Um grupo de 11 médicos brasileiros de Pernambuco, Bahia, Paraíba e Minas Gerais fomos a Cuba conhecer seu Sistema Nacional de Saúde em novembro de 2011, durante duas semanas, através de um curso organizado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSAP). Todos éramos médicos da Atenção Primária no Sistema Único de Saúde e levamos à ilha uma questão central: o que podemos aprender com o povo cubano para garantia do direito à saúde no Brasil?
Porque Cuba
Uma pequena ilha, com cerca de 11 milhões de habitantes e um território um pouco maior que o estado de Pernambuco. Nos últimos anos, em meio a crises de qualidade e sustentação financeira dos serviços de saúde em todo o mundo, Cuba tornou-se uma referência.
Hoje a expectativa de vida média é 78 anos e o idoso que chega aos 80 anos vive mais 7,6 anos em média. A mortalidade infantil é de 4,5 crianças para cada 1.000 nascidos vivos e a mortalidade materna é 30 a cada 100.000 gestações. Foram erradicadas do país a poliomielite em 1962, a difteria em 1979, o sarampo em 1993 e a rubéola em 1995. As doenças que mais matam em Cuba são enfermidades cardiovasculares, tumores malignos e doenças vasculares cerebrais, um padrão típico de países desenvolvidos.
A Saúde em Cuba
O Sistema Nacional de Saúde em Cuba é universal, integral, gratuito, regionalizado e ao alcance de todos os cidadãos sem discriminações religiosas, políticas, por raça ou etnia. O dever do Estado na garantia do direito à saúde está definido na Constituição da República. O sistema é orientado e coordenado pela base – como costumam se referir à Atenção Primária. E Cuba investe 18% do seu Produto Interno Bruto em saúde pública (no Brasil, essa cifra é de 3,4%).
A violência social, que adoece famílias no Brasil, é insignificante em Cuba. Tráfico de drogas, assassinatos, conflitos entre facções rivais, mortalidade elevada de jovens por causas externas e disputa entre Estado e grupos para-militares são temas conhecidos através de filmes e histórias brasileiras.
As gestantes fazem em média 12 consultas de pré-natal, entre avaliações do médico de família e do obstetra, e todas fazem pelo menos uma Ultra-Sonografia. Os cubanos desenvolveram um serviço chamado Hogar Materno no qual gestantes com risco são acompanhadas em permanência-dia ou internação para controle de fatores que podem levar a um mal desfecho gestacional, como baixo peso, anemia, problemas familiares ou longa distância geográfica da maternidade. Além disso, as mulheres que não desejam concluir uma gestação podem interrompê-la com assistência de um serviço de saúde conforme pactuação com a equipe médica.
Atualmente, Cuba conta com 72,5 mil médicos, sendo que 36 mil deles atuam na Atenção Primária e 26 mil são especialistas em Medicina Geral e Integral (a especialidade equivalente no Brasil, chamada Medicina de Família e Comunidade, conta com 1.500 especialistas de um universo de 31.500 médicos que trabalham no Programa Saúde da Família). E não faltam bons médicos nos Postos de Saúde ou regiões rurais de difícil acesso. Um médico e uma enfermeira de família compõem um Consultório de Família, equivalente a uma Equipe de Saúde da Família no Brasil. São profissionais que vivem nas próprias comunidades em que trabalham e são responsáveis por, no máximo, 1.500 pessoas. Um grupo de até 20 Consultórios tem referência em um Policlínico, onde se encontram diversas especialidades médicas, outros profissionais de saúde, exames complementares e vacinação.
As práticas de Medicina Popular e Tradicional foram incorporadas aos Consultórios de Médico e Enfermeira da Família e aos Policlínicos. E graças ao desenvolvimento de pesquisas médicas autônomas, Cuba cria tecnologias próprias, como a medicação chamada Heberprot-P para feridas crônicas em pacientes com Diabetes Melitus que está sendo exportada para outros países. Como se não bastasse, um princípio cubano é a solidariedade: há 17 mil médicos e 23 mil outros trabalhadores da saúde em Missões Internacionais em 74 países, além de 24 mil jovens de 105 países que estudam medicina em Cuba.
São apenas alguns exemplos. Poderíamos citar também os serviços hospitalares descentralizados, os transplantes de órgãos e as tecnologias modernas de diagnóstico e tratamentos disponíveis, apesar do Bloqueio Norte Americano que impede, por exemplo, o uso de um medicamento para tratamento da leucemia em crianças que não respondem a quimioterápicos usuais.
Mas, existem desafios. Cuba enfrenta hoje o tema do tabagismo, hábito cultural e fonte de divisas importante para a economia nacional, diretamente relacionado às causas maiores de mortalidade. Além disso, é fundamental valorizar a moeda nacional e o salário dos trabalhadores, inclusive dos profissionais de saúde. O estímulo aos trabalhos por conta própria e luta contra o Bloqueio Norte Americano são medidas nesse sentido.
Lições para o povo brasileiro
Não há fórmulas prontas. O processo histórico de construção de uma sociedade e um sistema de saúde tem singularidades e particularidades. O povo cubano, inclusive, destacou-se na história por não aceitar imposição de modelos e construir suas mudanças com soberania. Mas, há lições importantes para os que desejam o direito à saúde para o povo brasileiro.
No Brasil, também tivemos conquistas populares no setor saúde com as lutas pela construção do SUS. Ao longo de seus 23 anos, conseguimos aumentar a expectativa de vida para 73,1 anos e reduzir a mortalidade infantil para 21,17 por 1.000 crianças nascidas vivas (vale lembrar as disparidades regionais, a ponto de Alagoas ter uma mortalidade infantil de 46 por 1.000). Resultados modestos se comparados aos cubanos. Nossos desafios são muitos.
Nessa vivência em Cuba, ficamos emocionados e inquietos ao lembrar das famílias que cuidamos e muitas vezes sofrem e adoecem por problemas que em Cuba foram superados há 50 anos. No Brasil, e não em Cuba, ainda existe baixa cobertura de serviços de atenção primária, carência de médicos em áreas remotas e periferias urbanas, concentração de médicos em setores privados de saúde, financiamento insuficiente.
E aprendemos com o povo cubano duas lições centrais: saúde se conquista com a garantia de outros direitos sociais e somente a vontade política garante saúde como um direito de todos e dever do Estado.
Na sociedade brasileira, o Direito à Saúde somente será garantido com reformas estruturais: educação pública e de qualidade em todos os níveis, rede de proteção e assistência social ampla e eficiente, moradias saudáveis, alimentos acessíveis e sem agrotóxicos, melhores condições de trabalho e bons salários para todos os trabalhadores. Por isso, são fundamentais a ação dos movimentos populares, estudantis e sindicais no Brasil para fortalecer a Atenção Primária e o SUS, lutar contra as privatizações na saúde, banir o uso de agrotóxicos e fazer avançar as transformações profundas da sociedade brasileira. E façamos a nossa opção soberana por um projeto popular para o Brasil.
Bruno Abreu Gomes – Pedralva
Cuba, 3 de dezembro de 2011
Dia latino-americano da Medicina
Excelente experiência!!!Nós brasileiros queremos um SUS de qualidade e com democracia!!! Em defesa do SUS e contra a privatização da saúde!!!
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