segunda-feira, dezembro 20, 2010

TRABALHO DE BASE ENTRE OS ESTUDANTES


Frente Popular Darío Santillán (Argentina)
     Chamamos de trabalho de base a prática de comunicar-se com as pessoas para transmitir para elas nosso projeto político e nossa concepção de mundo. Isso implica duas coisas: por um lado, uma crítica às diferentes formas de opressão sobre as quais se assenta esse sistema hegemônico, que consideramos profundamente desigual e injusto. Por outro, uma proposta a seguir, ou seja, alternativas concretas que apontem para uma construção cotidiana de novas relações entre nós e nossas com a natureza, e dessa maneira a criação das bases para uma sociedade que supere o capitalismo atualmente dominante. Significa, então, percorrer um longo caminho de acumulação de poder popular e de desorganização das bases de poder das pequenas elites sociais, as quais reproduzem seus privilégios à custa da exploração de milhões de pessoas. Tudo isso dito em termos bem gerais. 
Trabalho de Base:
      Em termos mais concretos, o trabalho de base toma diferentes formas de acordo com o setor da sociedade com o qual estamos lidando: trabalhadores desempregados, trabalhadores empregados (ou sindicalizados e não sindicalizados), estudantes, camponeses, etc. Cada setor é uma parte do todo, e o trabalho de quaisquer dos setores só tem sentido quando se busca uma confluência com o resto, de modo que se possa articular um caminho conjunto, e assim ir se reconhecendo mutuamente enquanto sujeito coletivo de transformação.
      Nossa base são os estudantes, e a Universidade é nosso lugar central de construção e disputa. 
Porque disputar a Universidade?
     Entendemos que a Universidade é uma trincheira fundamental nessa luta. Entendemos a importância de questionar e criticar o conhecimento que a Universidade produz, o tipo de profissionais que forma e os interesses e necessidades aos quais essa instituição responde; tudo isso, para avançar na disputa ideológica e na luta por uma Universidade orientada a satisfazer as demandas do povo e para problematizar a respeito da socialização do conhecimento e do papel de uma Universidade que restringe esse processo.
     Para os que pretendem manter a dominação, também, a Universidade é fundamental. Para eles, é uma instituição-chave enquanto formadora de quadros técnicos e intelectuais necessários para a reprodução da sociedade como estabelecida atualmente. Os agrônomos, veterinários, engenheiros, por exemplo, para a direção da produção agropecuária e industrial. Os físicos, biólogos, matemáticos, etc., para a produção científico-tecnológica. Os advogados, que além de sustentar o poder judicial, engrossam as filas das câmaras de deputados e senadores, além de outros postos da direção estatal. Os contadores e economistas para a administração das empresas e o assessoramento técnico. Os jornalistas e intelectuais como formadores de opinião, os professores para o sistema educativo, etc.
     O trabalho de base na Universidade, então, consiste em traçar pontes de comunicação com os estudantes, e também com os docentes e servidores, para transmitir-lhes o que tenhamos a dizer, e escutar o que tenhamos que escutar. E aqui aparece um primeiro conceito forte que defendemos: o trabalho de base é, para nós, um diálogo entre sujeitos, uma ida e volta, e não uma repetição mecânica de um discurso que aprendemos a recitar como papagaios. Não nos dirigimos a uma massa de pessoas, a um rebanho combativo ou a meros votos com corpos de homens e mulheres, mas sim, pelo contrário, nosso trabalho de base está amarrado com a concepção de que qualquer ser humano é capaz de traçar seu próprio destino, de decidir seu caminho na história da humanidade. Isso implica toda uma concepção do “outro”, na qual o receptor não é um quadro em branco, mas sim alguém que opina, que pensa e que interpreta a realidade com categorias de análise que foi construindo ao longo de sua vida. Isso significa que não construímos no vazio: confrontamos com uma bateria de ferramentas com as quais as classes dominantes vão militando sua própria visão de mundo, vão contando as coisas como lhes convêm e vão fazendo a maioria das pessoas acreditarem que elas têm que fazer o que é conveniente para essas classes dominantes. Isso é o que o italiano Antonio Gramsci chamou de “hegemonia”, ou seja, a criação de consensos sociais que legitimem e naturalizem as relações de dominação, que em última instancia se garantirão sempre sobre a base dos aparelhos de coerção estatais ou paraestatais.
     Essas ferramentas com as quais a burguesia constrói sua hegemonia atuam dentro e fora da Universidade: desde os meios massivos de comunicação até os critérios de avaliação nas provas, passando por centenas de estratégias, mais ou menos eficazes.
     E, contra tudo isso, fazemos o nosso próprio trabalho de base. À  militância deles, nós nos contrapomos com nossas próprias estratégias de construção contra-hegemônica. A seu discurso único, totalizador, nos contrapomos com formas de concepções alternativas, com outras formas de nos relacionarmos com o mundo e no mundo, com nossos sonhos e com outra concepção do sujeito, um sujeito que pode decidir por si mesmo e incidir e transformar a realidade; algo completamente contrário ao papel que o capitalismo nos impõe, que oscila entre escolher em quem votar e/ou escolher o que comprar. Nosso trabalho de base busca desenvolver, portanto, uma função essencialmente pedagógica e uma prática libertadora.
 
Três momentos para o trabalho de base
      A efetividade do trabalho de base depende do grau de sistematização com que ele se desenvolve. Nesse sentido, podemos distinguir três momentos diferentes:
  1. Definição de objetivos
  É importante discutir previamente de forma coletiva o que se busca com cada ação, e em função disso avaliar as metodologias mais convenientes. É preciso ter claro os objetivos que se persegue com determinada ação ou metodologia de luta, mas também é necessário medir a correlação de forças de cada conjuntura e estabelecer um diagnóstico da base, ver o que a base está dizendo, não para impor um limite “objetivo” ao nosso discurso, mas sim para tomá-lo como um ponto de partida para a própria definição de objetivos.
  Cada atividade tem características próprias e aponta mais em um sentido ou em outro segundo os diferentes casos:  
Atividades de formação e disputa do conhecimento
      Esse tipo de atividades são as que, tendo bastante clareza de nossos objetivos, nos vão servir para problematizar com o estudante e questionar a formação que nos dá a Universidade, o conteúdo dos planos curriculares e a forma de ensino. São espaços que servem para desenvolver conteúdos alternativos, desde outra perspectiva ideológica e colocá-los em discussão. Da mesma forma, servem pra desenvolver a construção do conhecimento coletivo, em contraposição à “educação bancária”, na qual o aluno é considerado um recipiente vazio que precisa ser preenchido pelos saberes que o professor o transmitirá. É importante não subestimar a potencialidade dessas instâncias, além de fazer um acompanhamento das pessoas que participam, juntar e-mails para fazer uma lista, formar grupos de estudos, convidar para atividades semelhantes ou para ajudar a organizar alguma atividade. Sempre entendendo esse acompanhamento como um processo, no qual é necessário ir medindo concretamente cada caso particular e, com base na relação ou na referencia que cada um possa ter de nós, saber qual vai ser o próximo passo.
      Duas atividades que se podem enquadrar dentro desse grupo são os Estágios Interdisciplinares de Vivência (EIVs), como atividades vivenciais na qual se sensibiliza com a vida no campo e se observa as injustiças que os camponeses enfrentam diariamente; e, por outro lado, a disciplina de “Riquezas Naturais”, que permite problematizar não só a respeito da depredação das riquezas naturais, mas também sobre para quem está orientada a formação universitária que tipo de profissional queremos ser1.   
Atividades de referência massiva
     Servem para criar referência do coletivo no conjunto dos estudantes e para fazer a avaliação da base, de suas necessidades e de suas demandas; essas podem ser atividades de caráter mais corporativo2. É importante definir bem o enfoque do eixo a ser tradado, porque essas atividades podem ser um primeiro passo para o debate e podem ser o ponto de partida na hora de estabelecer pontes para as questões políticas, de caráter mais problematizador. Além disso, essas atividades servem para nos legitimarmos para os momentos que convidaremos às mobilizações, na hora de colocarmos alguns debates ou fazer quaisquer outros tipos de atividades. Por exemplo: desde um boletim eletrônico sobre assuntos da Universidade, passando pela luta pelos direitos dos estudantes, como revisão de provas e ofertas de horários alternativos para uma disciplina obrigatória, até o oferecimento de uma oficina sobre globalização ou qualquer tema mais amplo, que tenha relações com os assuntos estudados na Universidade. 
Metodologia de luta
      Metodologias de luta: é indispensável medir a correlação de forças e fazer uma avaliação da situação da base para tomar como ponto de partida no momento de estabelecer os objetivos que buscamos alcançar com alguma ação concreta. Se não medirmos corretamente a correlação de forças, corremos o risco de embarcarmos em lutas que terminem sendo sustentadas por pequenos grupos sem apoio de ninguém e, portanto, sem perspectivas de vitória. Desta maneira, apesar da legitimidade da reivindicação, nossa ação termina sendo contraproducente, já que contribui com a nossa deslegitimação perante nossa base, ao mesmo tempo em que se difunde um sentimento de derrota que supervaloriza a força do inimigo e enfraquece a confiança em nossas próprias forças.
      Com base nos objetivos definidos, se discute coletivamente qual é  a metodologia mais adequada. Aqui entra em jogo nossa criatividade, assim como na tarefa de difusão e propaganda, através da qual não só convocamos para uma determinada ação, mas também expomos nosso projeto político; por isso, é necessário estabelecer estratégias de comunicação que sejam coerentes com a realidade cotidiana e com a análise que fazemos da situação da base. 
  1. Escolha das metodologias
  Esse é um aspecto fundamental no trabalho de base, e que exige uma grande flexibilidade e atividade criativa, atitudes que lamentavelmente não abundam no âmbito da esquerda universitária. Isso é importantíssimo, porque uma metodologia que dá resultados em uma determinada situação pode deixar de servir posteriormente, o que exige que desenvolvamos sensibilidade que nos permita perceber as mudanças no contexto e que nos anime a oferecer propostas alternativas que venham a preencher os vazios. Isso tanto no que diz respeito às estratégias de difusão e comunicação (panfletos, cartazes, publicações, passadas em salas, nos corredores, correntes de e-mail, etc.), quanto no que diz respeito às próprias ações ou atividades para as quais convocamos. Podem existir, se nos propusermos a isso, outras formas de luta para além da trilogia assembléia / aulas públicas / marchas3. Mas para tudo isso precisamos de imaginação e de iniciativa política.
  Ainda que a escolha das metodologias seja algo que necessariamente tenha que relacionar-se diretamente com a análise de cada situação concreta, existem pelo menos três questões gerais para consideramos:
  1. As possibilidades de pensar os métodos mais convenientes a uma determinada conjuntura específica e de poder levá-las adiante na prática estão diretamente relacionadas com o tempo que tenhamos para fazer tudo isso. Por isso é importante desenvolver a capacidade de prever cenários e conjunturas e em função disso planificar os passos a serem seguidos, dividindo tarefas e responsabilidades entre os companheiros.
  2. Envolver a maior quantidade possível de estudantes independentes na organização das atividades e criar espaços que deixem saldos organizativos para o depois da luta propriamente dita (grupos de estudos, projetos específicos, listas de e-mail, publicações coletivas, etc.).
  3. Não absolutizar os métodos: a claridade nos objetivos permite flexibilidade nas táticas.

  1. Momento de avaliação
  As atividades devem terminar com um balanço coletivo do que foi feito. É preciso assumir isso com a maior capacidade de sistematização possível, porque é isso que nos permite tirar conclusões concretas sobre os acertos e os erros de determinada ação. É preciso reservar um tempo para o balanço das atividades e registrar isso de forma escrita, de maneira que se possa utilizar as conclusões no futuro. A aprendizagem valiosa que se consegue através do acúmulo de experiência requer a incorporação de duas coisas à nossa prática militante: primeiro a de sistematizar as conclusões e depois a de recorrer a elas sempre que necessário (não serve para nada registrar saberes se não recorrermos a eles no momento de tomarmos decisões a respeito das novas conjunturas que se apresentam). 
Vícios
- O militante separado do estudante
      Esse é um problema recorrente na militância universitária. Isso tem a ver com toda uma cultura e uma concepção instalada de que a “política” é algo afastado das pessoas comuns. É uma concepção completamente conveniente às classes dominantes e por isso devemos combatê-la. Mas também tem a ver com vícios próprios à militância, que reproduzimos ano após ano e que contribuem com esse distanciamento. Alguns desses vícios são:
  1. Falar em uma linguagem que ninguém entende
   Na vida cotidiana das organizações e nas discussões com companheiros de distintos setores os militantes vão aprendendo categorias de análises e criando uma série de jargões e códigos próprios. É muito comum naturalizar certas formas de expressão e esquecer-se que nem todo mundo entende o mesmo com relação a certas palavras ou categorias (por exemplo: “burocratização”, “capismo”, etc.).
  1. Pressupor conhecimentos que os estudantes não têm
   Muitas vezes escrevemos panfletos ou fazemos passagens em salas sem nos preocuparmos muito com a relação que existe entre o que dizemos e o nível de informação ou as possibilidades de compreensão que os sujeitos aos quais queremos nos direcionar. Assim, por exemplo, falamos da importância do “Diretório Central dos Estudantes” ou da participação nos “Conselhos de Entidades de Base” sem explicar o que são cada uma dessas coisas.
  1. Pleitear questões absolutamente alheias à realidade da base
Essa é uma questão chave e bastante complexa. Por um lado, é um erro convocar os estudantes a discutirem ou se mobilizarem por coisas que não lhes interessam sequer minimamente: não só seria como falar com as paredes, mas além disso contribuiríamos com a deslegitimação das razões de nossa luta. Nossa tarefa enquanto militantes populares é, por outro lado, problematizar coisas que no âmbito do senso comum não se questiona, que estão naturalizadas a respeito das quais não se vê, a princípio, nenhuma perspectiva de mudança. Dessa forma, às vezes é necessário falar de temas que não necessariamente importam imediatamente à maioria, e para isso é necessário saber gerar o interesse e a atenção dos estudantes aos quais nos dirigimos. Duas atitudes muito comuns atuam de forma contrária a esse objetivo: a ansiedade e a arrogância. Aqui é justamente onde está centrada a qualidade do trabalho de base: na sua dimensão pedagógica e criatividade com a que exercemos esse trabalho.
- Burocratização do trabalho de base: ações rotineiras sem objetivos claros
Às vezes existe uma tendência a reduzir o trabalho de base a uma série de passos rotineiros que se desenvolvem mais ou menos mecanicamente. Pregar cartazes no início do dia, panfletar durante os intervalos, passar em sala anunciando alguma atividade ou ficar no centro acadêmico esperando pelos estudantes para responder perguntas ou questões sobre carteirinhas de estudantes. Isso, por si só, não tem nada de errado, já que tudo depende dos objetivos que guiem essas práticas. Em momentos nos quais não estão claros coletivamente os objetivos de uma agrupação política, quando não existe uma apropriação do conjunto dos militantes a respeito do sentido do trabalho de base, surge uma concepção de “movimento de escritório”: são horas no centro acadêmico que se precisa cumprir, como um turno de trabalho, ou cumprir a passagem em sala em um número “x” de salas. O importante deixa de ser convocar para uma atividade ou transmitir uma idéia, e toda a intenção do militante passa a ser a de cumprir determinados objetivos mecânicos estabelecidos previamente. Nesse caso, o trabalho de base fica desvirtuado, porque ele fica deslocado do desejo do militante. Por isso, é muito importante ter clareza no sentido dos debates propostos e das atividades, e também que os processos de definição de objetivos gerem uma apropriação a nível coletivo.
- Menosprezar a sala de aula e o âmbito acadêmico como espaços de construção
     Dentro das salas de aula existem relações de poder e lógicas de transmissão e produção do conhecimento que nós, militantes, em geral conseguimos desnaturalizar e questionar. Entretanto, não podemos esquecer nunca que é o âmbito acadêmico o grande estruturante da socialização e da vida cotidiana dentro de cada faculdade. O interesse dos estudantes está posto principalmente em questões acadêmicas, as formas de reconhecimento estão regidas por parâmetros acadêmicos, ou seja, existe toda uma cultura acadêmica que organiza a vida universitária e que não podemos ignorar se queremos desenvolver uma construção política com inserção real na base.
  1. O militante que não estuda corre em enorme desvantagem para o trabalho de base
     Quanto maior é a mediocridade acadêmica, menor é a legitimidade que o militante tem entre seus colegas, e menor é sua credibilidade e capacidade de aproximação. Levar a sério o estudo (como parte da atividade militante, e não como um aspecto de sua vida privada) é uma condição básica para ter inserção entre os seus colegas. Isso tem a ver com as formas de reconhecimento que operam dentro da cultura acadêmica hegemônica, e vai para além dos conteúdos dos currículos (se são mais ou menos populares, mais ou menos progressistas, etc.). é o mesmo caso dos dirigentes sindicais: os que não são bons trabalhadores podem falar muito nas assembléias, mas não terão nenhuma capacidade de aproximação com os seus colegas (e isso apesar de que em uma fábrica capitalista trabalhar bem implica em aumentar a taxa de lucro do patrão).
  1. A mediocridade acadêmica dos militantes implica uma debilidade estratégica para a construção
Subestimar a disputa acadêmica significa abandonar a luta ideológica dentro da Universidade. A produção do conhecimento é a razão estratégica pela qual a classe dominante pretende controlar as Universidades, e para disputar os conteúdos dos planos curriculares é necessário formar-se: primeiro para saber o que se está criticando, e segundo para saber o que propor como alternativa. Se esse plano da construção não é sólido, o resto dos planos perdem o sentido: lutar para que entrem mais estudantes na Universidade sem se preocupar pelo tipo de formação que eles receberão implica deixar as coisas como estão; além disso, pode-se lutar pela democratização dos espaços institucionais, mas só conseguiríamos outorgar mais legitimidade a um sistema que produziria conhecimento em função dos mesmos interesses das classes dominantes.


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TRABALHO DE BASE ENTRE OS ESTUDANTES


Frente Popular Darío Santillán (Argentina)
     Chamamos de trabalho de base a prática de comunicar-se com as pessoas para transmitir para elas nosso projeto político e nossa concepção de mundo. Isso implica duas coisas: por um lado, uma crítica às diferentes formas de opressão sobre as quais se assenta esse sistema hegemônico, que consideramos profundamente desigual e injusto. Por outro, uma proposta a seguir, ou seja, alternativas concretas que apontem para uma construção cotidiana de novas relações entre nós e nossas com a natureza, e dessa maneira a criação das bases para uma sociedade que supere o capitalismo atualmente dominante. Significa, então, percorrer um longo caminho de acumulação de poder popular e de desorganização das bases de poder das pequenas elites sociais, as quais reproduzem seus privilégios à custa da exploração de milhões de pessoas. Tudo isso dito em termos bem gerais. 
Trabalho de Base:
      Em termos mais concretos, o trabalho de base toma diferentes formas de acordo com o setor da sociedade com o qual estamos lidando: trabalhadores desempregados, trabalhadores empregados (ou sindicalizados e não sindicalizados), estudantes, camponeses, etc. Cada setor é uma parte do todo, e o trabalho de quaisquer dos setores só tem sentido quando se busca uma confluência com o resto, de modo que se possa articular um caminho conjunto, e assim ir se reconhecendo mutuamente enquanto sujeito coletivo de transformação.
      Nossa base são os estudantes, e a Universidade é nosso lugar central de construção e disputa. 
Porque disputar a Universidade?
     Entendemos que a Universidade é uma trincheira fundamental nessa luta. Entendemos a importância de questionar e criticar o conhecimento que a Universidade produz, o tipo de profissionais que forma e os interesses e necessidades aos quais essa instituição responde; tudo isso, para avançar na disputa ideológica e na luta por uma Universidade orientada a satisfazer as demandas do povo e para problematizar a respeito da socialização do conhecimento e do papel de uma Universidade que restringe esse processo.
     Para os que pretendem manter a dominação, também, a Universidade é fundamental. Para eles, é uma instituição-chave enquanto formadora de quadros técnicos e intelectuais necessários para a reprodução da sociedade como estabelecida atualmente. Os agrônomos, veterinários, engenheiros, por exemplo, para a direção da produção agropecuária e industrial. Os físicos, biólogos, matemáticos, etc., para a produção científico-tecnológica. Os advogados, que além de sustentar o poder judicial, engrossam as filas das câmaras de deputados e senadores, além de outros postos da direção estatal. Os contadores e economistas para a administração das empresas e o assessoramento técnico. Os jornalistas e intelectuais como formadores de opinião, os professores para o sistema educativo, etc.
     O trabalho de base na Universidade, então, consiste em traçar pontes de comunicação com os estudantes, e também com os docentes e servidores, para transmitir-lhes o que tenhamos a dizer, e escutar o que tenhamos que escutar. E aqui aparece um primeiro conceito forte que defendemos: o trabalho de base é, para nós, um diálogo entre sujeitos, uma ida e volta, e não uma repetição mecânica de um discurso que aprendemos a recitar como papagaios. Não nos dirigimos a uma massa de pessoas, a um rebanho combativo ou a meros votos com corpos de homens e mulheres, mas sim, pelo contrário, nosso trabalho de base está amarrado com a concepção de que qualquer ser humano é capaz de traçar seu próprio destino, de decidir seu caminho na história da humanidade. Isso implica toda uma concepção do “outro”, na qual o receptor não é um quadro em branco, mas sim alguém que opina, que pensa e que interpreta a realidade com categorias de análise que foi construindo ao longo de sua vida. Isso significa que não construímos no vazio: confrontamos com uma bateria de ferramentas com as quais as classes dominantes vão militando sua própria visão de mundo, vão contando as coisas como lhes convêm e vão fazendo a maioria das pessoas acreditarem que elas têm que fazer o que é conveniente para essas classes dominantes. Isso é o que o italiano Antonio Gramsci chamou de “hegemonia”, ou seja, a criação de consensos sociais que legitimem e naturalizem as relações de dominação, que em última instancia se garantirão sempre sobre a base dos aparelhos de coerção estatais ou paraestatais.
     Essas ferramentas com as quais a burguesia constrói sua hegemonia atuam dentro e fora da Universidade: desde os meios massivos de comunicação até os critérios de avaliação nas provas, passando por centenas de estratégias, mais ou menos eficazes.
     E, contra tudo isso, fazemos o nosso próprio trabalho de base. À  militância deles, nós nos contrapomos com nossas próprias estratégias de construção contra-hegemônica. A seu discurso único, totalizador, nos contrapomos com formas de concepções alternativas, com outras formas de nos relacionarmos com o mundo e no mundo, com nossos sonhos e com outra concepção do sujeito, um sujeito que pode decidir por si mesmo e incidir e transformar a realidade; algo completamente contrário ao papel que o capitalismo nos impõe, que oscila entre escolher em quem votar e/ou escolher o que comprar. Nosso trabalho de base busca desenvolver, portanto, uma função essencialmente pedagógica e uma prática libertadora.
 
Três momentos para o trabalho de base
      A efetividade do trabalho de base depende do grau de sistematização com que ele se desenvolve. Nesse sentido, podemos distinguir três momentos diferentes:
  1. Definição de objetivos
  É importante discutir previamente de forma coletiva o que se busca com cada ação, e em função disso avaliar as metodologias mais convenientes. É preciso ter claro os objetivos que se persegue com determinada ação ou metodologia de luta, mas também é necessário medir a correlação de forças de cada conjuntura e estabelecer um diagnóstico da base, ver o que a base está dizendo, não para impor um limite “objetivo” ao nosso discurso, mas sim para tomá-lo como um ponto de partida para a própria definição de objetivos.
  Cada atividade tem características próprias e aponta mais em um sentido ou em outro segundo os diferentes casos:  
Atividades de formação e disputa do conhecimento
      Esse tipo de atividades são as que, tendo bastante clareza de nossos objetivos, nos vão servir para problematizar com o estudante e questionar a formação que nos dá a Universidade, o conteúdo dos planos curriculares e a forma de ensino. São espaços que servem para desenvolver conteúdos alternativos, desde outra perspectiva ideológica e colocá-los em discussão. Da mesma forma, servem pra desenvolver a construção do conhecimento coletivo, em contraposição à “educação bancária”, na qual o aluno é considerado um recipiente vazio que precisa ser preenchido pelos saberes que o professor o transmitirá. É importante não subestimar a potencialidade dessas instâncias, além de fazer um acompanhamento das pessoas que participam, juntar e-mails para fazer uma lista, formar grupos de estudos, convidar para atividades semelhantes ou para ajudar a organizar alguma atividade. Sempre entendendo esse acompanhamento como um processo, no qual é necessário ir medindo concretamente cada caso particular e, com base na relação ou na referencia que cada um possa ter de nós, saber qual vai ser o próximo passo.
      Duas atividades que se podem enquadrar dentro desse grupo são os Estágios Interdisciplinares de Vivência (EIVs), como atividades vivenciais na qual se sensibiliza com a vida no campo e se observa as injustiças que os camponeses enfrentam diariamente; e, por outro lado, a disciplina de “Riquezas Naturais”, que permite problematizar não só a respeito da depredação das riquezas naturais, mas também sobre para quem está orientada a formação universitária que tipo de profissional queremos ser1.   
Atividades de referência massiva
     Servem para criar referência do coletivo no conjunto dos estudantes e para fazer a avaliação da base, de suas necessidades e de suas demandas; essas podem ser atividades de caráter mais corporativo2. É importante definir bem o enfoque do eixo a ser tradado, porque essas atividades podem ser um primeiro passo para o debate e podem ser o ponto de partida na hora de estabelecer pontes para as questões políticas, de caráter mais problematizador. Além disso, essas atividades servem para nos legitimarmos para os momentos que convidaremos às mobilizações, na hora de colocarmos alguns debates ou fazer quaisquer outros tipos de atividades. Por exemplo: desde um boletim eletrônico sobre assuntos da Universidade, passando pela luta pelos direitos dos estudantes, como revisão de provas e ofertas de horários alternativos para uma disciplina obrigatória, até o oferecimento de uma oficina sobre globalização ou qualquer tema mais amplo, que tenha relações com os assuntos estudados na Universidade. 
Metodologia de luta
      Metodologias de luta: é indispensável medir a correlação de forças e fazer uma avaliação da situação da base para tomar como ponto de partida no momento de estabelecer os objetivos que buscamos alcançar com alguma ação concreta. Se não medirmos corretamente a correlação de forças, corremos o risco de embarcarmos em lutas que terminem sendo sustentadas por pequenos grupos sem apoio de ninguém e, portanto, sem perspectivas de vitória. Desta maneira, apesar da legitimidade da reivindicação, nossa ação termina sendo contraproducente, já que contribui com a nossa deslegitimação perante nossa base, ao mesmo tempo em que se difunde um sentimento de derrota que supervaloriza a força do inimigo e enfraquece a confiança em nossas próprias forças.
      Com base nos objetivos definidos, se discute coletivamente qual é  a metodologia mais adequada. Aqui entra em jogo nossa criatividade, assim como na tarefa de difusão e propaganda, através da qual não só convocamos para uma determinada ação, mas também expomos nosso projeto político; por isso, é necessário estabelecer estratégias de comunicação que sejam coerentes com a realidade cotidiana e com a análise que fazemos da situação da base. 
  1. Escolha das metodologias
  Esse é um aspecto fundamental no trabalho de base, e que exige uma grande flexibilidade e atividade criativa, atitudes que lamentavelmente não abundam no âmbito da esquerda universitária. Isso é importantíssimo, porque uma metodologia que dá resultados em uma determinada situação pode deixar de servir posteriormente, o que exige que desenvolvamos sensibilidade que nos permita perceber as mudanças no contexto e que nos anime a oferecer propostas alternativas que venham a preencher os vazios. Isso tanto no que diz respeito às estratégias de difusão e comunicação (panfletos, cartazes, publicações, passadas em salas, nos corredores, correntes de e-mail, etc.), quanto no que diz respeito às próprias ações ou atividades para as quais convocamos. Podem existir, se nos propusermos a isso, outras formas de luta para além da trilogia assembléia / aulas públicas / marchas3. Mas para tudo isso precisamos de imaginação e de iniciativa política.
  Ainda que a escolha das metodologias seja algo que necessariamente tenha que relacionar-se diretamente com a análise de cada situação concreta, existem pelo menos três questões gerais para consideramos:
  1. As possibilidades de pensar os métodos mais convenientes a uma determinada conjuntura específica e de poder levá-las adiante na prática estão diretamente relacionadas com o tempo que tenhamos para fazer tudo isso. Por isso é importante desenvolver a capacidade de prever cenários e conjunturas e em função disso planificar os passos a serem seguidos, dividindo tarefas e responsabilidades entre os companheiros.
  2. Envolver a maior quantidade possível de estudantes independentes na organização das atividades e criar espaços que deixem saldos organizativos para o depois da luta propriamente dita (grupos de estudos, projetos específicos, listas de e-mail, publicações coletivas, etc.).
  3. Não absolutizar os métodos: a claridade nos objetivos permite flexibilidade nas táticas.

  1. Momento de avaliação
  As atividades devem terminar com um balanço coletivo do que foi feito. É preciso assumir isso com a maior capacidade de sistematização possível, porque é isso que nos permite tirar conclusões concretas sobre os acertos e os erros de determinada ação. É preciso reservar um tempo para o balanço das atividades e registrar isso de forma escrita, de maneira que se possa utilizar as conclusões no futuro. A aprendizagem valiosa que se consegue através do acúmulo de experiência requer a incorporação de duas coisas à nossa prática militante: primeiro a de sistematizar as conclusões e depois a de recorrer a elas sempre que necessário (não serve para nada registrar saberes se não recorrermos a eles no momento de tomarmos decisões a respeito das novas conjunturas que se apresentam). 
Vícios
- O militante separado do estudante
      Esse é um problema recorrente na militância universitária. Isso tem a ver com toda uma cultura e uma concepção instalada de que a “política” é algo afastado das pessoas comuns. É uma concepção completamente conveniente às classes dominantes e por isso devemos combatê-la. Mas também tem a ver com vícios próprios à militância, que reproduzimos ano após ano e que contribuem com esse distanciamento. Alguns desses vícios são:
  1. Falar em uma linguagem que ninguém entende
   Na vida cotidiana das organizações e nas discussões com companheiros de distintos setores os militantes vão aprendendo categorias de análises e criando uma série de jargões e códigos próprios. É muito comum naturalizar certas formas de expressão e esquecer-se que nem todo mundo entende o mesmo com relação a certas palavras ou categorias (por exemplo: “burocratização”, “capismo”, etc.).
  1. Pressupor conhecimentos que os estudantes não têm
   Muitas vezes escrevemos panfletos ou fazemos passagens em salas sem nos preocuparmos muito com a relação que existe entre o que dizemos e o nível de informação ou as possibilidades de compreensão que os sujeitos aos quais queremos nos direcionar. Assim, por exemplo, falamos da importância do “Diretório Central dos Estudantes” ou da participação nos “Conselhos de Entidades de Base” sem explicar o que são cada uma dessas coisas.
  1. Pleitear questões absolutamente alheias à realidade da base
Essa é uma questão chave e bastante complexa. Por um lado, é um erro convocar os estudantes a discutirem ou se mobilizarem por coisas que não lhes interessam sequer minimamente: não só seria como falar com as paredes, mas além disso contribuiríamos com a deslegitimação das razões de nossa luta. Nossa tarefa enquanto militantes populares é, por outro lado, problematizar coisas que no âmbito do senso comum não se questiona, que estão naturalizadas a respeito das quais não se vê, a princípio, nenhuma perspectiva de mudança. Dessa forma, às vezes é necessário falar de temas que não necessariamente importam imediatamente à maioria, e para isso é necessário saber gerar o interesse e a atenção dos estudantes aos quais nos dirigimos. Duas atitudes muito comuns atuam de forma contrária a esse objetivo: a ansiedade e a arrogância. Aqui é justamente onde está centrada a qualidade do trabalho de base: na sua dimensão pedagógica e criatividade com a que exercemos esse trabalho.
- Burocratização do trabalho de base: ações rotineiras sem objetivos claros
Às vezes existe uma tendência a reduzir o trabalho de base a uma série de passos rotineiros que se desenvolvem mais ou menos mecanicamente. Pregar cartazes no início do dia, panfletar durante os intervalos, passar em sala anunciando alguma atividade ou ficar no centro acadêmico esperando pelos estudantes para responder perguntas ou questões sobre carteirinhas de estudantes. Isso, por si só, não tem nada de errado, já que tudo depende dos objetivos que guiem essas práticas. Em momentos nos quais não estão claros coletivamente os objetivos de uma agrupação política, quando não existe uma apropriação do conjunto dos militantes a respeito do sentido do trabalho de base, surge uma concepção de “movimento de escritório”: são horas no centro acadêmico que se precisa cumprir, como um turno de trabalho, ou cumprir a passagem em sala em um número “x” de salas. O importante deixa de ser convocar para uma atividade ou transmitir uma idéia, e toda a intenção do militante passa a ser a de cumprir determinados objetivos mecânicos estabelecidos previamente. Nesse caso, o trabalho de base fica desvirtuado, porque ele fica deslocado do desejo do militante. Por isso, é muito importante ter clareza no sentido dos debates propostos e das atividades, e também que os processos de definição de objetivos gerem uma apropriação a nível coletivo.
- Menosprezar a sala de aula e o âmbito acadêmico como espaços de construção
     Dentro das salas de aula existem relações de poder e lógicas de transmissão e produção do conhecimento que nós, militantes, em geral conseguimos desnaturalizar e questionar. Entretanto, não podemos esquecer nunca que é o âmbito acadêmico o grande estruturante da socialização e da vida cotidiana dentro de cada faculdade. O interesse dos estudantes está posto principalmente em questões acadêmicas, as formas de reconhecimento estão regidas por parâmetros acadêmicos, ou seja, existe toda uma cultura acadêmica que organiza a vida universitária e que não podemos ignorar se queremos desenvolver uma construção política com inserção real na base.
  1. O militante que não estuda corre em enorme desvantagem para o trabalho de base
     Quanto maior é a mediocridade acadêmica, menor é a legitimidade que o militante tem entre seus colegas, e menor é sua credibilidade e capacidade de aproximação. Levar a sério o estudo (como parte da atividade militante, e não como um aspecto de sua vida privada) é uma condição básica para ter inserção entre os seus colegas. Isso tem a ver com as formas de reconhecimento que operam dentro da cultura acadêmica hegemônica, e vai para além dos conteúdos dos currículos (se são mais ou menos populares, mais ou menos progressistas, etc.). é o mesmo caso dos dirigentes sindicais: os que não são bons trabalhadores podem falar muito nas assembléias, mas não terão nenhuma capacidade de aproximação com os seus colegas (e isso apesar de que em uma fábrica capitalista trabalhar bem implica em aumentar a taxa de lucro do patrão).
  1. A mediocridade acadêmica dos militantes implica uma debilidade estratégica para a construção
Subestimar a disputa acadêmica significa abandonar a luta ideológica dentro da Universidade. A produção do conhecimento é a razão estratégica pela qual a classe dominante pretende controlar as Universidades, e para disputar os conteúdos dos planos curriculares é necessário formar-se: primeiro para saber o que se está criticando, e segundo para saber o que propor como alternativa. Se esse plano da construção não é sólido, o resto dos planos perdem o sentido: lutar para que entrem mais estudantes na Universidade sem se preocupar pelo tipo de formação que eles receberão implica deixar as coisas como estão; além disso, pode-se lutar pela democratização dos espaços institucionais, mas só conseguiríamos outorgar mais legitimidade a um sistema que produziria conhecimento em função dos mesmos interesses das classes dominantes.


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