Ela não se casa com os
papéis e as funções que a revolução nacional teve, no passado, nas primeiras versões da revolução
burguesa. Hoje, o desenvolvimento do capitalismo não passa pela revolução nacional. Por uma razão
simples: onde a revolução nacional constituir uma necessidade histórica (e ela aparece como tal
reiteradamente, quase universalmente na periferia), ela terá de opor-se ao capitalismo. As revoluções
nacionais que se atrasaram são revoluções nacionais que não puderam desatar-se e completar-se dentro e
através do capitalismo. Agora, têm de voltar-se contra ele. Isso define a relação recíproca da burguesia
com o proletariado no plano mundial: a revolução nacional já não é instrumental para o desenvolvimento
capitalista (como diriam os sociólogos estadunidenses, ela se tornou disfuncional para ele) e, por
conseguinte, para que a revolução nacional ganhe viabilidade em muitos países periféricos, é preciso que
as revoluções proletárias quebrem as amarras de seu estancamento ou paralisação. Os partidos
proletários que não dispõem de condições históricas para caminhar nessa direção precisam escolher com
cuidado os temas de sua luta política atual.
As condições históricas para caminhar nessa direção não são tão simples a ponto de poderem
ser criadas ou fomentadas artificial e superficialmente. No contexto latino-americano, o melhor
exemplo, a respeito, é Cuba. Para que o nacionalismo possa assumir uma forma revolucionária e
libertária, é preciso que a descolonização não tenha desaparecido na memória viva de todas as classes e
que, pelo menos nas classes destituídas e oprimidas, exista uma forte propensão coletiva de buscar,
através da revolução nacional, a instauração da democracia, a redenção dos humildes e o
desenvolvimento equilibrado e independente. A derrota do centro imperial opressor constitui um
objetivo central, mas externo. O essencial é liberar a nação como um todo e eliminar dentro dela todas as
seqüelas da sociedade colonial, que foram reconstituídas e fortalecidas sob a "sociedade nacional", pelo
capitalismo neocolonial. O programa do "Movimento 26 de Julho" respondia de modo íntegro e
completo a essa lógica política revolucionária, sem qualquervassalagem a padrões burgueses europeus
obsoletos. Posteriormente, no poder, os guerrilheiros congraçaram todas as classes à concretização
desse nacionalismo revolucionário e libertário. A burguesia imperialista estadunidense repudiou, como
teria de fazê-Io, a oportunidade; a burguesia nacional cindiu-se, mas o grosso sabotou e combateu como
pôde o governo revolucionário, até ser expulsa da coligação governamental e converter-se em vítima
necessária; os proletários das cidades e do campo apoiaram em massa e entusiasticamente a revolução
desde el poder, servindo de pião à rápida sucessão do estágio capitalista ao estágio socialista do governo
revolucionário. Temos aí um exemplo de uma situação revolucionária que gera uma revolução. O
importante é que ela atingiu o seu primeiro apogeu sob palavras de ordem revolucionárias que serviam à
burguesia e aos proletários e no âmbito de uma transformação revolucionária que se fundava na nação e
não na classe (esta se mobilizou e se dinamizou revolucionariamente graças à comoção provocada pela
guerrilha, às vitórias sucessivas dos guerrilheiros e à conquista do poder pelos revolucionários). A
questão que se coloca: quantos países da América Latina poderiam contar com uma situação
revolucionária análoga? Em quantos países surgiria um grupo de revolucionários com o mesmo talento
político, a mesma ousadia e a mesma prudência? Em quantos países da América Latina, em suma, seria
possível casar a situação revolucionária com a revolução nas condições atuais? Este questionamento não
visa afirmar que "Cuba não se repetirá". Essa resposta é parte do temor dos Estados Unidos e de
burguesias nacionais reacionárias diante de um processo que terá, necessariamente, de repetir-se,
embora sem seguir obrigatoriamente o que alguns chamam de "a via cubana".
Atingimos, com esta conclusão, o que tem de ser enfrentado e resolvido pelos que pensam com
a lógica da revolução. O próprio êxito do castrismo e da Revolução Cubana impõe que seja redefinido o
caminho da revolução proletária. A contra-insurgência está organizada, a partir dos Estados Unidos, para
impedir que a revolução se reproduza da forma como ela ocorreu em Cuba. De outro lado, as burguesias
nacionais latino-americanas prepararam-se para enfrentar militar e politicamente a repetição de tal
eventualidade. Por fim, da década de 1950 à de 1980 o proletariado cresceu quantitativa e
organizativamente em muitos países e seus aliados naturais, os camponeses, saíram ou estão saindo da
"apatia condicionada", imposta de cima para baixo pelas classes dominantes. Não existem, por enquanto,
situações revolucionárias a não ser em alguns países, e mesmo neles é duvidoso que delas resultem
revoluções com êxito se os partidos proletários não se dedicarem à preparação do proletariado para
passar da era das contra-revoluções encadeadas para uma era de luta de classes aberta, organizada e
firme. Chegou o momento de dizer adeus a pseudopalavras de ordem revolucionárias. Quase no fim do
século xx, é preciso escolher entre a socialdemocratização da esquerda e a paciente e laboriosa
construção das vias históricas da revolução proletária na América Latina. Os que pensam que isso é
impossível esquecem que as contra-revoluções fermentam ódios coletivos e armazenam as energias
revolucionárias das classes trabalhadoras e das massas populares. Foi assim na Rússia, foi assim na
China, foi assim em Cuba. O nosso caminho poderá ser mais difícil. Ele, porém, não é inviável.
A idéia de que, na era atual, os conflitos deixaram de possuir uma base de classe fermentativa e
revolucionária não deve nos levar ao desespero. A negação da ordem é uma função intrínseca à existência
do trabalho livre e à reprodução do capital. Os que vendem o trabalho terão, mais cedo ou mais tarde, de
se organizar para travar a última luta contra a propriedade privada e a apropriação capitalista. Por aí, a
menos que as classes possuidoras e dominantes se lancem à destruição do capitalismo, os conflitos de
classe não poderão desaparecer. Eles poderão ser contidos, por algum tempo; e quiçá reprimidos, de
forma prolongada. É isso que a contra-revolução defensiva está realizando, em escala mundial. Mas a
civilização industrial se destruirá a si própria se o estágio da propriedade privada e da expropriação
capitalista do trabalho não for ultrapassado, preservando-se os avanços que ela logrou obter na esfera da
ciência e da tecnologia. São os que vendem o trabalho e são expropriados que podem impedir essa
estagnação, que seria involutiva, sob alguns aspectos, e regressiva, em outros (pois hoje se coloca
abertamente o preço que isso significará para muitas "minorias", nos países mais avançados, e para as
"nações proletárias" em seu todo). O capitalismo monopolista e imperialista dispõe de recursos terríveis
e inesgotáveis para levar adiante a opressão e a repressão, ou seja, realizando a defesa violenta do status
quo dentro de limites que ainda são desconhecidos. Ele não pode impedir para sempre a rebelião interior,
que terá de crescer como a semente sob a, neve, em último caso, e tampouco poderá obstar
indefinidamente o nifluxo histórico - a influência constritiva dos países em transição para o socialismo,
que terão a seu favor, no futuro, quando a implantação do comunismo quebrar a geleira forjada pela
miopia {{democrática", a força inexorável dos grandes processos históricos. Nesse ínterim, mesmo nos
momentos de maior desânimo e incerteza, cabe aos socialistas revolucionários e aos comunistas
trabalhar, mesmo na mais dura e cruel incompreensão e clandestinidade, a favor do curso da história e do
advento de um novo padrão de civilização. Se a rota certa estivesse realmente fechada para sempre, o
mundo capitalista não se mobilizaria de tal modo e com tal furor para cof!iurar as revoluções proletárias.
A contra-revolução capitalista prolongada demonstra, enfim, que o Manifesto ainda está em dia com as
correntes históricas, embora fosse preferível dizer, atualmente: PROLETÁRIOS DE TODOS OS
PAÍSES, O MUNDO VOS PERTENCE. IDE À REVOLUÇÃO MUNDIAL!
6. Como "lutar pela revolução proletária" no Brasil?
O Brasil contou, ao longo de sua constituição e evolução, com várias situações
revolucionárias. Todas foram resolvidas dentro dos quadros da ordem e com a vitória patente das forças
sociais conservadoras, que sabem avançar nos momentos de maior risco, para em seguida travar o
processo de fermentação social e converter a transformação revolucionária em uma composição política.
Esse padrão histórico de controle calculado da mudança social revolucionária não é fortuito nem um
traço de inteligência das elites, preparadas para enfrentar suas "responsabilidades políticas". Ele é um
produto do congelamento do processo de descolonização, pelo qual uma imensa parte do país ficou
excluída, permanentemente, até os dias que correm, das formas sociais organizadas e institucionalizadas
dos direitos civis e políticos mesmo em cidades médias e grandes, de áreas desenvolvidas. A
proletarização, quando surgiu como processo histórico recente, vinculado à lenta generalização do
trabalho livre, foi condenada a ter repercussões maiores apenas em âmbito local ou regional, cabendo a
algumas cidades de grande porte a função de servir como amaciadores e câmaras de compensação,
contendo assim os conflitos de classes dentro de seus muros e segregando o proletariado em formação e
expansão física do resto da "população pobre". Tornou-se fácil, assim, concentrar socialmente o poder de
controle policial-militar, jurídico e político sobre a sociedade e afunilar os ganhos produzidos pelos
vários surtos sucessivos do desenvolvimento capitalista. A composição das classes possuidoras e
dominantes alterou-se continuamente, mantendo-se, porém, uma mentalidade de elite dirigente
organicamente senhorial e colonial. Os dinamismos gerados pelo capitalismo e suas transformações
podiam, portanto, ser postos a serviço dessa mentalidade, provocando efeitos devastadores sobre a
constituição e o desenvolvimento do regime de classes e da ordem social competitiva correspondente. O
Estado de direito tornava-se uma presa fácil de setores dirigentes das classes dominantes, empenhados
em "impedir a anarquia da sociedade", em tratar todos os problemas sociais "como casos de polícia" e em
refazer as técnicas pelas quais a apatia provocada e o "fatalismo" conformista podiam ser produzidos na
escala das exigências da situação. No passado remoto e recente, a norma era: o escravo é o inimigo
público da ordem; nos tempos modernos, a norma tornou-se: o colono, o camponês e o operário são o
inimigo público da ordem. Portanto, uma forma ultraviolenta de despotismo aberto superpôs-se à
constituição do regime de classes e preservou um padrão neocolonial de sociedade civil, pelo qual a
democracia é uma necessidade e uma regalia dos que são gente. Quando chegamos perto de enterrar de
uma vez essa herança senhorial, os estratos civis e militares dirigentes das classes dominantes recorreram
a uma contra-revolução prolongada, reconstruindo pela força bruta o mundo de seus sonhos.
Esse também era o mundo dos sonhos das "nações capitalistas amigas", numa fase em que o
capitalismo financeiro leva suas formas de produção, de mercado e de consumo para as "nações
estratégicas" da periferia. Não é o caso de retomar, aqui, uma análise que já fiz em outros trabalhos. O que
interessa são as implicações dos processos econômicos, sociais e políticos relacionados com essa
transformação recente, pela qual o Brasil se viu incorporado às estruturas e aos dinamismos das
economias capitalistas centrais e ao seu sistema de poder. Os últimos vinte e cinco anos compreendem
uma ampla transferência de capitais, tecnologia avançada e quadros empresariais técnicos e dirigentes,
pela qual a economia e a sociedade brasileiras foram multinacionalizadas, através de uma cooperação
organizada entre capitalistas, militares e burocratas brasileiros com a burguesia mundial e seus centros de
poder. O Estado burguês converteu-se numa ditadura civilmilitar e promoveu a centralização de poder
que iria garantir a base econômica, a estabilidade política e a segurança dos investimentos na escala
requerida pelo imenso "negócio da China" em que se tornou a internacionalização dos recursos materiais
e humanos do Brasil. O que interessa ressaltar nesse quadro global? Primeiro, a relação siamesa entre a
burguesia nacional e a burguesia externa, que não são mais divididas e opostas entre si quando o
capitalismo atinge o seu apogeu imperialista e a divisão mundial do trabalho deixa de operar como um
fator de especialização econômica. Segundo, a universalidade de processos de autodefesa agressiva do
capitalismo, que vai do centro para a periferia e exacerba-se nesta, onde o regime de classes não pode
funcionar com flexibilidade suficiente para preservar certos fluxos democráticos da República burguesa.
Terceiro, a drenagem de recursos materiais e de riqueza da periferia por meio de mecanismos mais
complexos, implantados diretamente nas estruturas mais dinâmicas e produtivas das economias
periféricas estratégicas, e a institucionalização de uma taxa de exploração da mais-valia muito mais alta,
criando para o proletariado um sério dilema econômico (na verdade, sob certos aspectos, o proletariado
dessas economias assimila-se às "minorias" raciais, étnicas e nacionais dos países centrais quanto à
expropriação econômica). Quarto, um agravamento súbito mas persistente de tendências crônicas do
desenvolvimento desigual e combinado, pois a modernização intensiva e a industrialização maciça são
"internacionalizadas", isto é, voltam-se para as estruturas e os dinamismos das economias capitalistas
centrais e suas posições de interesses na economia mundial, o que faz com que seu impacto sobre o
crescimento do mercado interno, a ampliação da oferta de trabalho e o aprofundamento da revolução
burguesa fora da esfera econômica seja amortecido ou deteriorado, conferindo à situação de
dependência, sob muitos aspectos, a qualidade de equivalente funcional da relação neocolonial (só que
estabelecida com referência a dois núcleos de poder externos conjugados: a grande corporação
internacional e os Estados capitalistas centrais). Quinto, graças àdiferenciação do sistema de produção, à
industrialização maciça e ao crescimento súbito das forças produtivas, o regime de classes passa por três
transformações concomitantes: aumenta em números e em diferenciação mais pronunciada das classes;
entra, num período de tempo muito curto, na fase na qual os proletários se constituem como classe em si e
começam a lutar por seu desenvolvimento independente como classe; deixa de operar segregadamente,
como parte do universo urbano-industrial, atingindo com fluidez os que estão proletarizados e os que
aguardam a proletarização em um imenso reservatório de trabalho, que constitui um exército de reserva
sui generis, o que representa o início da quebra do isolamento entre os operários e o resto da população
pobre, e maior fluidez, em escala nacional, dos conflitos de classe movidos pelo proletariado.
Esse quadro global ressalta que a vitalização da revolução burguesa em atraso trouxe muitas
vantagens econômicas para a burguesia interna e também acarretou um aumento acentuado de sua força
relativa como classe. Ela pode dispor, agora, de um sistema de produção mais avançado e conta com um
potencial de defesa e de agressão que precisa ser medido não aqui, mas na órbita imperial. Todavia, os
proletários e a massa da população pobre também tiveram algumas vantagens relativas. As mais
importantes relacionam-se com a diferenciação do regime de classes, com o aparecimento de uma
vanguarda operária e sindical mais organizada e mais disposta a dinamizar a luta de classes em termos
proletários, e à incapacidade das classes do minantes (internas e externas, isto é, nacionais e estrangeiras)
de ultrapassar a crise do poder burguês. Esta última conseqüência é deveras relevante. As classes
burguesas lutam acirradamente, hoje, para remover a exacerbação ditatorial da situação contrarevolucionária,
porém quase sem êxito. O mais que conseguem é disfarçar o complexo institucional
introduzido na República burguesa pela ditadura de classe e tentar diluÍ10 em um sistema
"constitucional" e "representativo" adaptado à difêsa do Estado, isto é, pronto para conter e reprimir ((os
de baixo". O que isso significa? Certamente que a crise do poder burguês está presente e oscilante. As
classes burguesas não podem fIXar livremente suas vantagens econômicas e tampouco podem
estabelecer os limites sociais e políticos ou graduar os ritmos da revolução nacional e da revolução
democrática. Estas oscilaram para baixo e, se não estão sob controle dos proletários e do resto da
população pobre, não podem ser determinadas independentemente do que estes setores da sociedade
estfjam mal dispostos a tolerar. Por conseguinte, a ditadura gerada pela crise do poder burguês não pôde
sanar seus males de origem e nos deparamos com algo verdadeiramente extraordinário: uma situação
histórica que possui duas vertentes, uma contra-revolucionária e outra revolucionária. As forças
burguesas oscilaram para a primeira vertente e não lograram, através dela, quebrar o impasse do poder
burguês. Contudo, não se arriscam a fazer uma marcha a ré, por temerem os riscos inerentes a tal
recomposição e por conhecerem que são débeis demais para desencadear aquelas transformações sociais
e políticas da revolução burguesa que foram sufocadas ou restringidas drasticamente. Por sua vez, as
forças proletárias e radical-populares não dispõem de meios parasoltar as amarras da vertente
revolucionária e os únicos grupos organizados que lutam a seu lado temem, por interesses de classe ou
por inibição política, ir além do aprofundamento da revolução burguesa. Por isso, menos se batem contra
a ditadura, que seria o caminho direto para levar a crise do pode burguês até o fundo, que por uma
reconversão ao Estado de direito, sonhando com uma Assembléia Constituinte que - quem sabe? - para
uns traria a revolução nacional e a revolução democrática de volta à cena histórica, cimentando os
destinos da burguesia em bases sólidas; para outros poderia ser o embrião da presença crescente dos de
baixo no controle popular do Estado burguês, abrindo perspectivas para um socialismo a partir do poder.
Nos dois extremos, à direita e à esquerda, prevalece uma interpretação cataclísmica diante de
uma situação histórica tão peculiar. Uma, a "direita", se imobiliza porque não confia na massa do povo e
se predispõe a defender soluções rígidas, que levariam a contra-revolução ao fascismo. A outra, a
"esquerda", não avança na defesa ativa das próprias posições porque dá à possibilidade do advento do
fascismo o caráter de um fato inexorável. Teme, como se diz, "provocar o leão com vara curta" e prefere,
por isso, colaborar com certos setores da burguesia em plena vigência de uma ditadura sustentada no
poder civil e militar das classes burguesas e no que estas podem fazer para bloquear o desgaste de uma
situação contra-revolucionária que elas criaram com as próprias mãos. É neste impasse que se precisaria
concentrar a análise. No momento atual, passar de uma contra-revolução em desgaste e de uma ditadura
questionada mesmo por seus próceres para o fascismo seria não uma prova de desespero, mas uma prova
de força. De onde tirar a base econômica e social de poder real para realizar tal proeza? Possui a
articulação de forças capitalistas, que ainda sustentam a República burguesa autocrática, necessidade ou
interesse em aumentar a pressão da caldeira? Ou, quando menos, possuem os setores decisivos da
burguesia financeira e tecnocrática, cujo peso maior está nas grandes empresas e nas empresas
"multinacionais", alguma vantagem em se lançar em tal aventura simplesmente para tolher uma
recomposição do poder burguês? É evidente que os dados de fato estão sendo falseados por um espírito
de docilidade que nasce de um pânico simulado. O risco que as esquerdas enfrentam, atualmente, não é o
de um fascismo iminente, é o de uma saída pelo centro das forças sociais da burguesia. Esta não pode,
mesmo que queira, colher as maçãs com uma mão e cortar a macieira com a outra. A revolução burguesa
foi de fato aprofundada na esfera econômica. Agora, ela terá de ser aprofundada em outras esferas, na
social, na cultural e na política, queiram ou não as elites dirigentes das classes dominantes e seja ou não
da conveniência de determinados segmentos capitalistas, nacionais e estrangeiros. O que as classes
dominantes podem fazer é ganhar tempo, reduzir os ritmos e a intensidade da transformação da ordem
social competitiva. Devem começar uma aprendizagem, que as classes burguesas realizaram em outras
partes com maior rapidez, sobre o sentido de palavras e de práticas como "consentimento", "anuência",
"tolerância" "liberdade", "cooperação", "consensos" etc.; e deixar de sabotar ou de travar mudanças
revolucionárias dentro da ordem que elas combateram com tanta tenacidade até hoje. É esta perspectiva
política que deve preocupar os que atacam o capitalismo e não as burguesias, os que não querem só o
"aperfeiçoamento da ordem", mas a destruição da ordem existente. Isto quer dizer que os socialistas
revolucionários e os comunistas têm de realizar uma gravitação que os coloque adiante (e não atrás) das
transformações histórico-sociais em processo e da relação que as forças burguesas mais avançadas
procurarão desenvolver com a sociedade global através delas. Só assim eles poderão evitar o ')ogo do
adversário" e, o que é mais decisivo, agir com uma racionalidade revolucionária proletária, que, além de
sóbria e ponderada, precisa ser firme e persistente.
O que está em questão é, pois, algo muito complexo. Até há pouco tempo, partidos que se
tinham como socialistas revolucionários e comunistas podiam imaginar-se como uma vanguarda
proletária. O proletariado, em constituição incipiente, não possuía uma autêntica vanguarda de classe e a
existência de palavras de ordem "revolucionárias", de teor inconformista, reformista ou socialista,
dependia da simulação de uma vanguarda política atuante. Nos últimos trinta anos (e especialmente
depois de uma industrialização maciça com uma tecnologia avançada e intensiva no uso do capital), a
formação da classe se adiantou muito e os que defendem posições típicas do socialismo revolucionário e
do comunismo precisam colocar-se na situação de classe dos proletários e caminhar por dentro da classe
para fazer parte de sua vanguarda. Trata-se de uma proletarização de partidos que antes só podiam ser
operários de nome, embora fossem revolucionários de fato e de direito, por defenderem e propagarem
doutrinas revolucionárias e por correrem todos os riscos que isso acarretava. A primeira conseqüência
dessa transformação, que os socialistas revolucionários e os comunistas não podem ignorar ou repelir
(isso significaria uma marginalização no processo histórico), aparece no emprego correto da ótica do
socialismo revolucionário e do comunismo. A lua-de-mel com a burguesia, com o nacionalismo burguês,
com o radicalismo burguês ou com o que se queira está acabada, chegou a seu termo! Não se trata de sair
dando coices, chifradas ou marradas, de ficar na ilusão ingênua do "quanto pior melhor". Mas de
estabelecer, çomo parte da vanguarda da classe operária, como esta deve manejar a luta de classes com
objetivos políticos bem marcados, de curto, médio e longo prazos, e para impedir que os antagonismos
existentes sóproduzam dividendos políticos para as classes dominantes. Desse ângulo, os socialistas
revolucionários e os comunistas estarão cumprindo tarefas revolucionárias essenciais. Procurarão pôr
sua experiência e sua visão dos processos a serviço dos proletários, favorecendo a sua socialização
política revolucionária no diaa-dia da luta de classes, a constituição de quadros treinados e o crescimento
seletivo da própria vanguarda da classe. Em suma, estarão convertendo os seus partidos em partidos
proletários por sua composição, por sua orientação e por sua prática cotidiana. Ao mesmo tempo,
procurarão reeducar-se e ressocializar-se: seria funesto que não ocorresse uma proletarização da
consciência social dos revolucionários militantes e dos partidos revolucionários. Aí a dialética de quem
educa quem? possui duas mãos. Mesmo que o revolucionário possua uma origem operária e uma ampla
experiência proletária prévia, ele precisa ser moldado pela classe - não a classe por ele! Caso contrário, a
partir de certo ponto, o proletariado caminhará numa direção e o que deveria ser o partido da revolução
proletária caminhará em outra, cavando-se um fosso fatal entre ambos. Além disso, se tal condição não se
realizar, o partido proletário não poderá colocar-se momentaneamente contra a classe, se as
circunstâncias o exigirem, sem perder sua confiança e sem comprometer sua base social de poder real,
que lhe permite agir tática e estrategicamente como a vanguarda política da vanguarda da classe na luta
pela revolução.
Estas reflexões respondem a certas exigências imediatas. Seria preciso levar em conta,
também, o que alguns entendem serem "os caminhos da revolução proletária". Todas as revoluções
proletárias deste século, com a exceção da revolução cubana, tiveram um período de incubação de vinte a
trinta anos (ou mais) e foram favorecidas, na fase de apogeu, por comoções de âmbito mundial do
capitalismo. Seria uma típica manifestação de extremismo infantil pretender aproveitar nem uma coisa
nem outra da situação histórica brasileira para precipitar a vertente revolucionária sem qualquer
consolidação prévia das posições revolucionárias do proletariado. Se um acontecimento imprevisto
desencadeasse aquela vertente, os partidos revolucionários fugiriam à sua responsabilidade se não
procurassem aproveitá-Ia, indo na medida do possível à luta pelo poder. Contudo, apesar da crise atual,
enfrentada em escala mundial pelo capitalismo, esse se ainda não se configurou como uma possibilidade
à vista. O que resta, pois, é encarar francamente a rota mais difícil, em função das responsabilidades que
um partido revolucionário do proletariado deve enfrentar nas condições presentes da sociedade
brasileira. Esse partido, queira ou não, terá de delimitar suas atividades concretas tendo em vista a
natureza e o volume das tarefas políticas que o proletariado poderá desempenhar, em curto e em médio
prazos, em seus confrontos políticos com as classes dominantes. Por princípio, sua estratégia será a de
converter a "guerra civil oculta" em "guerra civil aberta", tão depressa quanto isso for possível. Na
prática, porém, deverá combinar várias táticas de luta, que unam entre si as reivindicações concretas e os
pequenos combates com o fortalecimento de uma consciência de classe revolucionária e uma disposição
de luta inabalável. Este ponto não pode ser subestimado. Um proletariado de formação tão recente e tão
heterogênea já ganha uma grande vitória quando defende a solidariedade proletária acima de qualquer
outra coisa, como sucedeu na greve do ano passado no ABC. É algo mais delicado e difícil formar uma
consciência proletária revolucionária e uma firme disposição de luta, mantêIas acesa sob o sutil cerco
capitalista, que congrega todas as instituições-chave da sociedade, e impedir que elas não se deteriorem
no dia-a-dia dos embates imediatistas e durante o tempo de espera. O partido revolucionário terá de
desempenhar essa função criadora, ligando entre si a estratégia global do movimento proletário com as
múltiplas táticas aparentemente exclusivas ou dispersivas vinculadas ao emprego, à sitUação de
trabalho, aos comitês de fábrica ou de greve, à proliferação de conselhos operários e populares, às
reuniões nos sindicatos e nas comunidades locais, à agitação em meios não proletários, e assim por
diante. O espírito revolucionário e o objetivo revolucionário precedem o aparecimento da situação
revolucionária e são eles que decidem se o "elemento subjetivo" estará presente quando surgir a
oportunidade. É claro que a re lação de forças é decisiva, mas a oportunidade pode ser perdida se a classe
e o partido não estiverem prontos para agarrar a oportunidade pelo cabelo.
Qualquer que seja a impaciência dos revolucionários ou de uma vanguarda de classe proletária
extremamente consciente, eles podem preparar-se para a revolução, mas não podem forjar ao bel-prazer
a situação histórica revolucionária. Esta transcende a vontade dos agentes e depende de uma evolução
extremamente complexa. Por essa razão, Lenin afirmou que não se faz revolução por encomenda. Ao que
parece, a evolução da revolução proletária no Brasil parece subordinar-se a numerosos fatores que não
permitem vaticinar um caminho nem muito fácil nem muito rápido para a revolução. Em vista das
condições continentais da sociedade brasileira, do modo em que se manifesta na atualidade o
desenvolvimento desigual e combinado, do tamanho da população e da diferenciação regional da
economia, da variação regional do regime de classes e em diversas zonas de uma mesma região, das
circularidades que pesam sobre a revolução burguesa e seu forte resíduo reacionário, do estado
permanente de "guerra fria" dos países capitalistas e de sua superpotência, ativado por seu temor de uma
"desestabilização" iminente, de uma nação periférica tão estratégica para eles, da necessidade inexorável
de passar de um baixo para um alto potencial político de mobilização da luta de classes pelos proletários e
seus aliados, da necessidade também inexorável de modificar e aperfeiçoar os principais meios de luta
organizada do proletariado - os sindicatos e os partidos - e de infundir-Ihes um mínimo de capacidade de
atuação conjunta e de irredutibilidade revolucionária, de produzir novos conhecimentos teóricos sobre
as vias concretas da revolução proletária no Brasil e prognósticos seguros sobre a alteração das relações
de forças, dadas certas variações de conjuntura e de médio prazo, internas e externas, da descoberta das
técnicas revolucionárias que permitirão, nas condições brasileiras, acelerar a evolução da situação
histórica revolucionária etc., a previsão mais otimista terá de levar em conta mais ou menos duas
décadas, isso se as forças da esquerda deixarem de digladiar-se entre si e tomarem uma atitude mais
madura quanto a quem é o inimigo principal, a quem devem combater em primeiro lugar. Portanto, um
partido empenhado em programar as suas atividades como um meio de luta do proletariado deve
preparar-se para uma fase relativamente longa de "guerra civil oculta" (embora duas décadas
aproximadamente não sejam nada na duração histórica), o que permite um cálculo político de que terá
tempo (mais ou menos a metade do tempo indicado) para realizar sua aprendizagem, acumular forças e
ganhar base social, produzir conhecimentos teóricos de agitação, propaganda e de luta (inclusive à mão
armada), paraestarpronto e com probabilidades de aproveitar a situação revolucionária, se ela aparecer,
ou de ajudar a criá-Ia, a partir de uma fase mais avançada da "guerra civil oculta", se a história exigir
empurrões decisivos e o proletariado, um parteiro.
Tal cálculo político é feito com base na "experiência anterior", ou seja, levando em conta
evoluções transcorridas em determinados países, vistas através da dinâmica da sociedade de classes no
Brasil e na América Latina. Ainda não se possui uma experiência (ou probabilidade de previsão) diversa.
Assim, é impossível antecipar-se qual vai ser o poder de desagregação dos países em transição para o
socialismo depois que eles encontrarem as bases para uma coexistência internacional homogênea e
cooperativa - e, principalmente, depois que eles atravessarem a fase dura da transição, que assustou os
setores não revolucionários do proletariado no Ocidente e as classes médias, em particular. Hoje o "cerco
capitalista" tem força relativa suficiente para desgastar os regimes socialistas em formação e em
expansão, para criar tensões entre esses regimes e, inclusive, para deformar seriamente o
desenvolvimento socialista, aumentando desproporcionalmente os investimentos não produtivos e
diminuindo sensivelmente os ritmos da construção do socialismo. Ora, é provável que em médio prazo
(aproximadamente, um quartel de século ou, no máximo, meio século) essa relação será invertida a favor
dos regimes socialistas. O desgaste caminhará, então, no sentido inverso. Pode-se pensar que à atual
rigidez autodefensiva do capitalismo se seguirá uma curta fase de exacerbação da contra-revolução e, em
seguida, por falta de base social para converter a defesa ativa em ataque e em capacidade de autosustentação,
a pulverização. O modo pelo qual os Estados Unidos reagiram à derrota no Vietnã fornece
pistas psicossociais e políticas conclusivas. O desmoronamento, lento no início e rápido logo depois, será
praticamente inevitável. Se esse for o caso, a revolução proletária no Brasil se beneficiará de fatores
externos que ainda se constituem nas correntes da história mundial do presente. Contudo, é preciso
responder às exigências da situação histórica atual, fornecer ao proletariado neste momento, em que ele
ergue coletivamente a sua cabeça, novas possibilidades de travar suas pequenas e grandes batalhas. Por
isso, deve-se seguir a rota batida, ainda que as esperanças possam ser maiores que as nossas realidades.
Um partido desse porte terá de perder a obsessão pela legalidade. O essencial não é a
legalidade, mas o produto da atividade de tal partido na realização das tarefas revolucionárias do
proletariado. Ele deve, naturalmente, bater-se pela legalidade, mas essa nunca poderia nem deveria ser
sua preocupação primordial e principal. Os seus membros em particular - os seus quadros - terão de
entender que a opção pelo partido constitui uma ruptura com a ordem (esta não deve consumar-se só com
a vitória da revolução, mas muito antes: todo militante tem de saber que, ao inscrever-se em um partido
desses, rompe praticamente com a ordem e perde todas as suas garantias ou compensações). Isso não
quer dizer que devam forjar um clima de prérevolução neurótico. Ao contrário, devem estar prontos para
defender o direito à revolução, usado pela burguesia e, mais tarde, proscrito por ela. A imposição da
"ilegalidade" às atividades revolucionárias e de subversão violenta da ordem foi um dos primeiros atos
do terrorismo burguês na Europa. Essa forma de opressão precisa ser combatida, porém não à custa das
próprias tarefas históricas e políticas de um partido proletário que se pretenda revolucionário. Ele deve,
no mínimo, estar permanentemente preparado para realizar aquelas tarefas em duas frentes simultâneas,
a legal, se existir, e a "ilegal", se não houver outro remédio. O grande dilema desta situação está em duas
tendências que ela engendra. A "concessão da legalidade" constitui uma autorização para funcionar nos
limites da ordem e para ser punido nas "transgressões". Ela implica uma tendência à domesticação
política e à socialdemocratização, que deve ser repelida (ou o partido só serárevolucionário na intenção e
de nome). A outra está na redução drástica do espaço político para a ação revolucionária. Essa tendência
vai tão longe que às vezes até a educação das bases e dos quadros no conhecimento da teoria socialista
revolucionária e do comunismo, bem como dos clássicos da teoria revolucionária, é negligenciada ou
evitada, largada, por assim dizer, pelo partido ao azar das circunstâncias. Essa tendência tem de ser
combatida com persistência e cuidado, ao mesmo tempo que se deve procurar as formas viáveis (elas
sempre existem, por perigosas ou difíceis que sejam!) de compensação clandestina dessa desvantagem.
Com esta formulação, irão dizer-me, o que se descreve é o grande partido revolucionário de
massas, uma "repetição" e um "sonho". Ora, o grande partido também é o pequeno partido dos
revolucionários "profissionais". E ele nunca é tão grande, quanto ao número de militantes, uma proporção
pequena da vanguarda operária. A sua irradiação e o seu potencial de luta política é de massas. Não poderia
ser diferente. Porém, o seu núcleo organizado permanente tem de ser o de um partido que possa
desenvolver simultaneamente tarefas políticas revolucionárias de curto, médio e longo prazos, dentro da
ordem e contra ela, e que precisa prever o desdobramento da luta política "por outros meios". Estar
preparado para passar da "guerra civil oculta" para a "guerra civil aberta" é algo que exige mais que
verborragia revolucionária e obreirismo compensatório. Se é preciso "repetir" os exemplos do que ocorreu
na Rússia ou na China (e quem poderá dizer que o exemplo do Vietnã está fora de cogitação?), paciência!
Deve-se, apenas, fazer o possível para "repetir" com igual valor. Não há outra saída no Brasil, dadas as
proporções da nação e das tarefas políticas a serem executadas. Quanto ao "sonho", o que se deve dizer é
que sem sonhos políticos realistas não existem nem pensamento revolucionário nem ação revolucionária.
Os que "não sonham" estão engajados na defesa passiva da ordem capitalista ou na contra-revolução
prolongada. Na verdade, estes não podem sonhar, pois só têm pesadelos... Falando sério, a dimensão
utópica do socialismo revolucionário e do comunismo suplanta todos os sonhos e fantasias que se possa ter,
dormindo ou acordado. Um partido que não souber converter em realidade essa dimensão utópica jamais
poderá propor-se àcondição de vanguarda política do proletariado e de meio válido da revolução proletária.
Outro questionamento que se costuma fazer consiste em perguntar: por que pensar em um
caminho tão difícil e prolongado, quando se tem pela frente uma burguesia débil, como alguns dizem,
"lumpemproletária"? Não seria exagero erguer contra ela um partido revolucionário preparado para os
mais duros e ásperos combates? Penso que este assunto não envolve uma questão de opinião, envolve
uma questão de fato! Em alguns países mais desenvolvidos da América Latina, essa burguesia mostrouse
capaz pelo menos de praticar muito bem a sua autodefesa e de procurar uma sólida proteção no
imperialismo. Uma classe dominante com posições de interesse internacionalizadas não pode ser medida
nacionalmente mas na escala mundial, para a qual ela avançou historicamente através da incorporação e
da contra-revolução prolongada. Portanto, devese levar em conta a via cubana, a via chilena e a via
nicara
güense, pois nelas e através delas pode-se aprender muitas coisas, inclusive porque um país das
proporções, do desenvolvimento relativo e com uma burguesia tão hábil em defender seu monopólio do
poder, como o Brasil, necessita de um partido proletário de porte para ir à revolução anticapitalista e
antiimperialista. O mais importante para nós, na via cubana, não está na guerrilha, mas no modo pelo qual
os guerrilheiros conquistaram o apoio dos camponeses e dos proletários agrícolas para a revolução. Um
partido revolucionário de grande porte terá de chegar ao exército do povo e à guerrilha quando a guerra
civil tornar-se uma guerra civil a quente, de escala nacional. Dar prioridade à guerrilha seria quando menos
infantil, desde que as revoluções proletárias não se repetem enquanto história, mas em suas estruturas, no
que elas possuem em comum graças à luta de classes. Ignorou-se esse lado, porque não se pensou a sério na
revolução. Ainda no fim deste século (e quanto mais hoje) a conquista e o apoio dos camponeses e dos
semicamponeses espalhados por todo o país é crucial. Sem eles, uma revolução proletária não teria
viabilidade, porque as forças nacionais e externas da contra-revolução fragmentariam o país e poderiam,
bem conduzidas, isolar os focos revolucionários vitoriosos, não dando tempo para que a própria revolução
chegasse à conquista do poder e ao escalonamento das batalhas decisivas. Quanto à via chilena - ao lado de
outras coisas que não vêm ao caso debater aqui - é preciso reconhecer que ela não era má em si mesma. O
que ela foi é prematura. Ela exigia um avanço e um peso maiores dos regimes socialistas no equilíbrio
mundial do poder. Somente isto poderia impedir que os capitalistas não ousassem e, se ousassem, ousariam
para ser batidos militar e politicamente. Como essa condição histórica não se realizava, a burguesia
nacional e as nações capitalistas centrais, com a superpotência à frente, aproveitaram os erros cometidos
como se apenas colhessem frutos maduros. A via nicaragüense, por sua vez, comprovou a sua eficácia.
Mas ela cai na categoria de experiência anterior, só que sem possuir as vantagens relativas que favoreceram
os guerrilheiros cubanos. A sua importância está na demonstração de que hoje há um espaço comum a ser
explorado por todas as forças sociais que combatem as iniqüidades das ditaduras de classe e do
imperialismo na América Latina. E que esse espaço conduz a uma redefinição histórica da relação da
burguesia radicalizada e da esquerda unificada com a transformação da ordem. Não é axiomático que se
possa montar no Brasil tal saída e que ela seria o ponto de referência obrigatório do pensamento
revolucionário. Ao revés, o que a experiência da Nicarágua prova é que a ausência de um partido
revolucionário proletário, solidamente apoiado nas massas, constitui uma vantagem para os setores
revolucionários que se limitam a defender a reforma do capitalismo e gera um tempo de espera que
éaltamente favorável às manobras diretas e indiretas do imperialismo, quando ele se manifesta dentro da
área com ânimo colonial, como fazem os Estados Unidos. Ainda aqui, evidencia-se o drama latinoamericano
crônico: as situações revolucionárias configuram-se sem que existam forças organizadas para
conduzir à revolução. A única exceção, até hoje, é a de Cuba. Para impedir essa cronicidade, tão vantajosa à
contra-revolução capitalista, devemos lutar para que o proletariado tenha pelo menos as mesmas
possibilidades de aproveitar as oportunidades históricas que a burguesia. Por essa razão, cumpre estudar
essas revoluções, vitoriosas ou frustradas, mas para aprender e ir além - não para manter o pensamento e a
ação revolucionária dentro de círculos que não se abrem para o nosso futuro, pois dizem respeito a uma
órbita histórica que não coincide com a órbita histórica do desenvolvimento do capitalismo dependente, do
regime de classes e do Estado burguês no Brasil.
Indicações para leitura
Este pequeno livro não pretende ser um equivalente doutrinário sintético do ABC do
Comunismo. É uma tentativa de colocar em termos elementares as bases de uma reflexão política sobre a
revolução proletária concebida como uma atividade coletiva do proletariado.
Uma bibliografia, neste caso, deveria abranger tudo o que ftCou ignorado, o que criaria um
fardo negativo ou demasiado pesado para o leitor comum. No decorrer da exposição foi mencionado um
ou outro livro, uma ou outra leitura. Recomendaria ao leitor que aproveitasse as pistas indicadas,
especialmente que lesse o livro de Victor Serge e completasse esta experiência com o estudo do livro de
L. Trotski sobre a Revolução Russa.
Dentro da linha expositiva adotada, faria fincapé nas obras de Kar! Marx: e Friedrich Engels.
O leitor poderia tomar a coletânea publicada por Edições Sociais, sob o título de TEXTOS (São Paulo,
1975, 1976 e 1977) e lançar-se avidamente sobre alguns trabalhos. Um primeiro grupo de leituras deveria
abranger o Manifesto do Partido Comunista (vol. 3, pp. 7-51), a "Mensagem do Comitê Central à Liga
dos Comunistas" (idem, pp. 83-92) e o ensaio clássico de Engels, intitulado Do Socialismo Utópico ao
Socialismo Cientffico (vol. 1, pp. 5-60). O segundo grupo de leituras deveria ser dedicado a um exercício
que faz falta mesmo a marxistas treinados, seja como "profissionais da revolução", seja como teóricos do
"modo de produção": os ensaios devotados à explicação das revoluções do século XIX. Seria bom
começar comA Guerra Civil na Fran{a (vol. 1, pp. 155-219), passar por As Lutas de Classes na Fran{a
de 1848 a 1850 (vol. 3, pp. 93-198) e por O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (idem, pp. 199-285),
completando pelo famoso estudo de F. Engels As Guerras Camponesas na Alemanha (São Paulo,
Editorial Grijalbo, 1977). Essa soma de leituras permitirá chegar à "natureza íntima" da revolução
proletária - como ela nasce, se desenvolve e poderá atingir seu apogeu na sociedade capitalista. Com a
vantagem de tomar-se, em profundidade, a relação do proletariado tanto com a revolução burguesa em
ascensão, quanto com o "terrorismo burguês" e a reação do capital.
Para ampliar o horizonte político do leitor e saturá10 com os temas que dizem respeito à crítica
marxista do "oportunismo", do "gradualismo" e do "reformismo" e, ao mesmo tempo, às vias concretas
da revolução, indicaria cinco leituras fundamentais. Primeiro, um brilhante ensaio de Rosa Luxemburgo,
contido em RefOrma ou Revolu{ão? (São Paulo, Editora Flama, 1946, pp. 9-96) e o pequeno livro
doutrinário de Kar! Kautski, O Caminho do Poder (São Paulo, Editora HUCITEC, 1979). Trata-se do
verdadeiro debate marxista: o que deve prevalecer - a conciliação ou a luta de classes, voltada para a
conquista do poder pelas classes trabalhadoras? Segundo, pelo menos três obras importantes de Lenin,
Que Fazer? (São Paulo, Editora HUCITEC 1978), A Revolu{ão Proletária e o Renegado Kautski (São
Paulo, Gráfico-Editora Unitas Ltda., 1934) e ADoença Infantil do Esquerdismo no Comunismo (Vitória,
1946). Estas leituras permitem ir dos "casos clássicos" para os "elos débeis" e salientam a necessidade de
não dogmatizar a via revolucionária. O capitalismo e o imperialismo geram o "desenvolvimento
desigual" e "combinado", ou seja, uma via difícil que torna a necessidade do socialismo ainda mais
imperiosa na "parte atrasada" do mundo capitalista. Terceiro, embora tenha ficado de lado a questão da
"técnica revolucionária", seria útil pelo menos introduzir uma leitura sobre o assunto. O pequeno livro de
Victor Serge, Lo que todo revolucionario debe saber sobre la represión (México, Ediciones .Era, 1972; a
edição original é de 1925) parece muito apropriado. Os que pensam que "a revolução se tornou
impossível" por causa da repressão terão de mudar de idéia. Toda revolução precisa criar seu espaço
político próprio, o que é um desafio especial no que respeita à revolução proletária, que só se desencadeia
e deslancha após a conquista do poder (e não antes). Por isso, enfrentar e vencer o terrorismo de Estado
nunca é fácil, esteja-se na Rússia tsarista ou em países da América Latina da época atual.
O "grande debate", para muitos, está na inviabilidade da revolução proletária sob o
capitalismo financeiro e imperialista. Parece, a muitos, que o Estado capitalista abre-se para baixo e
resolve pelo menos os problemas e as necessidades centrais da massa da população trabalhadora. Além
disso, esse capitalismo teria criado um Estado democrático que permitiria uma cultura cívica acessível
não só à participação operária mas, ainda, a um amplo controle do poder político estatal pela "maioria". A
vasta gama de assuntos pode ser apreciada em André Gorz, Estratégia Operária e Neocapitalismo (Rio
de Janeiro, Zahar Editores, 1968, esp. pp. 9-25) e, de uma forma mais refinadamente doutrinária, em N
orberto Bobbio e outros, O Marxismo e o Estado (Rio de Janeiro, Graal, 1979) e em Eurocomunismo e
Estado, de Santiago Carrillo (Rio de Janeiro - São Paulo, D IFEL, 1978). No livro organizado em função
de Bobbio aparece, aqui e ali, uma defesa coerente da "tradição" marxista. No entanto, convém tomar
uma posição de luta intransigente, que defenda uma postura verdadeiramente revolucionária dentro do
marxismo. Dois livros respondem, de forma diferente, a essa necessidade: Étienne Balibar, Sobre La
Dictadura dei Proletariado (México, Siglo Veintiuno Editores, 1977) e Ernest MandeI, Crítica do
Eurocomunismo (Lisboa, Antídoto, 1978). Os dois livros são igualmente esclarecedores. O primeiro
revitaliza a versão marxista-Ieninista da revolução; o segundo realiza uma excursão complexa sobre as
várias vias da socialdemocratização do comunismo. Por isso, tornam-se tão importantes para os que não
vêem outra saída para a crise do capitalismo que a indicada por Marx e Engels no Maniftsto.
Quanto à América Latina e ao Brasil, apresento uma extensa bibliografia em A Revolução
Burguesa no Brasil (Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975). Há evidente interesse, por exemplo, em se
aproveitar ensaios como os de Manuel Castells, Ruy Mauro Marini ou Carlos Altamirano sobre a
revolução chilena. Todavia, até o presente, apenas Cuba logrou romper o rosário das pseudo-revoluções e
das revoluções "interrompidas" das classes dominantes. Por isso, o caso da Revolução Cubana merece
atenção especial do leitor. Como ponto de partida, poderia usar o meu pequeno livro Da Guerrilha ao
Socialismo: A Revolução Cubana (São Paulo, T. A. Queiroz, Editor, 1979). O capítulo lII, especialmente,
oferece uma boa base factual e interpretativa para a comparação de Cuba com outros países da América
Latina e para se entender como os guerrilheiros foram beneficiados e souberam aproveitar uma situação
revolucionária que se constituiu e se agravou ao longo de uma larga evolução histórica. A bibliografia
concatenada no fim do livro deve ser aproveitada seletivamente pelo leitor. Como se trata de uma
combinação singular de situação revolucionária e revolução, recomendo insistentemente a todos os que
queiram aprofundar seu conhecimento sobre as revoluções proletárias de nossa época que leiam com
cuidado (e que releiam) as principais obras sobre a Revolução Cubana.