Maria de Nazaré Tavares Zenaide1
Apresentação
A criação de organizações e estabelecimentos de defesa dos direitos humanos - centros, sociedades, associações, comissões e conselhos - em diversas sociedades e nações, foi ocorrendo historicamente em cada contexto social conforme o nível de consciência e de luta em defesa da vida, da liberdade, da igualdade, da justiça e da solidariedade, constituindo assim, numa teia de órgãos guardiães dos direitos da pessoa humana. Enquanto atores sociais, esses órgãos de proteção e defesa estão imbricamente articulados com o processo histórico das lutas sociais em cada conjuntura política específica, tomando formas e modos de articulações diferenciados.
O presente texto se propõe a resgatar a contribuição de distintos atores sociais e institucionais, que a partir dos anos 70 vem construindo a luta em defesa dos direitos humanos no Estado da Paraíba.
Situaremos inicialmente alguns atores sociais que a nível nacional construíram a luta em defesa dos direitos humanos no Brasil, de modo a contextualizar o processo na Paraíba.
Os dados apresentados neste trabalho foram coletados através de um cadastro institucional realizado em 1995 através da pesquisa “Representações Sociais de Política Institucional em Direitos Humanos e Educação Popular”, quando foram cadastrados órgãos de direitos humanos criados no período de 1970 a 1995 com sede em João Pessoa. A estes dados foram acrescentados, o trabalho do Relatório de Experiências de Educação em Direitos Humanos na Paraíba, construído em parceria com as entidades e órgãos de direitos humanos, e ainda, o trabalho sobre os Conselhos de Políticas Públicas e Cidadania na Paraíba, construído a partir do banco de dados da Coordenação de Programas de Ação Comunitária da UFPB.
Contextualizando a Luta e os Atores em Direitos Humanos no Brasil
Contextualizar a luta dos Direitos Humanos no Brasil significa escolher a opção histórico-político-social de leitura a respeito das lutas e movimentos sociais, e nesta, do engajamento das forças sociais na construção de processos participativos de conquista dos direitos de cidadania. A partir da década de 64 até meados de 98 o Brasil conviveu com um longo processo de regime autoritário que implicou em uma ruptura do processo democrático. Com esta, os direitos civis e políticos foram cassados, a violência institucional tomou visibilidade na cena política, inibiu-se e calou-se as forças de oposição. Nesta conjuntura específica, a prática dos órgãos de direitos humanos centralizou-se nas lutas de resistências coletivas em busca do resgate dos direitos civis e políticos cassados pelo regime militar.
Muitos foram os atores que nesta fase da história do Brasil exerceram papel significativo nas lutas de resistência e defesa de presos políticos e exilados políticos no Brasil: a Igreja Católica, a Conferencia Nacional dos Bispos, as Pastorais, as Comunidades Eclesiais de Base, as Comissões de Justiça e Paz, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa entre outros.
As lutas como, a Campanha pela Anistia e a Campanha contra a Lei de Segurança Nacional, a partir de 1975, foi a tônica da luta pelos direitos humanos nesse período histórico. Embora a luta pelos direitos humanos neste momento centralizava sua ação na defesa da integridade dos presos políticos, foi também significativa nessa fase, o ressurgimento do movimento sindical no ABC paulista, trazendo para o embate entre sociedade e governo, a conquista dos direitos econômicos e sociais.
Segundo HERKENHOFF (1994) a luta pela Anistia significou o reencontro de consciências morais em torno do tema da ética, da liberdade e da democracia. Várias foram as forças sociais que engrossaram esse relevante movimento da história contemporânea brasileira.
Posteriormente em 1987 o movimento pró-constituinte exerceu um significativo papel para a conquista da cidadania, conquistando parcelas de poder na luta contra as forças conservadoras, em defesa da cidadania coletiva.
No processo de renovação democrática da sociedade brasileira, vários setores e organizações tiveram uma atuação como ator social interferindo no processo político de modo ativo e incisivo. Destas é possível destacar a atuação da OAB, da ABI e da Igreja Católica.
A OAB, segundo ALVES (1984) enquanto associação profissional, exerceu um papel político extremamente importante no que se refere à defesa dos direitos humanos e da democracia, na exigência de revogação da legislação repressiva e no esclarecimento da opinião pública sobre questões legais e direitos públicos e civis. ALVES (1984,p.210) assinala que,
“O primeiro estágio do trabalho de oposição da OAB concentrou-se na defesa dos presos políticos e na denúncia de prisões arbitrárias e/ou da tortura. Com a V Conferência nacional da OAB, realizada em 1974, ampliou-se o quadro das prioridades, passando a incluir a defesa global dos direitos humanos. A OAB caminhava assim na mesma direção que outros setores de oposição, para impor o respeito aos direitos políticos, civis, sociais e econômicos (... )
Ainda segundo ALVES (Op. Cit. p. 212)
“Uma das necessidades essenciais de um Estado repressivo é limitar o fluxo de informação à disposição da população, ocultar abusos e de impor um silêncio que não só limite a oposição como aumente o sentimento de isolamento e medo, necessário ao impacto de uma estratégia de governo pelo terror”.
A Associação Brasileira de Imprensa - ABI, fundada em 1931, foi mais um dos atores sociais que exerceu um papel político considerável na defesa da democracia, pela sua prática insistente de oposição ao regime ditatorial e em defesa da liberdade de imprensa e dos direitos políticos e civis. Além de defender os profissionais - jornalistas - ameaçados, ela organizava conferências, reuniões e cursos sobre questões básicas que interessavam tanto aos jornalistas quanto à sociedade em geral.
A Igreja Católica no período do regime militar exerceu também um papel político considerável como espaço institucional de resistência. Seu envolvimento deu-se na proteção de presos políticos, na denúncia da violência do Estado, no abrigo institucional de lideranças das lutas do movimento popular e sindical, que haviam sido fortemente reprimidos com o golpe de 64 e no trabalho de base como os grupos socialmente excluídos.
Para Cava (1988) as comunidades Eclesiais de Base - CEBs que emergiram no Brasil - especificamente no Nordeste - em meados da década de 60, multiplicavam-se por todo o país e funcionavam como “escolas para educar os exploradores na defesa de seus direitos humanos inalienáveis”. Ainda segundo este autor, a igreja dispunha nesta fase político-institucional uma ampla rede de comunicação, uma rede de quadros espalhados por todo o país que funcionava, apesar da censura, como correia de transmissão, fornecendo informação rápida e eficiente à população.
A luta pelos Direitos Humanos nos anos 80 com o processo de ascensão dos movimentos sociais reforçou as lutas pelo retorno dos direitos civis e políticos e ampliou a luta pela conquista dos direitos econômicos e sociais, modelando a concepção e a prática em direitos humanos para a construção da cidadania individual e coletiva. Segundo Gohn(1995 )a década de 80 foi extremamente rica do ponto de vista das experiências político-sociais, considerando: a volta das eleições diretas, o processo constitucional, o surgimento das centrais sindicais, das entidades organizadas do movimento popular e de inúmeros movimentos sociais.
As demandas postas pelas mobilização de amplos setores da sociedade, estimularam a emergência de outros atores sociais e políticos, destacando-se nesta, as organizações não governamentais - ONGs - e as entidades de assessoria - jurídica e técnica - aos movimentos populares que tiveram um significativo papel no processo constituinte de 1986 a 1988.
Durante a década de 80 no Brasil emergiram novos movimentos sociais centrados em torno da ética e da valorização da vida humana, a exemplo, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, o Movimentos dos Aposentados, Movimento Viva Rio, o Movimento Nacional de Direitos Humanos entre outros, assim como o crescimento das ONGs.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH surgiu em 1980, a partir da necessidade das entidades de Direitos Humanos articularem-se na luta em defesa dos presos políticos, exilados e excluídos sociais. O MNDH é de âmbito nacional, organiza-se através de regionais compostas de organizações não-governamentais com instâncias de direções regionais e nacional. Dentre os programas básicos do MNDH destacam-se: o de formação, o banco de dados e o de comunicação. MNDH (1982)
Segundo dados de pesquisa do MNDH realizada em 1991, das 223 entidades e CDHS vinculadas ao movimento, a região Nordeste aparece com maior número de filiados - 45. Destes 10 ( dez ) estão em Pernambuco, 09 (nove) na Paraíba; 09 (nove) no Piauí; 07 (sete) no Rio Grande do Norte, 05 (cinco ) na Bahia; 04 (quatro) no Ceará e 01 (um) em Sergipe.
Os dados revelam também que é nas regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste que estão localizados os CDHS com mais de 15 (quinze) anos. A pesquisa ainda apresenta que nos últimos cinco anos foram criados um maior número de entidade e A CDHS filiados do a MNDH.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos no Estado da Paraíba está constituído por organizações não-governamentais e órgãos públicos. Deste participam como filiados: a Sociedade De Assessoria ao Movimento Popular e Sindical - SAMOPS; o Centro da Mulher 8 de Março; a ASDAC; a Comissão de Justiça e Paz de Guarabira; o Centro de Orientação dos Direitos Humanos de Guarabira; o Centro de Defesa dos Direitos Humanos/assessoria e Educação Popular; o Centro de Defesa dos Direitos Humanos João Pedro Teixeira; o Serviço de Paz e Justiça - SERPAJ e a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves e a Comissão dos Direitos do Homem e do Cidadão - CDHC/UFPB.
Contextualizando a Luta e os Atores em Direitos Humanos na Paraíba
Os centros de defesa, as comissões de justiça e paz e as comissões pastorais criadas na década de 1970 tiveram a relevante intermediação da Igreja católica como espaço institucional capaz de criar uma rede de solidariedade, através dos mais diversos órgãos de defesa gestados. (ZENAIDE e CARNEIRO,1995). Nesse momento histórico caracterizado por um Estado repressivo,os órgãos de defesa criados no âmbito da igreja católica exerceram um relevante papel histórico em defesa dos direitos humanos e da democracia.
Na Paraíba, as ONGs relacionadas à luta pela Direitos Humanos emergiram nos anos 70 nas modalidades de comissões, centros de defesa e associações. Nesta década, especificamente em João Pessoa, segundo ZENAIDE e CARNEIRO (1995) surgiu o primeiro Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba. Surgiram ainda nesta década: o Serviço de Paz e Justiça (1974), a Comissão Pastoral da Terra(1975) e a Associação dos Amigos da Natureza (1978). Nesta fase surge ainda em João Pessoa, segundo ALBUQUERQUE, o Centro da Mulher (1979) posteriormente em 1980, chamado Grupo Feminista Maria Mulher.
Na década de 80, especificamente em 1981 emergiu na Paraíba, especificamente no município de Guarabira, outro significativo órgão de defesa que teve um relevante papel na região do brejo, o Serviço de Educação Popular e Direitos Humanos vinculado a arquidiocese (SANTOS e TOSI In ZENAIDE, 1999). No município próximo de Guarabira, em Pirpirituba, as mulheres trabalhadoras, criaram um movimento em defesa dos direitos humanos posteriormente instituído como Associação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras do Brejo em 1982 (LIMA In ZENAIDE, 1999). Em João Pessoa nesta década segundo ZENAIDE e CARNEIRO (1995), surgiram: O Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Assessoria e Educação Popular (1980), a Associação Santos Dias (1982), a Sociedade de Assessoria ao Movimento Popular e Sindical (1985), o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (1985).
A década de 90 por sua vez, marcou com criação de ONGs e comissões de direitos humanos, assim também, com o surgimento dos Conselhos de Cidadania. Dentre as ONGs e comissões criadas neste período em João Pessoa, segundo ZENAIDE (1999) destacam-se: o Centro da Mulher 8 de Março em 1990, o Cunhã Coletivo Feminista em 1990, a Comissão de Direitos Humanos da UFPB em 1990, o Movimento do Espírito Lilás em 1993, o Grupo 43 da Anistia em 1994, a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria ALVES em 1994, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa em 1995, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de João Pessoa em 1995 e a Associação de Prevenção à AIDS em 1996 entre outras.
No que refere aos conselhos de cidadania, a década de 90 em João Pessoa foi palco da criação de conselhos estaduais e municipais: o Conselho Estadual de Defesa do Homem e do Cidadão em 1992, o Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente em 1993, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher em 1997, o Conselho Municipal de Defesa da Mulher em 1997, o Conselho Estadual de Defesa do Consumidor em 1997, o Conselho Estadual de proteção de Vítimas e Testemunhas em 1997(ZENAIDE, 1999). Em 2000 novos dois conselhos foram criados, o Conselho de Defesa do Idoso (2000) e do Negro (2000).
Segundo LYRA (1996) os conselhos de cidadania criados a partir de 1988 expressam um significativo mecanismo institucional de exercício da participação e de controle social do Estado, na medida em que estes, foram criados a partir da participação ativa da sociedade civil organizada na luta pela democratização da gestão pública e do controle social das ações do Estado. Entretanto, a história de criação dos conselhos na Paraíba não foi unânime. Os conselhos de proteção à vítima e testemunhas, assim como, o Conselho de Defesa do Negro e do Idoso, foram criados não a partir de um processo participativo tendo como propositores as forças sociais da sociedade civil organizada, mas surgiu a partir de iniciativa do próprio setor público, especificamente da Secretaria da Cidadania e Justiça. A composição e a vinculação institucional, desde que discutida e negociada com os setores representativos e organizados faz parte das regras do jogo democrático. Porém quando o Estado se antecipa, institucionaliza e controla, ele impede que os conselhos de cidadania atuem como forças de controle social efetivamente.
A emergência de criação de mecanismos institucionais de defesa, como os órgãos de direitos humanos define-se em torno da necessidade de articulação e criação de mecanismos institucionais, com capacidade para reagir e intervir de modo jurídico e político prevenindo ou atuando de modo emergencial nas formas de violações dos direitos humanos. Como afirma MBAYA (1987) “o problema da proteção aos direitos humanos não está na existência de normas, mas no funcionamento de mecanismos capazes de reagir às violações”.
É no plano político-jurídico portanto, que as conquistas e perdas são estabelecidas e renovadas no que tange a proteção aos direitos humanos. Vai ser portanto, na ação permanente e competente desses órgãos e organizações como guardiães dos direitos humanos e da cidadania que estes poderão conquistar e oferecer uma efetiva ação de proteção aos direitos humanos, um dos valores democráticos ainda a ser conquistado para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil.
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