Karl Marx (1818-1883) é um dos mais expressivos filósofos do mundo. O que ele tem de expressivo e de uma enorme contribuição, tem de distorções de sua teoria e de sua obra monumental.
Leia mais em: 132 anos sem Karl Marx... um homem que mudou o mundo e entrou para a história
Shellen Galdino*
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"Durante o século XX, nas chamadas ‘sociedades
democráticas’, ninguém teve seus direitos civis ou políticos limitados por ser durkheimiano ou
weberiano – mas milhares de homens e mulheres, cientistas sociais ou não, foram
perseguidos, presos, torturados, desterrados e até mesmo assassinados por serem
marxistas".
José Paulo Netto
De democrata humanista à revolucionário, o conjunto das obras de Karl Marx é de um impressionante arsenal teórico.
1. Marx, ou espírito do Mundo?!
Marx queria seguir a carreira acadêmica, porém isto não foi concretizado pela perseguição que ocorreu aos seguidores de Hegel na então universidade. Mas mesmo assim, se doutorou em filosofia.
Mas Karl Marx não entrou na história como filósofo, nem tão pouco como economista, sociólogo, cientista político, jornalista ou algo do tipo, Marx entrou para a história como revolucionário.
Marx ao doutourar-se (equivalente a graduação), conseguiu um emprego como jornalista em um jornal pequeno-burguês chamado A Gazeta Renana. Foi essa, sua única profissão, a de jornalista. Quando os conflitos começaram a fazer parte do cotidiano da Renania, Marx se deparou com uma realidade complexa, e viu-se com elementos insuficientes para compreender a realidade: seu estudo filosófico não dava conta dos conflitos entre sociedade civil e Estado.
Assim, Marx recorre ao maior pensador da época que estuda o Estado e a sociedade civil. E é no idealismo de Hegel que Marx busca as respostas para compreender a realidade.
Mas, é com Engels que Karl Marx tem o primeiro acesso a uma crítica da economia política. A partir do contato com a economia política clássica, Marx encontra um dos pilares fundamentais de sua obra: o valor produzido pelo trabalho, que a partir da exploração, produz mais-valia que é apropriada pela classe burguesa.
Quem sofre essa exploração? Os trabalhadores ou os proletariados, que para Marx são o novo sujeito revolucionário, como fora a classe burguesa em outrora. Com a marca dos mais explorados, os trabalhadores podem libertar a si mesmo e toda a humanidade.
Neste sentido, Marx se aproxima das lutas dos trabalhadores na época, transformando assim sua obra numa espécia de guia para a transformação social e superação das desigualdades de classe. Marx e Engels se aproximam e fundam a Internacional Comunista, onde como manifesto, surge um dos livros mais conhecidos do mundo: o manifesto do partido comunista, em 1848.
Fora esta obra, Marx possui diversas obras, alguns manuscritos e outros artigos, como a Ideologia Alemã, Sobre a questão judaíca, o 18 de brumário, os Manuscristos econômicos e filosóficos... mas a principal obra de Marx ele demorou 15 anos para escrever: O Capital, volume I.
Marx dedicou a sua vida para compreender a sociedade burguesa, a sociedade do capital. Grande parte de suas análises do sistema capitalista ajudaram a compreender o mundo e são até hoje atuais, embora algumas, pelo passar dos anos se complexificaram ou desapareçam, daí a magnitude de sua obra.
2. Marx não é marxismo. Marxismo não é Marx
Vale lembrar que como Buda não era Budista, Marx não era marxista, e pelo contrário, nem gostava dessa "idolatria".
Podemos dividir de forma didática da seguinte maneira:
- Teoria marxiana: obra realmente referente a Karl Marx, e em certa medida ao Engels.
- Marxismo, ou melhor, tradição marxista: aqueles que se identificam com o método e construção teórica de Marx, e que em certa medida acrescenta, retiram e modificam a obra de Marx.
Assim, podemos dizer que teoria marxiana é a teoria do próprio Marx, e que o marxismo ou tradição marxista é um projeto teórico que abarca diversos homens, produto de intervenção intelectual e política, e se tratando assim de uma ampla diversidade, sendo correto afirmar que existem Marxismos, no plural. Que pode ser de Gramsci a Lukács, de Althusser a Poulantzas, de Carlos Nelson Coutinho a Florestan Fernandes, de Harvey a Michel Lowy... só essa lista já demonstra a pluralidade dessa corrente teórica.
3. Karl Marx pertence a chamada razão moderna, na crítica
Hoje (e não só hoje) temos muitas polêmicas no tocante as duas vertentes que disputam a direção do conhecimento: modernidade e pós-modernidade.
Assim, Marx pertence a um conjunto de intelectuais que são inspirados, de certa forma, pelo Iluminismo, pela razão, pelo humanismo e pela emancipação humana através dela mesma, diferente de um período anterior que de certa forma coloca essa salvação nas mãos de Deus.
Mas mesmo pertecendo a esse meio, Marx não faz um culto ou uma celebração a modernidade e ao capitalismo. Na verdade, Marx é um divisor de águas, quando de forma crítica se mantém no pensamento moderno. Assim, o pensamento marxista se trata de uma das expressões do pensamento moderno, e trata-se assim da perspectiva CRÍTICA, a que propõe uma superação desses moldes.
Por isso, de certa forma, os autores pós-modernos fazem uma crítica ao marxismo. O que a meu ver é um equívoco, pois colocam no mesmo julgo o marxismo e a razão instrumental e o positivismo.
4. A ortodoxia do método
O método é um pilar fundamental do marxismo. Um dos maiores marxistas do século XX, o húngaro Lukács, afirma que o método é na verdade a única "ortodoxia". Assim, por isso alguns pontos vistos por Marx podem ser revistos, se a partir do método. Lukács afirma:
"A ortodoxia em matéria de marxismo se reduz exclusivamente ao método." (Lukács, 1967)
Marx, diferente de alguns autores posteriores, não elencou uma série de regras metodológicas, porque via nisso uma forma de engessar a criação e ocultar a essência do real. Para ele:
"Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento[...] é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado." (MARX, 1968).
O espírito do legado de Marx consistia, nos termos de Vladimir Lenin, em uma “análise concreta de uma situação concreta”. Não interessava elaborar uma ciência da lógica, e sim a lógica de um objeto determinado. Descobrir esta lógica consiste em reproduzir idealmente (teoricamente) a estrutura e a dinâmica deste objeto.
Diferente do que alguns possam afirmar, Marx não partiu do nada. Ele fez o que se faz para ser um bom intelectual: subiu no ombro dos gigantes. Assim, Marx se apropriou de todo o conhecimento gerado na sua época, inclusive literatura (ele lia bastante Goethe e Shaekspeare).
Assim, o mesmo avança criticamente a partir do conhecimento acumulado, Marx empreendeu a análise da sociedade burguesa, com o objetivo de descobrir a sua estrutura e a sua dinâmica, principalmente a partir desses pilares:
1. Economia Politica inglesa (Adam Smith, David Ricardo etc)
2. Socialismo utópico (Robert Owen, Fourier, Saint Simon etc)
3. Filosofia clássica alemã (Hegel, Kant etc)
4. Teoria da luta de classes burguesa (teóricos inspirados em 1789, a revolução francesa)
As formulações teórico-metodológicas iniciais de Marx, por volta dos anos 1840, aproximam-se ao materialismo – devidas à influência de Feuerbach; e começam a surgir críticas à filosofia de Hegel. No decorrer do ano de 1844, é quando começa a se deslocar da crítica filosófica para a crítica da economia política e suas ideias ganham crescente elaboração.
*Shellen Galdino é Assistente Social e mestranda em Serviço Social na UFPB.
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