Analisar o Movimento Passe Livre
(MPL) e as últimas manifestações, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto
Alegre, BH, DF, João Pessoa e outras cidades no Brasil, se trata de um assunto
extremamente delicado e complexo, tendo em vista a forma e essência dos atos,
principalmente estes com vários fatos e acontecimentos de uma velocidade e
dinâmica que impedem uma análise mais precisa, desde já, informo que essa
análise está longe de se esgotar neste artigo.
Nas cidades supracitadas entre
outras, ocorreram diversas manifestações pela redução da tarifa do transporte
público coletivo. Os protestos foram marcados pelo protagonismo da juventude,
porém esse não foi o único fator em comum e a repressão da Polícia Militar (sob
comando dos governos estaduais). Vale destacar também a grande importância da
ferramenta do facebook na mobilização.
Os protestos cada vez mais
aumentam de proporção, estes levaram mais de 200 mil pessoas às ruas em várias
cidades no dia 17 de junho, e continuam lotando as ruas com milhares de
manifestantes, algo que não se via com tantas proporções nos últimos tempos. Se
trata de um momento inédito, um verdadeiro “fenômeno” cheio de contradições e
peculiaridades.
O aumento de proporção do
movimento, em seu início, foi acompanhada pela repressão policial. As imagens
assustam e confirmam a razão de termos a polícia mais violenta do mundo. Autoritarismo,
truculência, descontrole e a brutalidade são visíveis nas imagens/vídeos,
depoimentos, e pior, nas marcas das vítimas. Vale ressaltar, que essa é a
realidade cotidiana de muitas periferias.
A posição da mídia deu um giro
enorme. Esta que se colocava contra os protestos e “vandalismos” teve que recuar.
Os protestos foram até destaque no The New York Times e outros meios da
imprensa internacional. A mídia mudou completamente a cobertura, inclusive
divulgando e lucrando com isso, apesar das contradições, a mesma “aplaude” os
protestos pacifistas e condena a “minoria radical”. E isso, se tratando do PIG
(Partido da Imprensa Golpista), nunca será atoa.
A manifestação que começou tímida, se trata de um verdadeiro “fenômeno”, pois ampliou sua pauta muito além do Passe Livre. Como muitos fazem questão de afirmar, “a luta não é por 20 centavos, é por direitos”. Vale ressaltar, que o aumento das tarifas e manifestações do tipo não são novidades na história, porém essa teve algo peculiar e de proporções que ninguém esperava. Não se tem hoje, como prever os rumos e consequências a longo prazo, nem tão pouco a curto e médio com precisão.
O movimento tem como maior sentimento o de descontentamento e insatisfação da sociedade, porém de maneira muito difusa e “espontânea”. As manifestações ganham um caráter genérico e sem uma pauta clara, se trata de um movimento que questiona o atual modelo de Estado (inclui ai instituições, representações, políticas e serviços públicos) e que não vê nos modelos clássicos de organização a sua representatividade. Existe por uma maioria a negação da Política (e nisso entra os governos, partidos, entidades etc), pois, segundo alguns manifestantes, o protesto não é “política”, é “luta por direitos”.
Do ponto de vista político, os atos ganharam proporções inimagináveis. Pode se dizer hoje, que de certa forma, “perdeu-se o controle”, afinal, é difícil e tenso coordenar e acompanhar de maneira totalmente organizada um protesto com mais de 200 mil pessoas. Vale destacar que a maioria dos participantes não possuem experiência com esses métodos de luta social.
É forte também o discurso anti-partidário e aversão a qualquer forma de organização/entidade social. Nas manifestações em todo o Brasil, os partidos são vaiados, com suas bandeiras rasgadas, agredidos e constrangidos pelos “manifestantes independentes” que gritam “sem partido, sempartido”, o mesmo acontece com os movimentos históricos e entidades de luta no Brasil, como CUT, MST e outras. Vale o registro que na ditadura civil-militar também eram proibidos partidos, e o discurso apartidário é reforçado pela a mídia brasileira (só para reflexão).
Os movimentos que iniciaram com as pautas históricas do campo da esquerda foi disputado nas ruas. Hoje, as mais diversas bandeiras tomam contas dos protestos, desde questões como o próprio passe livre, contra o cura gay, e contra o estatuto do nascituro, assim como “pelo preço justo do Play Station 4”, contra a PEC 37 e pela redução da maioridade penal.
Hoje, não podemos cair na dicotomia maniqueísta de afirmar que o movimento virou fascista e de ultra-neoliberal, ou mesmo que se trata de um movimento da esquerda clássica. Não é nenhum, nem o outro. O movimento é muito mais complexo, contraditório e multifacetado do que essas simples afirmações.
De modo geral, as manifestações tem ganhado um caráter patriota/nacionalista e pacifista (que é diferente de pacífico). As pessoas vão de branco, com a bandeira do Brasil e cantam o hino nacional durante o percurso. Algumas cidades, a manifestação terminou em oração coletiva na praia. Na maioria, teve-se uma verdadeira criminalização da pobreza, onde os estereótipos de quem era da “periferia” e fazia qualquer movimento que fugisse do padrão era vaiado e denunciado através da “palavra de ordem” “sem vandalismo, sem vandalismo”. A PM cabia prender e sabe-se lá mais o que em atendimento aos “manifestantes pacíficos”.
A mídia enfoca o caráter pacifista, principalmente para mostrar que existe uma “dicotomia” no movimento, já que a minoria que não canta hino e não vai de branco são os “vândalos”, “oportunistas” e “marginais” que não tem como evitar, isso segundo a Rede Globo (que quebrou sua grade para mostrar todos os protestos no dia 20/06).
Uma coisa é fato, o protesto/manifestação/ato corre o risco de ser capitalizado pelo senso-comum, pela direita e setores bem conservadores do país e se tornarem possivelmente em “Marchas pela Família”, como na época da ditadura. Isso não significa, porém, que irá acontecer, mas é uma possibilidade. Como o contrário pode ser totalmente verdadeiro, só a luta cotidiana e decorrer do processo poderá definir. Por enquanto, nada está dado.
Não terá como aprofundar a análise de metodologia e de coordenação do movimento, mas sobre isso se trata de um exercício político para a militância, principalmente de esquerda. Um exercício de buscar unidade política dos partidos, entidades e organizações da esquerda, de construir atos onde os protagonistas sejam o povo e suas bandeiras históricas. A esquerda precisa se unir e pautar projetos dos trabalhadores, como mais investimento na saúde, educação, reforma política e outras pautas. Isso precisa ser feito de maneira clara e precisa, para obter conquistas e assim, poder avançar nas lutas.
O PT através de suas mais variadas instâncias (Direções Nacional, Estaduais, Municipais, Juventude e forças políticas) lançaram nota de apoio as manifestações e se solidarizaram com a luta e os protestos no país. Porém, se trata ainda de um verdadeiro tensionamento interno. Afinal, as manifestações representam insatisfação (seja de esquerda, direita ou senso-comum) e coloca para o partido e governo a necessidade de fazer autocrítica do que não fizemos, avançar nas pautas já conquistas e sair do imobilismo. O PT, mais do que qualquer partido, precisa se fazer presente nas ruas, disputar as pautas, unificar a esquerda e avançar através dos governos.
O pronunciamento da Presidenta Dilma aponta a sensibilidade do governo com os anseios das manifestações, elogiando a democracia que conquistamos através de luta contra a ditadura. No dia 21 de junho, Dilma falou para todo o Brasil que o governo quer muito mais do que tem hoje, ela tensinou o Congresso Nacional para a votação em prol dos 100% dos royalties do pré-sal para a Educação, falou da necessidade da Reforma Política nos três poderes, que o movimento é legítimo e que se tiver uma pauta clara o Governo está aberto para o diálogo com os representantes, falou também do Plano Nacional de Mobilidade Urbana e da vinda dos médicos estrangeiros como avanço para a política de saúde.
Precisamos ir além, precisamos
desengavetar e chamar toda a base para pautar Reforma Política no Brasil de
maneira forte e determinada, não podemos adiar mais a Democratização dos Meios
de Comunicação e outras pautas históricas do PT e da esquerda, como: reforma
agrária, reforma urbana, primazia das políticas públicas em detrimento do
mercado etc.
No que se refere a luta por um transporte público de qualidade e efetivo, é importante pautar que as empresas de ônibus se tratam do verdadeiro inimigo, tanto do povo como de governos progressistas. Para garantir seus lucros desmedidos, as empresas são medem esforços, seja na perseguição de militantes, ou mesmo financiando campanhas eleitorais para garantir seus lobbies. Exemplo claro disso, é que as empresas arcam minimamente sobre a tarifa, sendo a maior oneração para os governos, e principalmente para a população.
O Movimento Passe Livre (MPL), com todo o apoio da esquerda, deve agora construir unidade em torno de um projeto que ultrapasse o “contra o aumento e pela redução das tarifas”, precisamos ir as ruas exigir um novo modelo de política pública de mobilidade urbana, exigir transparência e auditoria das planilhas superfaturadas das empresas e que obscurecem o lucro real, denunciar os monopólios, as concessões irregulares, exigir transparência e mais controle social nas decisões que envolvam a política.
Outro ponto que podemos avançar, é com o Passe Livre Cultural, que se trata da meia-passagem nos finais de semana e feriados para todos os usuários de transporte, gerando assim mais acesso a cultura, ao lazer e a cidade por parte da classe trabalhadora. Essa já realidade em alguns municípios, e que devem servir de exemplo na democratização do acesso ao território.
O Passe Livre já realidade em algumas cidades no Brasil. Aqui destaco a experiência em João Pessoa/PB, recém lançada pelo governo municipal, onde o PT encabeça através do Prefeito Luciano Cartaxo. Apesar das limitações e restrições e apenas para estudantes da rede municipal (o que não dará também para um maior aprofundamento neste artigo), o passe livre em João Pessoa representa avanços e possíveis caminhos a serem trilhados pelas gestões.
As movimentações já conquistaram vitórias nesse sentido. Em várias cidades a tarifa já foi reduzida, como em São Paulo, João Pessoa, Cuiabá, e outras cidades. Porém, em sua maioria o lucro dos empresário continua intocável, e aí está a ferida para ser mexida: precisamos onerar as empresas sobre o preço da tarifa, e não a população ou os governos.
O Passe Livre se trata de um direito necessário para democratizar o acesso e a livre circulação nas cidades. O PL para estudantes e juventudes é deliberação da 2º Conferência Nacional de Juventude, essa é a nossa meta, a nossa estratégia. Atrair a sociedade para essa pauta é fundamental, significa a conquista de um direito fundamental, o de ir e vir, e dizer aos empresários que não se lucra com esse e tantos direitos.
As lutas sociais, e principalmente suas conquistas são pedagógicas e importantes, mostram para a sociedade que através da luta social podemos ter ganhos concretos, e se isso vale para a tarifa, vale para outras pautas históricas. Os últimos movimentos, além disso, mostram para a esquerda a necessidade de se reciclar? De ter novos métodos? De não subestimar o “senso-comum”? De “voltar” as massas? Questionamentos que se forem respondidos agora, talvez seja equivocado, mas, alerta no sentido de mudança, e sempre, de saída pela esquerda.
Nosso papel, militantes dos movimentos sociais, partidos, entidades e mais diversos segmentos é de participar e construir essas manifestações. Disputar nas ruas, como sempre fizemos. Não podemos afirmar que a batalhar está perdida, não podemos nos ausentar. É afirmar que o gigante nunca esteve adormecido, sempre as lutas foram pautadas e enfrentadas nesse país, mesmo no descendo de lutas de massas. O Brasil nunca dormiu. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Um salve a democracia e a participação popular.
Shellen Galdino
Estudante de Serviço Social da UFPB.
Militante da Articulação de Esquerda, tendência interna do PT.
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