Na mais significativa das lendas a respeito de Jesus, conta-se que o diabo tomou-o a uma montanha muito alta e mostrou-lhe todos os reinos do mundo num único momento de tempo; e o diabo disse a ele: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quero”. Jesus, como sabemos, respondeu e disse “Vai-te para trás, Satanás!” E estava sendo sincero: ele se recusaria a ter qualquer coisa em comum com a glória do mundo, com “poder temporal”; ele escolheu a carreira de um agitador revolucionário, e morreu a morte de um perturbador da paz. E por dois ou três séculos a sua igreja seguiu os seus passos, promovendo o seu evangelho proletariado. Satanás tinha conseguido tudo que havia pedido a Jesus trezentos anos antes.Os cristãos primitivos tinham “tudo em comum, exceto suas esposas”; viviam à margem da sociedade, escondendo-se em catacumbas desertas, sendo atirados aos leões e fervidos em óleo.
Mas o diabo é um verme sutil; ele não desiste diante da primeira derrota, pois conhece a natureza humana e a intensidade das forças que batalham em seu favor. Ele não conseguiu pegar Jesus, mas voltou para pegar a igreja de Jesus.
Ele veio quando, através do poder da nova ideia revolucionária, a Igreja havia conquistado uma posição de tremenda influência no Império Romano decadente; e o verme sutil assumiu a aparência de ninguém menos do que o próprio Imperador, sugerindo que ele deveria converter-se à nova fé, de modo que a Igreja e ele pudessem trabalhar juntos para a maior glória de Deus. Os bispos e pais da Igreja, cheios de ambição para a sua organização, caíram no estratagema, e Satanás saiu rindo à valer consigo mesmo. Ele tinha conseguido tudo que havia pedido a Jesus trezentos anos antes; tinha conseguido a maior religião do mundo. O quão completo e rápido foi o seu sucesso pode ser julgado pelo fato que cinquenta anos mais tarde encontramos o Imperador Valentiniano vendo-se compelido a publicar um edito limitando as doações das sensibilizadas mulheres das igrejas de Roma.
Daquele tempo em diante o cristianismo tem se mostrado… o principal inimigo do progresso social. Dos dias de Constantino até os dias de Bismarck e Mark Hanna, Cristo e César tem sido um, e a Igreja tem servido de escudo e armadura para o poder econômico predatório. Com apenas uma ressalva digna de nota: a Igreja nunca foi capaz de suprimir por completo a memória de seu fundador proletário. Ela fez o máximo nesse sentido, naturalmente; temos visto os seus acadêmicos distorcendo por completo o sentido das palavras dele, e a Igreja Católica chegou mesmo a manter o uso de uma língua morta, de modo que suas vítimas não pudessem ouvir as palavras de Jesus numa forma que pudessem entender.
Upton Sinclair, em Os Lucros da religião (1918)
Nenhum comentário :
Postar um comentário